Senta que lá vem história!

Precursor do 'Castelo' e rival de Xuxa e Bozo, 'Rá-Tim-Bum' completa 30 anos

Paulo Pacheco Do UOL, em São Paulo

Há 30 anos, "Rá-Tim-Bum" deixou de ser apenas o verso final de "Parabéns a Você", hino das festas de aniversário, para nomear um dos programas infantis mais bem-sucedidos da TV brasileira. Lançado pela Cultura em 5 de fevereiro de 1990, a atração criada por Flávio de Souza e Fernando Meirelles tinha a missão de educar crianças em fase pré-escolar (o primeiro nome, aliás, era Projeto Pré-Escola).

Paralelamente, a equipe do programa enfrentou outro desafio: disputar a atenção das crianças com "Xou da Xuxa" (Globo) e "Bozo" (SBT), entre outros concorrentes menos preocupados com o público infantil. Deu certo. Os 192 episódios de "Rá-Tim-Bum", custeados com ajuda de FIESP, CIESP e Sesi (US$ 1 milhão), foram reprisados à exaustão, e personagens como Professor Tibúrcio, Nina e Euclides conquistaram os mais novos, que aprenderam de matemática a higiene.

Maior do que a importância do "Rá-Tim-Bum", só o legado dele. A atração, indicada ao Emmy em 1991 e a outros prêmios internacionais, gerou "filhotes" tão ou ainda mais lembrados, como "Castelo Rá-Tim-Bum", "Glub Glub" e "Ilha Rá-Tim-Bum", e moldou três gerações de crianças com o lema "Educação através do entretenimento e entretenimento através da educação".

A família

"Rá-Tim-Bum" começava quando a família se reunia em frente à TV e assistia à abertura, uma sequência de armadilhas que terminava com um bolo de aniversário explodindo na tela. A televisão imaginária com a qual pais e filhos interagiam era uma câmera posicionada com uma luz abaixo dela e uma folha de gelatina.

"Quando começávamos a gravar, eu tirava os pregadores de madeira que prendiam a gelatina azul e estourava a luz branca, e regravávamos tudo de novo. Era uma molecagem que eu fazia", relembra João Victor D'Alves, o Ivo da família de "Rá-Tim-Bum". Irmão mais velho de Lia (Pamella Domingues), ele entrou no programa após emendar dezenas de campanhas publicitárias.

O programa estreou com todos os episódios já gravados, em um processo que demorou entre seis e oito meses e passou por mudanças durante a produção, como a residência da família. "No primeiro dia, lembro que o Fernando Meirelles viu o cenário muito caretinha: 'Gente, não é nada disso! A gente precisa de uma casa mais lúdica, mais colorida, com formas mais arredondadas!'. Quando voltei, a casa já tinha aquele formato, todo bonitinho", conta João Victor, hoje com 38 anos.

A TV não era o único item falso da casa. João não era ruivo, mas parecia por causa das sardas reais. A matriarca, Eva, esperava o terceiro filho com o marido, Orlando (Roney Facchini), mas sua intérprete, Grace Gianoukas, chegou a perder trabalhos por causa da falsa gestação.

"Eu não estava grávida de verdade. A gravidez fazia parte da proposta educativa do 'Rá-Tim-Bum'. Quando terminou o programa, acabei engravidando de fato. Foi até uma coisa difícil, porque os capítulos se repetiam e as pessoas não me chamavam para testes porque achavam que eu estava sempre grávida", recorda a atriz.

Roney Facchini, que já atuou em novelas na Globo, no SBT e na Record, classifica "Rá-Tim-Bum" como seu trabalho mais marcante: "Não sabíamos que a família teria este papel pedagógico no programa, de inserir a criança no universo lúdico e depois, no final, devolvê-la ao real. Ainda hoje, acho que foi minha maior popularidade".

