Deixei de odiar meu corpo

Atacada na infância, Klara Castanho conta como virou referência contra o bullying

Klara Castanho Especial para UOL TV e Famosos Carine Wallauer/UOL
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Eu nasci na geração que colocou o bullying em pauta. Eu nasci na geração que deu nome ao bullying. Eu sabia que o que tinha acontecido comigo era bullying. Ciberbullying, na verdade, porque aconteceu nas redes sociais. Eu não sabia o tamanho daquilo. Eu não sabia a dimensão que aquilo podia tomar. Se eu não tivesse os meus pais, eu estaria muito ferrada.

Aos 12 anos, você está formando caráter, entendendo quem você é, e receber uma enxurrada de críticas por uma coisa da qual você não tem controle é muito cruel. Meus pais filtraram tudo. Foi nessa época, um pouco antes de uma das grandes matérias saírem, que soube exatamente o que estava acontecendo, porque os meus pais me contaram o porquê de terem me afastado das redes sociais. Se eles chegassem para mim e falassem: 'A gente está te afastando porque estão falando mal do seu dente', não iria resolver nada. O que eles me disseram foi: 'A gente vai te afastar porque não é o momento saudável para você estar nas redes sociais. Um dia você vai entender'.

Eu não concordava, porque queria estar ali, mas sempre respeitei muito os meus pais. 'Ok, eu não concordo, mas se eles estão fazendo tem um sentido'. Fui entender depois, e aí falei: 'Caraca, as pessoas eram cruéis de graça', mas eram muito de graça! 'Nossa, coloquem um aparelho na Klara Castanho!', 'Klara Castanho precisa de um aparelho, ela não tem espelho em casa?'. Eu não teria aguentado.

Minha mãe se sentiu muito culpada por não ter colocado um aparelho em mim. Eles se culpavam por eu estar recebendo aquilo. Eles se culpavam por terem me colocado, de alguma forma, exposta. Foi um período muito sombrio

sobre o bullying na época em que atuava na novela Amor à Vida

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Eu me via cadavérica

Dos 14 aos 17 anos, eu tive pessoas muito tóxicas na minha vida. No auge da minha magreza olhavam para mim e falavam: 'Nossa, você está gorda'. E eu pesava 48 quilos. Fui para 40. Eu vejo fotos da época e me vejo cadavérica. É ridículo ver ao que eu me submeti. É ridículo o que fiz comigo mesma.

Eu sempre tive uma dificuldade muito grande de identificar no espelho se eu gostava ou não daquilo que estava vendo. E até hoje é uma batalha diária de acordar e falar: 'Olha, gostei!', 'Olha, não está bom', 'Olha, vamos fazer isso aqui'. É uma batalha diária, e acho que sempre vai ser assim.

Eu odiava o que via. Eu sou pequenininha, nunca tive bundão, nunca tive peitão e sempre fui muito magra. Eu sentia que, ao mesmo tempo em que não parecia a top model porque era baixinha, eu tinha um estômago alto e parecia que tinha um pouco mais de barriga. Era um padrão tão grande na minha cabeça que eu precisava ser magérrima, com o cabelo longo, bonita, nariz não sei o quê... Eu achava defeitos onde olhava. Não podia prender o cabelo porque achava feio.

Hoje em dia, se eu precisar ficar pelada não tenho problema nenhum, mas antes eu tinha, e não era por pudor, era porque eu achava feio. Eu nunca tive dificuldade de atender pedidos em trabalhos, mas eu não estava confortável com o que via. Agora, graças a Deus, não estou nem aí. Quando olho no espelho, eu gosto. Vejo se eu quero realmente mudar ou se é só um momento. Aprendi a ter controle.

