"Eu resolvi pagar o preço"

Edgard Piccoli lamenta treta no Morning Show com Caio Coppola, critica Bolsonaro e fala em perseguição

Felipe Pinheiro do UOL, em São Paulo Marcus Leoni/UOL

Durante quase duas décadas, Edgard Piccoli foi um dos rostos mais conhecidos do jornalismo musical brasileiro, fosse como um dos VJs mais longevos da MTV, onde apresentou diversos programas entre 1992 e 2006 ou, mais tarde, no Multishow. Tranquilo e boa-praça, conversava com os mais diversos artistas e bandas sem dificuldades. Tudo mudou desde 2012, quando passou a ancorar o Morning Show, na Jovem Pan.

Aos 54 anos, o paulista de Campinas --que na adolescência usava uma parafernália com antena e palha de aço para sintonizar as frequências da capital-- encontrou no rádio, onde deu os primeiros passos como comunicador, o maior desafio de sua carreira.

"Essa exposição do Brasil dividido politicamente, de enfrentamentos movidos por uma não tolerância do pensamento divergente, acaba reduzindo o debate a essa guerra que vemos hoje. É um aprendizado duro. Estou inserido num contexto em que os haters odeiam nas mídias sociais e você é muitas vezes rotulado à revelia da sua verdade", diz Edgard, que não desiste, em meio à polarização, de encontrar o caminho do diálogo.

"É um trabalho até hercúleo, uma oportunidade diária, no programa que eu ancoro, tentar trazer de alguma forma o entendimento pacífico das diferenças. Nem sempre a gente consegue. Somos falhos, humanos, mas é um exercício diário".

Marcus Leoni/UOL

Discussão no Morning Show: "Não me orgulho"

Foi nesse contexto de divisão entre os que amam ou odeiam o governo Jair Bolsonaro, que Edgard e o comentarista Caio Coppola travaram recentemente um debate que fez os ouvintes se comportarem como verdadeiras torcidas organizadas. A pauta era o polêmico comentário de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura militar.

Coppola minimizou a declaração, que para Edgard foi gravíssima. A divergência foi marcada por uma sequência de interrupções e trocas de farpas, que viraram até memes, como a frase: "Prefiro ser um latifúndio de falas do que um deserto de ideias", dita pelo comentarista do Morning Show ao âncora.

Edgard lamenta o episódio, mas mantém a opinião sobre a postura de Bolsonaro. Para ele, os ânimos exaltados deveriam ter sido evitados.

"Lamento o ocorrido, não era o objetivo chegar a esse ponto. Acho lamentável. É um mau exemplo. Se estamos buscando apaziguar ânimos frente a opiniões divergentes não deveríamos incorrer nesse mesmo erro. Entendo que essas coisas prejudicam o debate", acredita.

"Eu não soube lidar com o que eu detectei como uma flexibilização de um ato do presidente que eu considerei vil e indigno do cargo que ele ocupa. E a discussão aconteceu, mas eu não me orgulho. Embora dê esse buzz, não é a melhor maneira de se levar as pessoas a uma reflexão".

Após a treta ao vivo, ele conta ter se entendido com o colega de programa, em meio a conversas que envolveram até a direção da rádio.

"A gente contornou e desde o ocorrido buscamos o entendimento a partir destas diferenças. As conversas aconteceram entre direção e os integrantes do programa no sentido de que temos um impasse. Vamos dirimir essas questões para assim tocar o programa adiante".

Edgard assume o desejo de ter um papel mais de mediador, menos opinativo, no formato do Morning Show, que em sua essência é quase uma conversa de bar entre amigos de opiniões conflitantes. Mas assume se sentir no dever de interferir em alguns debates.

"Eu, como âncora opinativo, me sinto no dever de expor uma opinião contraditória. De não deixar que o programa onde eu atuo tenha uma visão unilateral das coisas. Isso eu faço com orientação do meu presidente da Jovem Pan", afirma.

"O meu desejo pessoal é de que tenha alguém para fazer esse contraponto, de modo que eu possa ficar na minha condição de distribuição de assuntos e questionamentos. Como a configuração atual no programa não é essa, me sinto no dever de apresentar o contraditório. E aí os papéis acabam ficando um pouco misturados".

Edgard e Coppolla batem boca no Morning Show

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Ninguém é obrigado a ser amigo. Temos amigos por empatia. Nos aproximamos por empatias. Acho que isso acontece com todo mundo. Desde meu primeiro trabalho no rádio eu não era amigo de todos, mas com quem tinha afinidade. Aqui na Jovem Pan também é assim

Sobre a relação fora do ar com Caio Coppola

Perseguição nas redes sociais e processo

Pelas opiniões críticas a Bolsonaro, Edgard Piccoli, é claro, virou alvo de apoiadores do presidente da República. Os ataques, ele acredita, refletem "uma clara perseguição" por discordar dos rumos do atual governo. Mas ainda que sejam parte da função, ele reconhece que as ofensas às vezes o abalam.

Quem falar que convive bem com isso está mentindo. Eu procuro não me deixar influenciar, e na maioria das vezes consigo. Ultimamente tem sido um pouco mais complicado porque o ataque é muito coordenado pelos que defendem incondicionalmente esse governo sem entender que isso é passageiro. É uma perseguição com quem pensa diferente. Estou numa emissora que me permite dizer o que penso. E esse papel eu vou exercer até quando me couber.