Universo Rá-Tim-Bum

Euclides

Carlos Moreno já era garoto-propaganda da Bombril quando fez testes para o Rá-Tim-Bum. Ele se inspirou no cinema mudo e em Pee-wee Herman (Paul Reubens) para interpretar Euclides, um rapaz ruivo e todo certinho que conversava com a cobra Silvia. "Ele tinha que ser muito metódico e minucioso porque ia passar conceitos para as crianças de alto e baixo, claro e escuro, perto e longe", explica o ator.

Nina

Iara Jamra conquistou Nina após interpretar uma criança na peça "Parentes Entre Parênteses", de Flávio de Souza. A menina sempre era interrompida quando ia contar por que sua boneca era careca. A atriz inventou que sua personagem precisou cortar o cabelo porque grudou chiclete e fez o mesmo com o brinquedo. "Tenho essa história escrita e contava nas festinhas infantis, porque era muito questionada nas ruas", conta ela.

Esfinge

Baseado no game show Enigma, da Cultura, surgiu a Esfinge, escultura que testava o conhecimento do público, interpretada por Norival Rizzo. A caracterização chamava tanta atenção quanto as perguntas: "A roupa era de látex, fazia frio. Cortaram um círculo no meio da mesa, onde eu ficava com metade do corpo embaixo dela e, acima, faziam a cauda. O queixo era de isopor, tinha que colar", detalha.

  • Professor Tibúrcio

    Um dos personagens mais lembrados do "Rá-Tim-Bum", o professor maluco interpretado por Marcelo Tas mais assustava do que ensinava os alunos da classe imaginária.

  • Cacilda

    Inicialmente, Cacilda seria uma boneca manipulada, mas a produtora do Jornal da Criança acabou ganhando uma intérprete de carne e osso: Eliana Fonseca, que também dirigiu quadros do "Rá-Tim-Bum".

  • Jornal da Criança

    O Jornal da Criança, sintonizado em uma casinha de brinquedo, era apresentado pelo âncora Ari Nelson (Márcio Ribeiro) e tinha a vaidosa Darlene (Helen Helene) como repórter. Usava a trilha do filme "De Volta para o Futuro".

  • Professor Miguilim

    Professor Miguilim (Luciano Ottani) realizava experimentos com os personagens do Rá-Tim-Bum. A inspiração veio do programa Domingo no Parque, em que crianças escolhiam entre um prêmio bom e um ruim sem saber.

  • Fada Dalila

    "Pétala de rosa, orvalho matutino, pulo de formiga, Rá-Tim-Bum" eram as palavras mágicas da fada Dalila (Jéssica Canoletti), que vivia em um bosque com o monstrengo Bludo e sempre falava rimando.

  • Doutor Barbatana

    Doutor Barbatana (Marcelo Mansfield) apresentava o salto das populares sereias de água doce para dentro e para fora da piscina. O truque era simples: bastava voltar o salto na edição.

  • Máscara

    Espécie de Sherlock Holmes de "Rá-Tim-Bum", Máscara (Paulo Contier) se dizia expert em investigações, mas não conseguia adivinhar palavras óbvias. Tinha um fiel escudeiro, o ratinho Rói.

  • Pinguim

    "Rá-Tim-Bum" transformou um pinguim de geladeira em um exímio pianista! Interpretado por Theo Werneck, o personagem se apresentava em cima do eletrodoméstico ao lado de frutas gigantes.

  • Zero e Zero Zero

    A dupla de ETs formada por Zero (Luiz Henrique) e Zero Zero (Ricardo Corte Real) voava por São Paulo para realizar uma missão secreta, que sempre envolvia encontrar objetos ou cores.

  • Família Teodoro

    Raul Barretto e Angela Dippe interpretaram ao lado de duas crianças a Família Teodoro, uma típica família circense que ensinava exercícios de equilíbrio e coordenação motora. Os atores, que não estavam juntos na vida real, se casaram após o programa.

Contadores de histórias

Helen Helene e Arthur Kohl transformavam embalagens em brinquedos

Helen Helene trabalhava na Cultura manipulando bonecos no programa Bambalalão quando foi chamada para interpretar Silvia e Darlene no Rá-Tim-Bum. A atriz, que hoje trabalha como locutora do canal pago HBO, ainda ganhou um terceiro quadro, que tornou-se o seu favorito: "Eu gravava de quatro a cinco histórias por dia. Em três ou quatro dias, fiz tudo. Eu adoraria fazer de novo, sabia? Penso em criar um canal só contando histórias".

