Waack vê “covardia” da mídia diante de grupos de pressão nas redes sociais
Mauricio Stycer
14/01/2018 13h14
A "Folha" publicou neste domingo (14) um artigo do jornalista William Waack no qual, pela primeira vez, ele comenta o episódio que resultou na rescisão de seu contrato com a Globo. Além de enfatizar que não é racista, ele critica a "covardia" da "mídia tradicional" diante de "grupos organizados no interior das redes sociais".
Para quem não se lembra, em 8 de novembro, há pouco mais de dois meses, vazou um vídeo, gravado um ano antes, no qual Waack, em Washington, reclama do barulho de uma buzina na rua e diz: "Tá buzinando por quê, seu merda do cacete? Não vou nem falar, porque eu sei quem é… é preto. Coisa de preto!"
Waack assegura que o seu comentário foi "uma piada idiota", um "gracejo circunstanciado, ainda que infeliz", mas não configura uma manifestação racista. "Sim, existe racismo no Brasil, ao contrário do que alguns pretendem", observa, antes de assegurar que está do outro lado desta questão: "Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer tipo – racial, inclusive –, e minha vida profissional e pessoal é prova disso".
O argumento principal do artigo é que o episódio que o envolveu seria sintoma de algo maior – uma batalha entre grandes empresas de comunicação, como a Globo, que ele chama de "mídia tradicional", e "grupos organizados no interior das redes sociais".
O objetivo destes grupos, segundo Waack, é "contestar o papel até então inquestionável dos grupos de comunicação: guardiães dos 'fatos objetivos', da 'verdade dos fatos'. Na verdade, é a credibilidade desses guardiães que está sob crescente suspeita", escreve.
Na visão do jornalista, que trabalhou por 21 anos na Globo, "entender esse fenômeno parece estar além da capacidade de empresas da dita 'mídia tradicional'", anota. "Julgam que ceder à gritaria dos grupos organizados ajuda a proteger a própria imagem institucional, ignorando que obtêm o resultado inverso (o interesse comercial inerente a essa preocupação me parece legítimo)".
E, no ponto mais crítico, observa: "Por falta de visão estratégica ou covardia, ou ambas, tornam-se reféns das redes mobilizadas, parte delas alinhada com o que 'donos' de outras agendas políticas definem como 'correto'."
O leitor pode ser levado a concluir que o jornalista, em última instância, se considera vítima desta "covardia" e/ou "falta de visão estratégica" da Globo, que teria cedido à "gritaria" de grupos alinhados à defesa do "politicamente correto".
A Globo suspendeu Waack no mesmo dia que veio a público o vídeo, em 8 de novembro, e observou, em nota, naquela ocasião, que o jornalista havia feito "comentários, ao que tudo indica, de cunho racista". O texto divulgado pela emissora observava: "Waack afirma não se lembrar do que disse, já que o áudio não tem clareza, mas pede sinceras desculpas àqueles que se sentiram ultrajados pela situação".
Em 22 de dezembro, ao comunicar a rescisão do contrato com Waack, o diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, observou: "A TV Globo e o jornalista decidiram que o melhor caminho a seguir é o encerramento consensual do contrato de prestação de serviços que mantinham". E acrescentou: "A TV Globo reafirma seu repúdio ao racismo em todas as suas formas e manifestações. E reitera a excelência profissional de Waack e a imensa contribuição dele ao jornalismo da TV Globo e ao brasileiro. E a ele agradece os anos de colaboração."
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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