Após a discussão com Coppola, a página Isentões, de apoiadores do presidente, sugeriu que o âncora não criticava governos anteriores porque teria recebido verba federal em 2017. Nas redes, Edgard rebateu dizendo que processaria os responsáveis, o que ele prefere não comentar se levará adiante.

"Nessa tentativa de difamação e calúnia da qual eu fui vítima por um site que defende o governo insinuaram que eu recebi dinheiro público numa quantia astronômica, e na verdade tratou-se de um trabalho que eu fiz na Jovem Pan em 2017 para o Ministério da Saúde com nota fiscal emitida e com outros inúmeros outros profissionais da comunicação que participaram".

A ira que atinge o apresentador nas redes sociais também já aconteceu no mundo real. Ele contou um diálogo que teve com Abraham Weintraub, ministro da Educação, em uma visita ao Morning Show, em que relembrou o episódio.

"Tivemos aqui o ministro Abraham Weintraub, que no meu entender tem um comportamento lamentável à frente de um ministério que considero como um dos mais importantes. Ele foi vítima de uma abordagem que eu não considero bacana e disse para ele que já passei pela mesma situação com os chamados bolsominions", conta.

"Eles me abordaram com a família, em um momento particular. Foi uma abordagem agressiva, truculenta. A melhor coisa é não dar continuidade porque a tendência é só piorar. Era um casal. Com a intolerância você não pode dar corda. "

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Ou eu deixo que o programa no qual eu ancoro tenha uma visão única ou eu me coloco e pago o preço dessa exposição delicada. Eu resolvi pagar o preço, que é lidar com os ataques dos haters.

Sobre ser um âncora mais opinativo e menos mediador no Morning Show

"A esquerda decepcionou"

Quem acompanha Edgard Picoli à frente do Morning Show sabe a opinião dele sobre o atual governo, mas em que lado da política ele se coloca?

"Eu me considero otimista, mas não vejo com otimismo essa situação que pode nos levar a um estado muito penoso e deplorável em relação ao que se espera do chefe de uma nação", desconversa.

Edgard assume ter aderido ao movimento de esquerda encampado pelo ex-presidente Lula, mas não esconde a decepção após a chegada do PT ao poder.

"Acreditei que aquilo pudesse representar uma mudança no paradigma político. Cara, me enganei, assumo isso", admite.

A esquerda decepcionou e enveredou para um mecanismo político deplorável, de corrupção, de aparelhamento. Onde está a voz da razão na política de hoje? Eu estou à procura dessa voz. Nos extremos eu tenho certeza que não vou encontrá-la.

Sobre seu posicionamento político

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Flávio Florido/Folhapress

O paraíso MTV

Para entender o âncora questionador que Edgard se tornou é imprescindível voltar aos tempos de MTV Brasil. Na emissora onde falar de sexo com jovens não era tabu nos anos 90, o ex-VJ diz ter formado os valores que carrega atualmente.

"A MTV me tornou uma pessoa com um olhar mais humano, além de ter me divertido muito. Nas campanhas promovidas pela emissora, tive contato com assuntos de extrema importância, como a proteção às doenças sexualmente transmissíveis, o engajamento político, quais ações poderíamos tomar para tornar o mundo mais justo", relembra.

No comando de programas musicais como o Ponto Zero, Nação, Contato e Jornal da MTV, foram 14 anos no canal. "Era uma vida que qualquer jovem de 20 e poucos anos mal poderia sonhar em ter. Eu estava no paraíso!", diz, empolgado.

O ex-VJ, no entanto, acha que seu ciclo na emissora havia acabado quando resolveu aceitar o convite para ir para o Multishow.

"Existia um esgotamento das possibilidades profissionais para mim. Não via mais como evoluir. Já tinha feito de tudo. Era hora de sair. Conversamos e chegamos nesse entendimento comum. O Multishow já estava no radar e eu fui para lá. Me vi triste e chorando por encerrar aquele ciclo de muita felicidade".

A saída de Edgard da MTV coincidiu com a crise que acabaria com a emissora no antigo modelo como ficou conhecida. O canal, cujos direitos de licenciamento pertenciam à editora Abril, deixou a TV aberta e voltou ao controle da Viacom, que passou a ser um canal para assinantes com boa parte da programação reproduzindo a matriz americana.

"O advento da internet mudou o paradigma da relação dos artistas com os fãs. Aquele momento foi crucial na mudança de padrão. As pessoas não precisavam mais esperar para ver o clipe da banda favorita. Acabou entrando numa crise por uma própria demanda da juventude".

Edgard traz em bagagem também um grande fiasco na TV, que ele lembra aos risos. Após deixar o Multishow, comandou um reality show na Band em 2010. No Busão do Brasil, inspirado em um formato da Endemol, os participantes ficavam confinados em um ônibus que percorria vários estados e eram eliminados ao longo da jornada. Quem chegasse até o último destino levava o prêmio de R$ 1 milhão.

"Foi um acidente de percurso. O formato era legal, mas foi mal executado. Era muita gente envolvida, produtora, marca patrocinadora, Um reality show que não tinha transmissão em tempo real. O programa foi definhando no ar até chegar ao fiasco que foi. Mas tudo é experiência", pondera.

Marcus Leoni/UOL Marcus Leoni/UOL

Não sou daqueles que olha de uma maneira nostálgica. A MTV tem importância e é lembrada de maneira carinhosa exatamente porque ela acabou quando tinha que acabar

Sobre o fim da MTV

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