Arthur Kohl participava de quadros do "Rá-Tim-Bum" como "Senta que Lá Vem a História" e dividiu as histórias com Helen Helene: "Na época, eu tinha um filho pequeno e a brincadeira fazia muito parte do meu jeito, com textos bons, historinhas legais para contar. A gente via ali, mexendo nos objetos, pensando como iria manipulá-los para ficar interessante, para a molecadinha entender", relembra.

Senta que lá vem meme

Velha a Fiar

"Estava a velha no seu lugar, veio a mosca lhe fazer mal...". A música cantada pelo Trio Irakitan em 1960 virou um dos primeiros memes do "Rá-Tim-Bum", pela coreografia icônica de Arthur Kohl, que interpretou "Velha a Fiar" no teatro e foi visto por Fernando Meirelles: "Para mim, até hoje, é incrível o que virou. O plano era zero, não tinha nada a ver com o projeto pedagógico do Rá-Tim-Bum e virou uma baita marca. Até hoje pedem".

"Pelada" do Hino Nacional

Ná Ozzetti, cantora de MPB, foi convidada para ensinar as crianças a cantar o Hino Nacional no Rá-Tim-Bum. Em um cenário com as cores da bandeira nacional e com adereços inspirados em Carmen Miranda, a cantora aparecia sempre dos ombros para cima: "Era um tomara que caia, mas estava vestida. Eles não queriam caracterizar muito. Muitos músicos me reconhecem por causa do programa, sinto orgulho".

Antes e depois

Arte/UOL

Criador de "Rá-Tim-Bum": "Preocupação era educar sem ser chato"

O universo "Rá-Tim-Bum" não existiria sem Flávio de Souza, criador do programa ao lado de Fernando Meirelles. Saíram da mente do escritor personagens como Euclides, Silvia, Esfinge, os Porquinhos que tomam banho e o Pinguim pianista.

"Os comerciais de banho fizeram muito sucesso, recebemos milhares de cartas agradecendo pelas crianças passarem a gostar de tomar banho sem recusas, choros e gritos. O que mais gosto é o 'Como se Faz'. Eu inventei porque sempre tive muita curiosidade de saber como era feito um poste, por exemplo, e este é um dos quadros que eu acho que foram melhor executados, com destaque para a incrível canção", elogia o escritor em entrevista ao UOL.

Roteirista de programas anteriores ao Rá-Tim-Bum, como Catavento (1985) e Revistinha (1986), Flávio avalia a atração como um de seus maiores desafios, principalmente na questão pedagógica, acompanhada de perto por uma equipe dentro da emissora.

"A parte pedagógica foi o osso desse programa. A diretora da pedagogia era muito rígida, mas isso se tornou o grande desafio: como contar, de maneira interessante, pela 234ª vez, o que é grande e pequeno? Como contar alguma coisa, sem que ficasse com cara de aula? Como não repetir as mesmas situações para falar as mesmas coisas?", relembra.

O escritor, atualmente com 64 anos, chefiou a equipe de roteiristas que criava, entre outros quadros, o "Senta que Lá Vem História", dividido em quatro partes dentro do programa. Um deles, não utilizado no Rá-Tim-Bum, tornou-se o embrião do "Castelo", um dos mais importantes programas infantis da TV brasileira e que seria chamado inicialmente de "Rá-Tim-Bum 2".

"Acho que esses e outros programas que foram feitos nessa época toda eram uma opção para os pais e para as crianças, numa emissora sem propagandas comerciais e com toda uma preocupação de ser educativo sem ser chato. Nosso lema era 'Educação através do entretenimento e entretenimento através da educação', criando coisas bonitas, engraçadas, emocionantes e inspiradoras, com respeito pelas crianças, responsabilidade e experimentação, que sempre foi um dos pilares da Cultura", afirma.

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