Cinco meses depois de perder a final, Kaysar continua participando do “BBB”
Mauricio Stycer
24/09/2018 11h05
Muita gente torce o nariz para reality show, em particular para o "Big Brother Brasil", mas o impacto deste tipo de programa no imaginário dos espectadores é impressionante e merece ser estudado com mais atenção.
O sírio Kaysar Dadour, vice-campeão do "BBB18", encerrado em abril, é um belo exemplo. Ao longo dos três meses de confinamento, o público foi apresentado a alguns fios de sua história e se comoveu. E segue acompanhando a sua história cinco meses depois da final, na qual foi derrotado. É como se o reality ainda não tivesse terminado para o participante.
Ciente desde o início do potencial dramatúrgico que o drama de Kaysar teria ao ser exposto em um reality show, a Globo o apresentou assim ao público:
"Kaysar, de 28 anos, é protagonista de uma daquelas histórias difíceis de acompanhar: em 2011, viu a Guerra da Síria com seus próprios olhos e precisou dar adeus à sua família, sua casa em Alepo e tudo o que sabia do mundo até então. Seguindo seu caminho, tentou fazer uma vida na Ucrânia – 'uma época bem pesada, mas em que aprendi coisas importantes. Depois de lá, vi como transformar as coisas ruins em positivas' -, mas a Guerra pareceu seguir seus passos e cruzar de novo seu rumo. Mais uma vez, chegou a hora de dar adeus: 'Fugir não é fácil'. Com o mundo em suas mãos, abriu o mapa e mudou. De continente, de hemisfério e, sem saber até então, de vida: 'Não sei de onde tirei essa ideia, o destino me colocou no melhor lugar do mundo. O que o Brasil fez comigo mudou minha vida inteira'. Aqui, ele fez seu lar: um pedaço da Síria no meio de Curitiba."
Dois detalhes importantes foram sublinhados pela Globo ao retratar o candidato. Primeiro, a sua sensibilidade: "Eu olho nos olhos do passarinho e converso com ele. As pessoas me acham louco quando falo isso, mas quem não é louco? Sem passarinho, a minha vida é difícil. Ele está sempre solto, livre, no céu. E eu sou assim também, um espírito livre. Eu fico olhando para o espelho, me vejo lá, e vejo um pássaro".
Segundo, o seu objetivo: "O reencontro com a família, inclusive, é o objetivo principal para o prêmio de 1,5 milhão do BBB18. 'Eles estão lá, debaixo das bombas, debaixo da guerra. Eu evito falar sobre esse assunto. Perdi muitos amigos, perdi uma namorada, meu tio, minha avó… Perdi muita coisa. Eu saí em 2011 e disse que ia voltar, mas não consegui. Dei a minha palavra e não cumpri. Mas não fui eu que não quis, foi o destino', explica quando começa a se sentir um pouco mais confortável em dividir o passado."
Com uma história destas, Kaysar já entrou no "BBB18" como favorito ao título – e é bem possível que tivesse sido o campeão não fosse por um deslize: a certa altura, atendeu a um pedido da "vilã" do programa, Patrícia, e votou contra Gleici, vista pelos muitos fãs como "a fada".
Ainda assim, protegido pela edição e confortado pelo apresentador Tiago Leifert, Kaysar conseguiu chegar à final e ficar com o segundo prêmio (ganhou R$ 150 mil, além de dois carros 0 KM faturados durante o confinamento). E saiu do Projac, em 19 de abril, com a promessa de que a Globo iria pedir para a ONU ajudá-lo no sonho de trazer os pais da Síria.
Não se sabe o destino desta promessa. Mas Kaysar não ficou de braços cruzados. Ao se tornar ex-BBB, ele começou a fazer alguns trabalhos típicos – a chamada "presença vip" em eventos variados, no qual faturou uns bons trocados.
Fãs do sírio também promoveram uma vaquinha virtual com o objetivo de compensar a derrota no "BBB" organizando uma "vaquinha virtual". O objetivo de arrecadar R$ 500 mil não foi alcançado (conseguiram cerca de R$ 50 mil), mas o carinho pelo ex-participante ficou registrado.
Neste final de semana, acompanhado por uma equipe do "Fantástico", Kaysar foi ao aeroporto de Curitiba receber os pais e a irmã. Eles vieram da Síria para se encontrar com o filho. Por meio das redes sociais e do programa da Globo, os fãs acompanharam alguns instantes da saga – o apartamento novo, decorado para receber a família, a chegada no aeroporto, depois em casa.
Ainda há muitos detalhes desta história a explicar e compartilhar. Com certeza, a participação de Kaysar no "BBB" vai prosseguir pelos próximos meses. Pelo menos até janeiro de 2019, quando começa uma nova temporada do reality da Globo
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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