Não queremos bunda, anões e gincanas, diz Adnet sobre briga por ibope
Mauricio Stycer
14/04/2015 05h01
Chega ao fim nesta quinta-feira (16) a segunda temporada de "Tá No Ar – a TV na TV", o mais ousado programa humorístico exibido pela Globo desde "TV Pirata", em 1988.
O programa final será uma homenagem aos 50 anos da Globo e contará com participações de Alexandre Nero e Antônio Fagundes. As tradicionais zapeadas vão brincar com cenas históricas destes 50 anos. O personagem Militante Revoltado sai, finalmente, de seu quarto e revela "50 verdades" sobre a Rede Globo.
Rindo com inteligência e, aparentemente, sem limites do universo da televisão, a atração criada por Marcius Melhem, Marcelo Adnet e Mauricio Farias conquistou um público fiel – ainda que modesto, em matéria de audiência.
Nesta entrevista exclusiva ao UOL, Adnet faz um balanço da segunda temporada e realça um dos maiores trunfos do humorístico – o fato de o "Tá No Ar" atirar para todos os lados: "Apenas os menos acostumados à democracia são capazes de se ofender", diz.
Comentando a disputa com "A Praça É Nossa", do SBT, que vai ao ar em um horário próximo, Adnet afirma que o programa "não vai se curvar" à briga pela audiência. "Se quiséssemos priorizar o Ibope, o programa não teria zapeada, não citaria a 'concorrência', teria menos inovações e não teria críticas e subversões que exigem bastante atenção da audiência. Teríamos bunda, anões e gincanas", diz.
Abaixo, a íntegra da entrevista, realizada por e-mail:
Qual é a avaliação que vocês fazem desta segunda temporada?
Marcelo Adnet: Excelente. Profissionalmente, fomos felizes porque acreditamos muito em cada piada que fizemos, desde a ideia até a realização. Os quadros do programa são como nossos filhos, pois nasceram de algo muito íntimo e inviolável – nossa criatividade! Acho que é uma vitória não só pra nós como para o humor na TV. E ainda pessoalmente somos todos – redação, equipe, elenco e até figurantes e executivos da casa – muito amigos e cúmplices e vibramos juntos. Assistimos ao programa juntos aplaudindo, gritando e cantando.
O que vocês esperavam alcançar e não conseguiram?
Nada, porque não criamos expectativa alguma. Queremos apenas ser fiéis ao nosso gosto, estilo, ideias. E isso nós atingimos. Nosso programa vai na contramão da TV tradicional.
Que difícil! Muitas coisas, mas acho que pela simplicidade e apelo popular, destaco o "Silvio's Greatest Songs". O programa já estava todo gravado e, um dia, de brincadeira, mandei áudios no nosso grupo de whatsapp com o Silvio cantando canções. Logo pensamos: "Por que não transformar isso em um quadro de canal musical? Não precisamos de imagem, só áudio". No mesmo dia, elaboramos uma lista de canções e nosso músico genial Marcio Lomiranda produziu as bases rapidamente. Dia seguinte gravei todas as músicas selecionadas e dias depois o quadro estava no ar.
E o que não funcionou?
Acho que a gente só bota no ar o que a gente acha que funciona. E funcionar é algo subjetivo. As pessoas gostam mais e menos de alguns quadros. Não há uma unanimidade sobre nenhum quadro ou programa. Não consigo achar algo que não tenha funcionado, pois como acompanhamos todo o processo de edição, se achamos que algo não está bom, mudamos ali mesmo. Portanto, como nosso ponto de vista está sempre presente, pra gente tá tudo funcionando.
Por incrível que pareça, o fato de o "Tá No Ar" atirar para todos os lados – evangélicos, umbandistas, muçulmanos, judeus, a própria Globo, a publicidade, o sensacionalismo, a televisão como um todo – apenas os menos acostumados à democracia são capazes de se ofender. Acho que o programa oferece diversas carapuças e fica feio pra quem veste a carapuça e reclama, pois falta a estes senso de humor e autocrítica. E o público reconhece isso. Portanto, o programa, ao contrário do que se imagina, recebe muitos elogios por seu estilo politicamente incorreto e inovador, e pouquíssimas reclamações. Existem críticas, que são pontuais, e não as considero reclamações. Você mesmo, Maurício, escreveu que "Tá No Ar" deveria rir da própria Globo que atrasa a programação. Aceito sua crítica e a vejo como relevante, porém acho que em um episódio do "Tá No Ar" criticamos mais a Globo do que em anos de programação. Acho saudável o programa despertar reações diversas nas pessoas.
Algum quadro deixou de ir depois de gravado por ser considerado "forte" demais? O programa é aprovado por instância superior antes de ir ao ar?
Nenhum! Ele é aprovado antes de ir ao ar, mas de forma leve e descontraída, como tem que ser. Agradeço muito a Carlos Henrique Schroder (diretor-geral da Globo) que bancou e apoiou a ousadia do nosso projeto desde o início. Somos livres pra criar.
Ficamos esperando uns minutos a mais. Somos ansiosos e queremos que comece sempre mais cedo. Não posso afirmar que esse foi o motivo de eventual atraso (o horário do programa sempre apresentou flutuação, desde a primeira temporada). Respeitamos as decisões, contanto que não nos podem artisticamente. E isso nunca aconteceu.
Como você vê o fato de o "Tá no Ar" disputar duramente no Ibope com "A Praça É Nossa", do SBT?
Você que está dizendo isso, não é verdade. Não perdemos para a "Praça" em nenhum dos nove episódios desta temporada. Respeitamos muito o pessoal da "Praça" tanto que já a citamos duas vezes de forma elogiosa, enquanto ela estava no ar, ao mesmo tempo que a gente! Há público para todos. Não fazemos programa priorizando dar Ibope, pensamos na qualidade. Estamos errados em priorizar a qualidade? Se quiséssemos priorizar o Ibope, o programa não teria zapeada, não citaria a "concorrência", teria menos inovações e não teria críticas e subversões que exigem bastante atenção da audiência. Teríamos bunda, anões e gincanas. Não, não queremos isso. Não vamos nos curvar a isso.
Vai ter terceira temporada? Quando?
Não sabemos ainda. Por mim amanhã!
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.