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É preciso ampliar as discussões éticas, defende a autora de "Justiça"

Mauricio Stycer

02/09/2016 05h01

justicacauaCom um formato pouco comum, "Justiça" chega nesta sexta-feira (02) ao oitavo episódio alcançando bons números de audiência e ótima repercussão. Com texto de Manuela Dias e direção de José Luiz Villamarim, a minissérie da Globo tem tratado de temas polêmicos e fortes no horário nobre, como racismo, eutanásia, tráfico de drogas e prostituição de menores.

Em São Paulo, na primeira semana, "Justiça" registrou média de 28 pontos (com 44% de participação), um aumento de 6 pontos em relação à média do horário. No Rio, nos primeiros quatro episódios, a minissérie registrou 30 pontos de média, 5 a mais que audiência do horário.

justicamanueladiasNesta entrevista ao UOL, a autora da minissérie, Manuela Dias, comenta a repercussão inicial, discute a proposta da minissérie e fala do que gostaria de deixar como mensagem do trabalho. "Acredito que é sim fundamental, para evoluirmos como sociedade, ampliar discussões éticas sem os extremismos que imperam hoje, sobretudo nas redes sociais", diz.

"Acho importante que o espaço de troca de ideias esteja permanentemente aberto. A eutanásia, a proibição de armas, a maioridade penal… Precisamos repensar nossos paradigmas para evoluir como sociedade de forma global", conclui. Veja abaixo a íntegra da entrevista, realizada numa troca de emails.

Qual é o balanço que você faz depois da primeira semana, em que todas as histórias apresentadas? Algo te surpreendeu mais? Alguma das histórias teve mais repercussão?
Manuela Dias: O processo criativo foi recompensador em todas as etapas. Pensar as histórias junto com a experimentação do formato, o trabalho com o Zé (o diretor José Luiz Villamarim), a troca com os atores, o processo de edição e agora esse desague no público – que também é um processo criativo porque a recepção resignifica a obra. Em todos os sentidos o balanço é muito positivo, como experiência e como produto. O mais importante para mim é que as histórias falem com o coração do público e sinto que isso está acontecendo. Apesar do aspecto formalista, "Justiça" é uma minissérie para ser sentida e não entendida.

A audiência foi o esperado?
Tínhamos boas expectativas que foram superadas.

Qual foi a intenção de interligar todas as histórias?

Eu diria que a intenção, a "filosofia", por trás desse formato é o desejo de restituir o relevo da paisagem humana da cidade. Na vida não existem figurantes, cada um é protagonista da própria história. Em "Justiça" também é assim, a mulher que passa do outro lado da rua pode ter acabado de sair da cadeia, de terminar um casamento ou de ganhar na mega sena. Todos têm seus dramas e merecem espaço e respeito. Esse formato nasceu com a ideia, não foi uma moldura na qual encaixei as histórias depois de pensá-las.

Você concorda que há um certo didatismo no texto? Seria uma "compensação" à ousadia do formato?
Não identifico esse didatismo no texto, talvez por estar no olho do furacão criativo, mas sempre tenho o desejo de me comunicar, seja na TV, no cinema, no teatro ou na vida. Por outro lado, se olharmos bem, esse formato não é tão "ousado". Histórias interligadas espacialmente ou uma história explorada de vários pontos de vista é uma estrutura narrativa que existe há muito tempo, inclusive na literatura. O escritor japonês Akutagawa, por exemplo, autor de "Dentro de um bosque", explora diferentes versões para o assassinato de um samurai. Isso na década de 1930. Kurosawa se inspirou nesse conto para fazer (o filme) "Rashomon".

Por que você incluiu o tema da eutanásia? Você tem uma opinião a respeito?

"Justiça" não trata sobre o tema da eutanásia e sim conta a história de um casal que passa por essa experiência. O que está em jogo pra mim, no escopo dramatúrgico, não é a questão jurídica, mas a representação desse casal que se vê numa situação que questiona o bem supremo que é a vida – existem outras formas de conduzir os personagens a esse precipício, a bailarina tetraplégica que não quer viver assim é apenas uma dessas formas.

Porém, acredito que é sim fundamental, para evoluirmos como sociedade, ampliar discussões éticas sem os extremismos que imperam hoje, sobretudo nas redes sociais. Os haters não colaboram para nenhuma discussão, é preciso tolerância e alteridade para processar a complexidade da vida. Ou seja, acho importante que o espaço de troca de ideias esteja permanentemente aberto. A eutanásia, a proibição de armas, a maioridade penal… Precisamos repensar nossos paradigmas para evoluir como sociedade de forma global.

E o tema do racismo? Não foi já muito abordado na teledramaturgia?

Interessante essa pergunta, me fez pensar que talvez não exista nenhum tema que já tenha sido "muito abordado". Os temas que nos mobilizam como seres humanos não mudam muito. A busca pelo amor, a hereditariedade, a traição no casamento, a relação entre pais e filhos, a relação mestre e aprendiz… Talvez a dramaturgia esteja desde os gregos tratando dos mesmos assuntos. Shakespeare, O'Neil, Tenesse Williams, Edward Albee, David Mamet, David Chase, Janete Clair, Nelson Rodrigues, Gilberto Braga, Sílvio de Abreu… Estamos todos falando sobre o ser humano e isso nos conduz aos mesmos temas. Isso acontece porque cada tema é infinito, o que varia é o olhar.

Por que "Hallelujah" é a música-tema? Não é uma canção muito batida (até no "Shrek" é usada)?

Talvez nossa experiência com as músicas tenha um aspecto de palimpsesto – um mesmo papel rescrito e apagado várias vezes, onde de alguma forma, ao lermos o último texto, vemos impressões das outras palavras escritas. Como se fosse a "memória do papel". As músicas marcam momentos das nossas vidas, filmes, lugares… Acho bonito acionar essa vivência de cada um como um convite à identificação com a trama.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.