Muito ensaiado, “Adnight” falha na proposta de “desconstruir” Galvão
Mauricio Stycer
26/08/2016 00h15
Não é um talk show, nem um late show, como a Globo anunciou. Não é também um game show, nem um programa de auditório, apesar de contar com uma claque. Também não é um jornalístico, nem um reality show.
O fato de não se enquadrar em nenhum gênero até poderia ser uma qualidade, se o resultado fosse interessante. Não foi o caso, ao menos na estreia, de "Adnight".
A atração nasceu com a seguinte proposta, nas palavras de Marcelo Adnet: "É um programa que desconstrói positivamente o convidado, busca uma humanização para além da figura pública."
O convidado da estreia, Galvão Bueno, não poderia ter sido pior. O narrador da Globo resistiu bravamente à ideia de se expor. O discurso parecia ensaiado. O gestual era de quem estava apresentando o "Bem Amigos". Desacostumado a não ser o protagonista, Galvão chegou a dizer a Adnet, como se fosse necessário: "Você é o dono do programa".
Ensaiado em excesso, minuciosamente roteirizado, o episódio com Galvão foi gravado em 23 de julho. Uma cena da decisão do futebol nos Jogos Olímpicos foi inserida para dar alguma temperatura.
No quadro "Pisando em ovos" (dedicado a tratar de "temas delicados"), Adnet quis saber se Galvão já sentiu vontade de ir ao banheiro no meio de uma transmissão (sim), se é a favor ou contra o casamento gay ("acho um absurdo quem é contra"), com quantos anos perdeu a virgindade ("acho que 15"), se acha que a Copa de 98 foi vendida ("Como se compra uma Copa?") e o que achou da campanha "Cala boca, Galvão" ("levei na brincadeira, na boa, sem raiva de ninguém"). Ok.
Ao convidar Mauricio Cid, um dos roteiristas do programa, a brindar com Galvão, Adnet talvez tivesse a intenção de extrair algo do narrador. Afinal, foi Cid quem criou a campanha "cala boca, Galvão" na Copa de 2010, que deixou o narrador e a Globo transtornados na época. Mas não saiu nada daí. Apenas um falso agradecimento de Galvão ao blogueiro (para entender o episódio, leia aqui).
O melhor, ainda que também pouco natural, foi a abertura. Marília Gabriela "ensaiou" Adnet, questionando-o ao estilo "Cara a Cara". Qual é o seu maior sonho: "Não ser reconhecido na rua", respondeu o apresentador, parecendo bem sincero. Pedro Bial o chamou de "paladino do humor". E Joel Santana o convocou em "inglês" para dar início à "luta".
Acho preocupante que o elenco de convidados já anunciado se limite a figuras que trabalham na Globo. O programa com Galvão teve momentos de "Video Show", na exaltação à própria emissora, e outros em que lembrou um evento de empresa, apresentado por artistas famosos.
Vamos precisar esperar alguns episódios para julgar se valeu a pena o longo esforço para criar e desenvolver "Adnight".
Audiência: "Adnight" registrou média de 14,9 pontos em São Paulo, segundo o Ibope Em segundo lugar ficou o SBT (11,8) e em terceiro a Record (7,6). Emendado em "Justiça", o programa de Adnet começou com 23,1 pontos e terminou com 11,3 (atrás de "A Praça É Nossa").
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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