Em noite atípica, Gentili e Porchat rivalizam com Bial em conversas sérias
Mauricio Stycer
10/11/2017 12h49
Foi uma noite atípica na TV brasileira. Os talk shows do SBT e da Record, que normalmente fazem um contraponto ao sempre denso programa da Globo, mostraram que podem concorrer também no mesmo campo. Quem ganha é o espectador.
Não por coincidência, os três convidados estão lançando livros: "Confesso que Perdi" (Kfouri), "O Livro dos Títulos" (Cardoso) e "Glória e seu cortejo de horrores" (Fernanda) – ponto de partida para entrevistas com alguma ambição além da piadinha.
Um mesmo tema importante costurou as três entrevistas – a estranha situação do país, com artistas e jornalistas sendo alvos de patrulhas e questionamentos morais. E quais são os limites que os formadores de opinião enfrentam.
Kfouri contou a Porchat já ter sofrido mais de 100 processos. "Nunca ficou com medo?", perguntou o apresentador. "Medo a gente tem. Mas você tem que ter a coragem de impedir que o medo te paralise."
Porchat quis saber a opinião de Kfouri sobre o fato de Tite ter assinado um manifesto contra a CBF e, posteriormente, aceitado o convite para ser técnico da seleção. "Aprendi a não exigir heroísmo com o pescoço alheio. Eu mesmo fico calado em relação às eventuais divergências que tenha com quem me paga. E olha, tenho quatro patrões. Se tenho que fazer uma crítica, faço internamente", respondeu o jornalista.
As limitações, lembrou Cardoso, não ocorrem só no SBT: " No outro programa tem a igreja, que é dona da televisão dele…", disse. Gentili concordou: "Sim, o Porchat". E o ator acrescentou: "Eu na Globo… Eu vou até aqui, de repente a Globo 'opa, tá indo muito, volta'. Tem uma margem de negociação, tem liberdade, mas não é esse paraíso."
Cardoso também comentou sobre as manifestações a respeito da performance ocorrida no MAM, em São Paulo, acusada de "pedofilia". "Pedofilia não acontece em lugares abertos, como nesta exposição. Ela acontece em lugares fechados, muitas vezes dentro da igreja", provocou. "As pessoas que estão tão preocupadas em acusar este artista de pedofilia tem a mesma preocupação, que o papa Francisco tem, de falar da pedofilia que se descobriu dentro da igreja? Tem a mesma preocupação? Ou será que só estão preocupados em acusar nós artistas?"
"Quando comecei a fazer o 'Budas Ditosos', era uma peça, maravilhosa, do João Ubaldo. Hoje é um ato político", disse. "Porque o que a baiana vem dizer é que a luxuria é de Deus, é como a bondade… O que antes era tido como uma peça, hoje é um ato político. A gente ta vivendo a Santa Inquisição", lamentou.
Fernanda também tratou do moralismo que transborda nas redes sociais. "Se você pagar um peitinho, a nudez no Facebook é totalmente vilanizada, mas pode postar metralhadora, ameaça de morte, xingar do que for que não fere 'os padões da comunidade'. Daqui a pouco vão dizer que vão matar e vão matar", criticou.
"A questão é moral, ética, educacional… A internet e o Google vão continuar lavando as mãos?. O Facebook é um alienígena e está sendo usado para eleger o [Donald] Trump, por exemplo. A tecnologia chegou antes da legislação sobre ela".
"Atrapalhando a entrevista"
"A conversa está muito boa, mas como todos sabem este aqui é um talk show da nova geração de humoristas brasileiros. E todo talk show que se preze tem aquele momento em que a conversa está indo muito bem, tá muito interessante, tá todo mundo gostando, mas a gente tem que inventar alguma coisa 'engraçada'. Que no fundo não tem nenhuma graça, só serve para atrapalhar o ritmo da entrevista. Com isso, começa o 'Atrapalhando a entrevista'."
Audiência: O melhor Ibope da noite, em São Paulo, foi do "The Noite" (6,8 pontos), deixando o "Conversa com Bial" (6,1) em segundo lugar e o "Programa do Porchat" (4,6) em terceiro.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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