Paixão pela reportagem

Roberto Cabrini é um repórter acima de tudo: até mesmo quando está sendo entrevistado

Gilvan Marques do UOL, em São Paulo Fernando Moares/UOL

O tênis é uma das paixões de Roberto Cabrini. Ao receber na semana passada a equipe do UOL em sua casa em Alphaville, condomínio de luxo localizado em Barueri, na Grande São Paulo, o jornalista de 58 anos está mancando com a perna esquerda: resultado de uma lesão sofrida em uma partida do esporte.

Atencioso, ele leva a nossa equipe a um passeio pela enorme casa de dois andares. O que mais chama a atenção é outra paixão de Cabrini, uma coleção de Fuscas e Kombis em miniatura na cozinha. Mas o que faz mesmo os olhos dele brilharem é o jornalismo.

Nunca peguei gripe, nunca fiquei doente, nem fome e frio durante uma cobertura. Esqueço tudo isso. Mas depois que passa a adrenalina, sinto tudo isso.

Com 41 anos de profissão, Cabrini fala de jornalismo com muito orgulho. E o espírito de repórter nunca o abandona. Mesmo no papel de entrevistado, Cabrini pode parecer um pouco intimidador, às vezes querendo controlar a entrevista e até se irritando com certos assuntos.

Durante as mais de duas horas de conversa, ele repassou reportagens que o consagraram no mundo jornalístico, como o caso PC Farias e o anúncio da morte de Ayrton Senna, falou sobre o início do governo Bolsonaro e a relação com Silvio Santos, seu chefe nos últimos 10 anos no SBT.

Fernando Moares/UOL

Os meus olhos sempre brilham pela próxima matéria. Eu acredito muito na nossa profissão, no nosso poder transformador.

Roberto Cabrini

Fernando Moares/UOL

Frustração e êxtase na busca por PC Farias

Duas entrevistas com PC Farias marcaram a carreira de Roberto Cabrini. Na primeira, o que seria um furo de reportagem se tornou uma enorme frustração.

Em 1992, apontado como o pilar do esquema de corrupção no governo Fernando Collor de Mello, PC Farias era um dos homens mais poderosos do país. O empresário, entretanto, tinha sumido. Após meses de investigação, Cabrini localizou PC em Barcelona. E conseguiu aquilo que considerava ser uma entrevista exclusiva.

"A edição era em um ponto (da cidade), a geração, em outro. Por uma série de contratempos, a gente acabou perdendo a geração, que só chegou ao Brasil 10 minutos (depois do 'Jornal Nacional'). A direção da Globo ficou em dúvida se dava em "Plantão" ou no outro dia. Todos decidiram dar no outro dia. Mas a Folha de S. Paulo (também localizou PC e) acabou dando antes. O que deveria ser um furo de reportagem, ficou uma frustração."

Cabrini, no entanto, não desistiu. Teve o cuidado de mapear todos os contatos que mantinham relacionamento com ele. Seis meses depois, PC foi considerado foragido da Justiça. O jornalista percebeu que, dentre aqueles contatos que havia mapeado, dois sócios de uma empresa (um brasileiro e um português) se comportavam de forma estranha. Foi atrás, monitorou e, depois de um blefe, conseguiu alcançar o paradeiro de PC através de um deles.

"Joguei um verde. Disse que tinha imagens com PC Farias, mas que acreditava no direito dele de se expressar. Quando fiz o xeque-mate, o empresário enfim admitiu a relação. Dois dias depois eu fiz a reportagem com o PC Farias."

A entrevista com PC Farias ocorreu quatro dias antes da queda de Collor. "Não derrubei Collor de Mello, mas digamos que a localização do PC Farias envolvido com o Collor contribuiu", avalia Cabrini.

A morte de Senna

Cabrini foi o responsável por dar a notícia que o povo brasileiro não queria ouvir

Amanhã a morte de Ayrton Senna completa 25 anos. E Cabrini ainda lembra os momentos de tensão que passou antes de anunciar que o maior ídolo do país havia morrido após o acidente na curva Tamburello, no GP de San Marino.

"Eu tive o feeling de que não tinha salvação. Foram cinco boletins médicos que eu fiz ao vivo, onde a situação de gravidade ia aumentando", disse Cabrini.

Eu pude me preparar. E pensei: 'eu vou anunciar a morte de um ente querido coletivo'. Por outro lado, eu sabia que não podia perder a precisão das informações. Eu tinha que ser profissional. Claro que eu estava impactado. Tinha uma relação muito importante com o Ayrton. Mas eu sabia que tinha uma missão ali...

