Minha vida é uma peça

Claudia Raia compara trajetória a espetáculo e planeja "grand finale": "Se Deus quiser, vou morrer no palco"

Leo Dias Colunista do UOL Tato Belline/Divulgação

"Não quero morrer em hospital, entubada. Quero passar plena para o outro lado." É com esta frase que Claudia Raia, 52 anos --36 deles atuando na TV Globo--, deixa claro que envelhecer não está nos seus planos. Comparando sua vida a um espetáculo, a atriz diz estar entrando no "segundo ato".

"Tenho meu grand finale ainda. Minha vida é quase uma peça de teatro. É agora que eu deixo meu legado", afirma Claudia, que se diz mais energética do que antes.

Claudia se despede, no fim deste mês, da autêntica Lidiane, a ex-atriz de pornochanchada de "Verão 90", mas diz que não pensa em parar. "Se Deus quiser eu vou morrer no palco. Já pensou?"

A atriz afirma que tem como sua marca principal a exigência em tudo o que faz. Promete trabalhar até os 95 ou 96 anos, fazer umas plásticas, se necessário, e se manter ativa até que as cortinas sejam de fato fechadas.

Escandalosa em frente às câmeras e bastante discreta nos bastidores, a atriz fala, em entrevista ao UOL, sobre o sucesso de sua última personagem, abre o jogo sobre episódios de sua vida pessoal, como a separação calculada do ator Edson Celulari, e revela, por fim, o que a faz feliz de verdade.

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Novela sem maçã podre

"Fiquei fora do ar esperando para fazer a Lidiane de 'Verão 90' por quase dois anos, porque a novela foi adiada e eles não queriam abrir mão de mim. Foi um trabalho que, apesar do cansaço, não queria que acabasse --o que é raro. Não tinha uma maçã podre, não tinha uma pessoa desagradável na equipe, nada. Foi tudo perfeito, do começo ao fim.

A personagem era muitíssimo bem escrita, a direção do Jorge Fernando foi, como sempre, maravilhosa e minha parceira de cena [Isabelle Drummond], espetacular. Acho que Lidiane e Manuzita deram o tom da história, são personagens muito populares.

Eu amo fazer novela. Fico até pensando em como, depois de 36 anos de TV Globo, ainda gosto tanto de fazer novela. Tenho uma coisa meio adolescente, sou muito encantada com as coisas. Quando entro para fazer algo é porque já fui picada pela alegria e pela paixão por aquilo.

A minha relação com a Globo é clara e honesta. Cheguei lá com 17 anos, sinto-me em casa. Quando eu termino um trabalho, vou até eles e peço autorização para fazer teatro, cinema, qualquer que seja o projeto. Procuro saber se vão precisar de mim, se eu posso descansar a imagem. Preciso ter esse respeito. Me considero uma profissional bem-sucedida e me orgulho de tudo aquilo que construí. Tenho um olhar muito assertivo e afiado."

Rede Globo/Divulgação Rede Globo/Divulgação

Nunca fiquei rica --só se for de talento, de amor e de saúde. Eu gosto de dinheiro, mas não sou refém dele. O dinheiro me serve, não o contrário. E essa relação muda tudo.

Sobre como administra sua vida financeira

"Meu público é o povo"

"Sempre gostei de transitar por todos os lugares, percebi isso meio cedo. Nunca tive medo de ser popular, é algo de que gosto. Tem gente que sente medo, porque não é tão sofisticado, chique, não atinge os críticos, os pensadores. Eu não quero saber dessa gente. O meu público é o povo, e eu gosto que seja assim. Por isso que coloquei meu teatro também a preços populares. Todos que se dizem cult chegam à televisão e se ferram, porque fazer televisão é dificílimo.

Tenho vários defeitos. Sou muito exigente com as minhas coisas e com as dos outros também. Sou muito exigente, principalmente no trabalho e com quem está ao meu redor. Quero comprometimento. Chego na hora e entro no estúdio sabendo meu texto inteiro. Tenho 35 cenas por dia. Não é para me gabar, não, eu aprendi assim.

E não me apaixono por quem não funciona da mesma forma, acabo não tendo admiração. Provavelmente é uma pessoa que não escolherei para trabalhar junto. Sou capricorniana com ascendente em gêmeos e lua em touro. Meu nome é trabalho, eu trabalho 20 horas por dia.

E as pessoas vão ter que me aguentar pelo menos até os 95 ou 96 anos trabalhando. Ainda falta metade da minha vida."

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Sem espaço para o preconceito

"Não existem preconceitos na minha vida. Nunca. E eu mato os meus filhos se eles tiverem um pensamento preconceituoso.

Criei meus filhos para serem o que quiserem. Eles não são perfeitos, mas são bem legais, bem fora da curva. E têm uma mãe e um pai ali, presentes. Acho que tudo vem da educação e do limite.

