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Final não combina com o que “Lado a Lado” mostrou em seis meses

Mauricio Stycer

09/03/2013 13h47

De longe a melhor novela que a Globo exibiu nos últimos meses, "Lado a Lado" terminou com a punição ou redenção de todos os vilões. A decisão dos autores faz sentido se você pensar no horário da trama, a faixa das 18h, mas não deixa de ser um desvio na rota traçada com coerência ao longo de seis meses.

Um atrás do outro, todos se deram mal: a baronesa Constância (Patrícia Pillar) e seu filho Albertinho (Rafael Cardoso), o senador Bonifácio (Cassio Gabus Mendes) e seu filho bastardo Fernando (Caio Blat), a cantora lírica Catarina (Alessandra Negrini), bem como os moradores da favela Berenice (Sheron Menezes) e Caniço (Marcelo Melo Jr.),

Por meio de quatro vilões, em especial, Claudia Lage e João Ximenes Braga, autores de "Lado a Lado", mostraram algumas das mazelas que atormentavam o Brasil em 1910.

Constância personificou a elite arrogante, incapaz de aceitar o fim da escravatura. Bonifácio representava o político e empresário de origem social humilde que, uma vez rico e poderoso, passava por cima da lei para alcançar o seu projeto de poder. Berenice e Caniço não viram outra forma de superar a miséria do que servir aos propósitos maldosos de Constância e Bonifácio.

"Lado a Lado" mostrou, ao longo de 154 capítulos, o confronto entre uma certa visão de progresso, baseada em valores liberais, e outra fundada em termos conservadores. Muita gente viu nos conflitos exibidos pela novela reflexos de situações atuais, que o país ainda vive: preconceito racial, corrupção, caos urbano, conflitos morais etc.

O fato de todos os vilões terminarem mal pode dar a impressão de que o que eles personificavam ficou para trás – o que está longe de acontecer, como se sabe.

Várias novelas foram mais ousadas – e realistas – no tratamento final dado a seus vilões. Para lembrar apenas de duas: Marco Aurélio (Reginaldo Farias), o vilão de "Vale Tudo", de Gilberto Braga, deu uma "banana" para o público antes de fugir do Brasil num jatinho. Bia Falcão (Fernanda Montenegro) termina seus dias de maldade bebendo champanhe em Paris, em "Belissima", de Silvio de Abreu.

Um detalhe, porém, ficou como sugestão dos autores de "Lado a Lado" ao público. Depois da cena de final, ambientada na favela, onde os heróis Isabel (Camila Pitanga) e Zé Maria (Lazaro Ramos) se casam, a câmera se afasta lentamente, revelando a imagem do Rio atual. Em primeiro plano, o espectador vê uma favela gigantesca e, ao fundo, o centro da cidade. Fica a dica.

Leia mais: Escrevi há duas semanas, na "Folha", um texto, chamado A regra do jogo,  no qual discuto a dificuldade que "Lado a Lado" enfrentou para encontrar seu público. A novela teve uma das mais baixas médias de audiência do horário. Também recomendo o texto de Nilson Xavier, Faltou coesão a "Lado a Lado", no qual ele apresenta uma visão diferente da minha, mas com bons argumentos. Vale a pena, ainda, ler a entrevista com Patrícia Pillar, feita pelo repórter James Cimino, na qual ela compara a vilã da novela "à atual elite que tem horror da classe média". Informações sobre a audiência do capítulo final, que será reprisado neste sábado, podem ser lidas aqui.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.