O jornalista conta como deu a notícia. "Não podia ser essencialmente frio, porque seria uma forma de não demonstrar o respeito e o apreço. Então tínhamos que ter a combinação com os dois fatores. E as pessoas reconhecem que a minha frase 'Morreu Ayrton Senna da Silva, uma notícia que a gente jamais gostaria de dar' foi uma frase muito correta, virou algo simbólico do que estávamos perdendo".

Profissão de risco

Sergio Alberti/Folhapress

Prisão

Em 2008, Cabrini foi preso enquanto realizava uma reportagem para o seu programa na Record sobre o tráfico de drogas: a polícia encontrou 10 papelotes de cocaína no porta-luvas de seu carro.

Cabrini ficou dois dias no DP da Casa Verde, em SP. O jornalista classificou o episódio como emboscada. A Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo investigou o caso e chegou à conclusão do falso flagrante.

"Foi uma investigação sobre relações entre setores da polícia, do governo e organizações criminosas. Estava muito avançado, sofri uma emboscada, reconhecida pela própria Corregedoria", disse ele.

Reprodução

Atentado

Na década de 90, Roberto Cabrini e o cinegrafista Sherman Costa passaram por apuros enquanto fazia a cobertura da Guerra do Afeganistão.

"A gente quase foi executado pelo Talibã [movimento fundamentalista islâmico] porque filmamos uma vila que tinha sido dizimada por terem dado comida para tropas inimigas", relembra.

"Eles nos levaram para uma viela com o objetivo de executar. A sorte era que eu falava algumas palavras em pastun, consegui convencê-los a nos levar para o comandante, que falava em inglês. Disse que tinha se perdido... Ele acabou aceitando a explicação e até dando comida para nós, pão e tomate."

Fernando Moares/UOL Fernando Moares/UOL

Jornalismo sem partido

Após Globo, Band e Record, Cabrini voltou ao SBT em sua terceira passagem, em 2009. Permanece na emissora de Silvio Santos há 10 anos, onde comanda o programa "Conexão Repórter", "2.100 vezes líder de audiência", como gosta de frisar.

Com sorriso estampado no rosto, ele não esconde a sua admiração por Silvio Santos. "Tenho uma relação extremamente boa com o Silvio, sempre me deu liberdade total. Nunca colocou qualquer tipo de obstáculo para alguma matéria minha, sou o editor-chefe, mas ele eventualmente me dá algumas sugestões. É um cara muito parceiro."

Cabrini nega que o patrão menospreze o jornalismo na emissora. "Essa coisa de 'ah, o Silvio não gosta de jornalismo' é um pouco mito. O Silvio é um ser em evolução, em ebulição, em transformação. Ele é um cara que permite outras opiniões, entusiasmado com grandes histórias. O Silvio é um cara que não gosta de jornalismo partidarizado, com viés ideológico, mas aí pensamos igual."

O Brasil está muito contaminado com o jornalismo partidarizado, com um viés claramente dominado por esse ou aquele segmento por trás. Vejo militância no jornalismo. É uma tendência muito forte no Brasil. Isso me preocupa muito.

Roberto Cabrini

O governo Bolsonaro

Bolsonaro se tornou mais democrático do que muita gente esperava, diz Cabrini

Fernando Moares/UOL

Fora da telinha

Engana-se quem pensa que Roberto Cabrini vive única e exclusivamente para o jornalismo. Ele é casado com Renata Estela, 54, formada em gastronomia. Os dois, que são pais de dois filhos, completam 33 anos de casados em agosto. Vai ter festa?

"Para nós, todo dia é dia de festa", responde ele, em meio a risos. "(Renata) É a mulher da minha vida, superparceira. Acho que não teria conseguido fazer metade das coisas que fiz sem a estabilidade que ela me dá", diz.

Cabrini, no entanto, lamenta o fato de estar ausente em momentos importantes, como anúncio da gravidez e a gestação. "Eu estava viajando, como sempre. É o resumo da minha vida, né? Momentos importantes, mas que nem sempre eu posso estar presente."

Enquanto a esposa viaja aos Estados Unidos, a solidão de Cabrini é minimizada graças à companhia de duas cadelas, Dasha Cristina, filha do Rabito da novela "Carrossel", e Dolce Maria. "Elas são muito carinhosas", disse ele ao acariciá-las.

Cabrini é hospitaleiro, tem uma casa confortável, com dois carros na garagem e uma boa piscina ao redor, mas se tem alguma coisa que lhe preocupa (e incomoda) é a ostentação.

"Sinceramente, não gosto disso. Não gosto de passar esse tipo de imagem, definitivamente não combina comigo", diz ele.

Fernando Moares/UOL Fernando Moares/UOL

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