Três erros da Globo e três da Record durante “Os Dez Mandamentos”
Mauricio Stycer
23/11/2015 05h01
Maior sucesso da Record em anos, "Os Dez Mandamentos" foi também a maior pedra no sapato da Globo em muito tempo. A novela provocou mudanças na programação das duas emissoras. Por nove meses, de 23 de março a 23 de novembro, o espectador assistiu a uma guerra, com muitas vitórias da emissora de Edir Macedo. Este duelo entre Record e Globo também chamou a atenção pelos erros que as duas emissoras cometeram no período. Cito abaixo três de cada:
Globo
1. Temas repetidos: A aprovação de três novelas seguidas com temática de violência urbana, duas das quais ambientadas em favelas, foi um grave equívoco. Há hoje consenso na emissora que "Império", "Babilônia" e "A Regra do Jogo" não deveriam ter sido exibidas em sequência.
Um sinal de que a emissora reconheceu o erro foi a decisão de suspender o próximo projeto aprovado, a novela de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, e colocar na frente "Velho Chico", de Benedito Ruy Barbosa. Trata-se de uma trama que se desenvolve às margens do São Francisco e trata da transposição do rio e conflitos de fazendeiros da região.
2. Intervenção em "Babilônia": Diante do insucesso da novela de Gilberto Braga e com a tendência de crescimento de "Os Dez Mandamentos", então na faixa dos 12 a 15 pontos, a Globo se precipitou e determinou o encurtamento da sua trama. Isso fez com que "A Regra do Jogo" estreasse bem no momento em que a novela bíblica da Record estava em curva ascendente. A tática não diminuiu o ímpeto de "Os Dez Mandamentos" e prejudicou a novela de João Emanuel Carneiro.
3. Soberba: Em público, a direção da Globo reconheceu os méritos de "Os Dez Mandamentos" e a "fragilidade" de "Babilônia". Também foi elegante ao entender como "natural" o crescimento da novela bíblica e as derrotas que sofreu da concorrente no Ibope.
Em privado, executivos da emissora diziam que o sucesso de "Os Dez Mandamentos" foi apenas mais um caso isolado, como outros, em que um programa de qualidade considerada inferior bateu a líder de audiência. Por este raciocínio, bastava ter paciência e esperar o fim da novela da Record para as coisas voltarem a ser como antes.
Record
1. Enrolação: Fato comum na teledramaturgia, o sucesso de "Os Dez Mandamentos" levou a Record a se decidir por esticar a novela no meio do caminho. Os 20 capítulos adicionais, não previstos, coincidiram com o período das dez pragas. Assim, esta parte da trama se estendeu por 45 capítulos, uma eternidade. Curiosamente, foi no momento em que "Os Dez Mandamentos" se tornou mais arrastada que a sua audiência mais cresceu.
2. Falta de planejamento: O sucesso alcançado por "Os Dez Mandamentos" foi muito maior do que o previsto. Isso acontece, mas acabou expondo a ausência de planos da emissora para conservar a audiência conquistada. Nos últimos dois meses, a Record deixou transparecer a sua hesitação, anunciando diferentes ideias e tomando decisões polêmicas.
Depois de exibir chamadas de "A Escrava Mãe" como a novela que sucederia "Os Dez Mandamentos", a emissora desistiu de apresentá-la já e resolveu colocar no horário reprises de séries bíblicas. E depois de anunciar que "Terra Prometida" entraria em março de 2016, novamente mudou de ideia e resolveu produzir antes uma "segunda temporada" de "Os Dez Mandamentos", com cerca de 60 capítulos. Não duvide se os planos da Record mudarem novamente.
3. Hipocrisia: Ao longo de todo o período de exibição de "Os Dez Mandamentos", a Record estimulou uma percepção moralista por parte do público ao dizer que estava exibindo "a novela da família brasileira". Pior, ao transformar Marcelo Rezende em garoto-propaganda desta campanha, a emissora foi altamente hipócrita – não há nada menos família na programação da Record do que o "Cidade Alerta" apresentado por ele.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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