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Tenho muito medo das redes sociais e do que as pessoas são capazes de fazer nelas. As pessoas se xingam, se ameaçam, se torturam e, quando chega cara a cara, arregam na maior cara limpa, como se nada tivesse acontecido. O Instagram teve de criar uma ferramenta que quando você comenta uma coisa ruim ele te faz repensar... Que mundo é esse? Um acessório para que você repense se quer magoar alguém ou não? É muito absurdo! A gente está lidando com isso como se fosse uma coisa normal. E é cada vez pior, porque é tudo muito impune. Mas, de um tempo pra cá, a internet parou de ser terra de ninguém. As coisas são printadas, levadas a júri, enfim, as pessoas sofrem consequências

sobre haters

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Parei de me comparar com que via no Instagram

Eu me lembro da primeira pessoa que deixei de seguir. E esses unfollows aconteciam porque eu olhava: 'Putz, meu corpo não parece nada com isso e é isso que eu acho bonito'. E agora? Lembro de várias pessoas me falando: 'Não se compare, não faça isso, não faça aquilo'. Falei: 'Eu vou deixar de seguir essa pessoa, vamos ver. Se eu parar de ver, talvez, na minha cabeça, normalize o que eu vejo no espelho'. Eu parei de comparar com o que eu via no Instagram. Foi um tempo de autoconhecimento.

No meu caso, foi acontecendo assim: 'Eu não tenho por que não gostar disso. É proporcional para o meu corpo. Eu não tenho como ser peituda, não tenho como ser bunduda. Eu seria uma tanajura! Eu tenho 1,53m de altura. Se eu tivesse uma bundona, eu iria ser uma formiga bunduda! Se eu fosse peituda, seria desproporcional'. Fui entendendo que aquilo não fazia parte da minha realidade.

Hoje em dia, eu olho, admiro o corpo dessas pessoas que dei unfollow e falo: 'Ah, legal! O meu é superdiferente, mas o seu é muito bonito!'. Graças a Deus, depois desse processo, eu entendi que ninguém vai ser igual a ninguém. Essas pessoas que fazem milhares de cirurgias e não parecem que elas querem parecer, eu emagrecendo vou parecer alguém? Não vou! Meu biotipo é diferente.

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Posei de biquíni e perdi seguidores. E tudo bem

Eu tinha postado uma foto de biquíni e rendeu muita coisa. Rendeu muito unfollow e muita gente vindo desabafar comigo, a maioria meninas que eram inseguras com o próprio corpo. Eu parei, sentei na minha cama e pensei: 'O que eu posso fazer para trazer essas meninas para perto de mim e falar que eu passei pela mesma coisa?'. E eu não queria que fosse em stories porque passam em 24 horas. Achei o IGTV, que nunca tinha usado. Foi a melhor coisa que eu fiz.

As pessoas começaram a me mandar milhares de relatos e falavam que tinham deixado de me seguir porque faziam comparação, porque não conseguiam gostar do corpo delas, porque o nosso biotipo era muito diferente. Sentei e falei: 'Eu passei exatamente pela mesma coisa'. Eu jamais vou ser a que pede para ficar. A sua saúde mental é muito mais importante do que eu ter seguidor. Eu realmente não ligo para o fato de perder seguidores porque essas pessoas estão buscando saúde mental. É o princípio de tudo, é o básico para a gente viver bem. Se essas pessoas precisam ficar longe do meu Instagram para isso, meus amores, vão ser muito felizes, entendeu?

O Instagram falou que meu IGTV tinha sido o mais visto daquele mês e me convidou para uma campanha. A Unicef me chamou para ser embaixadora do projeto 'Acabar com o bullying é da minha conta', junto com a Safernet, justamente para alertar as pessoas sobre o perigo que a gente corre nas redes sociais, e é um perigo psicológico. Não é um perigo de um pedófilo, um estuprador. É um perigo interno, do quanto a gente se machuca gratuitamente.

Um unfollow muda vidas! Porque você para de ver aquela vida perfeita, aquele corpo perfeito, e volta a ver que existe uma vida normal, a possibilidade de seguir a sua vida como se nada daquilo tivesse acontecido. O projeto veio em um momento em que eu estava tentando entender onde me encaixava, se tinha que continuar fazendo aquilo, se tinha que parar, se era uma voz que eu sabia administrar.

Me sinto muito grata por as pessoas acreditarem no que falo, mas acredito também que não é só a minha informação ou a minha palavra que vai fazer a vida da pessoa mudar. Eu vou fazer a pessoa entender que pode, sim, viver momentos muito legais sem essas pessoas ruins? Que pode viver bem olhando no espelho? Se puder falar sobre um assunto que vai fazê-la se sentir bem, é nele que eu vou. 'Você é muito incrível', 'Você fala de um jeito que não tem como não te entender', 'Você fala de um jeito como se a gente fosse muito amiga' é o melhor retorno que eu podia ter

sobre se tornar uma referência contra o bullying

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