Mas eu já errei como mãe. Só não deixo enraizar o erro. Tento começar de novo.

Eu não me meto muito na vida do Enzo, só entro quando tem uma coisa muito errada. Aí eu chego nele e falo o que eu acho. Não é mentira que eu intervi com ele na história com a panicat [Nicole Bahls]. Ele tinha 16 anos de idade. Era bem esquisito aquilo.

A Sofia é muito tranquila, muito respeitosa e na dela. Quem tem que estar feliz com alguém é ela, não eu. Eu escolho meu parceiro, e ela escolhe os dela. Eu, às vezes, abro os olhos para os caminhos, mas é ela que escolhe."

Eu tenho um filho príncipe e uma filha princesa, mas óbvio que, para isso, tive que ser uma educadora. Eles não foram sempre assim. Precisaram levar muitos puxões de orelha, muitos 'nãos', muitos castigos.

A respeito da educação de Enzo e Sofia

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Mais energética do que antes

"Quero levar o segundo ato da minha vida muito bem, como levei o primeiro. Tem que vir um número porrada agora, para acordar todo o mundo. Eu tenho meu grand finale ainda. Minha vida é quase uma peça de teatro. É agora que eu deixo meu legado, ensino para as pessoas o caminho do sucesso. Estou mais energética do que eu era antes.

Não uso a palavra velhice. Não sou velha, nem vou ficar. Vou ficar uma senhora, mas por dentro não serei velha. Por fora vou ficar velha, claro. Mas vou ali, faço uma plástica, puxo aqui, puxo ali. Tudo com limites.

Até hoje só fiz o nariz, nada mais. Eu uso botox, preenchimento, claro. Mas não vou dizer onde, porque são meus segredos. Tudo muito pouco, tudo certo.

Eu vou envelhecer do lado de fora e vou tocar a vida, tocar o barco. O que eu acho que fundamental é o discernimento de sacar o que não dá mais para fazer, ter bom senso. Eu nem chego perto de uma situação que eu posso pensar que não dá mais para fazer.

Se Deus quiser, eu vou morrer no palco. Já pensou? Ia ser o 'grand finale'. Ia ser superteatral, ótimo. Não quero morrer num hospital, entubada. Quero passar plena para o outro lado."

"Não quero fazer show com a minha vida"

"Acho que a lavação de roupa tem que ser em casa, se ela vier a existir. Eu não boto isso para o público, não acho que esse seja o caminho. Desde novinha sou assim.

Minha separação [do Edson Celulari] foi muito calma, com tudo extremamente calculado. Minha vida é assim, eu não gosto de exposição. Tinha dois filhos envolvidos. Esperamos eles estarem de férias para anunciar. Tudo isso para que eles não fossem pressionados.

Esse tipo de capa de jornal não me interessa. Eu não quero fazer show com a minha vida, faço show no palco."

Sempre separei perfeitamente a vida privada e a vida pública. E também tive companheiros que me ajudaram a fazer isso, porque também são discretos. Nunca peguei um doido.

Sobre a forma como lida com assuntos íntimos

Planos para o futuro

"Vou fazer um espetáculo que se chama 'Conserto para 2', com s mesmo. É um musical, eu e Jarbas [Homem de Mello, ator e marido de Claudia]. Um musical encomendado para Ana Toledo [compositora], com o qual vamos viajar o Brasil inteiro. Eu queria um espetáculo para nós dois, com vários personagens. Vamos estrear na última semana de outubro, no Sul do país. Depois fazemos Portugal.

O Brasil tem pouca estrutura de teatro, e meus espetáculos sempre foram grandes e caros. Às vezes tenho lucro, às vezes não. Quando consigo patrocínio para bancar a folha de pagamento, aí, sim, temos um lucro interessante. Mas a vida de teatro é essa. Não é só o lucro que me dá prazer.

Já errei. A minha primeira produção foi 'A Pequena Loja dos Horrores', eu tinha 18 anos, e eu errei tudo ali. Perdi dinheiro feio e achei que desistiria para sempre, porque era algo perigosíssimo. Mas aprendi a fazer dar certo. A cabeça do produtor tem que ser metade razão e metade paixão, e eu só tinha paixão. Me entrego. Faço acontecer. Mas isso passou. É bacana porque com a maturidade você vai vendo até onde pode chegar.

Estou adorando que vou viajar, passear e namorar meu marido no espetáculo. A minha vida é trabalhar. É tudo junto. Eu e o Jarbas é mais junto ainda. Se me tirassem o trabalho eu nem sobreviveria. Eu amo trabalhar, criar, inventar, ter ideia e construir aquilo que eu inventei."

Van Campos/Folhapress Van Campos/Folhapress
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