Em um meio de “robozinhos”, Boechat deu novo sentido ao trabalho de âncora
Mauricio Stycer
11/02/2019 14h54
Ricardo Boechat (1952-2019) não foi o primeiro âncora do telejornalismo brasileiro, mas certamente está entre os que melhor compreenderam a natureza desta função. Espontâneo num ambiente repleto de robozinhos, sem medo de dar a sua opinião sobre fatos polêmicos e, não menos importante, com enorme coloquialidade, conquistou um lugar único na profissão.
Com estas características, poderia ser apenas mais um âncora populista, jogando para a torcida, como há tantos no rádio e na programação vespertina da TV. Mas Boechat contornou este risco transmitindo muita sinceridade, dizendo realmente o que pensava, frequentemente contrariando o senso comum.
Com mais espaço e tempo no rádio, se expôs mais ainda, mostrando humor, falando de sua vida pessoal e conversando de igual para igual com o ouvinte. A parceria hilária com José Simão, para citar um dos colaboradores frequentes, ajudou bastante a criar uma verdadeira relação com quem o ouvia – uma companhia matinal fiel e verdadeira.
Não é a toa que seja tão querido pelo público e, fato mais raro, pelo meio jornalístico. Boechat é o maior vencedor da história do Prêmio Comunique-se, dado pelo voto individual de jornalistas. Já ganhou 18 vezes, em todas as categorias possíveis, como âncora de TV, de rádio e colunista de mídia impressa.
A paixão pelo trabalho gerou ruídos em algumas ocasiões. Reclamou da emissora e de colegas em público, fez cobranças eventualmente exageradas a alvos de denúncias, foi injusto com uma ou outra autoridade, mas sempre dentro do espírito jornalístico de querer dar a notícia com qualidade.
Um episódio polêmico o levou a ser demitido por "O Globo", em 2001. A revista "Veja" publicou trechos de uma conversa grampeada que deixava claro que Boechat mostrou antecipadamente a uma fonte, o jornalista Paulo Marinho, trechos de reportagem sobre disputas pelo controle de empresas telefônicas que publicou no jornal. O comportamento foi considerado aético. Marinho trabalhava para Nelson Tanure, então principal acionista do "Jornal do Brasil" e aliado da TIM, empresa que disputava o controle da Telemig Celular e Tele Norte Celular em confronto com o banqueiro Daniel Dantas.
O acidente que encerrou a sua vida prematuramente é muito trágico. Representa uma perda enorme para o jornalismo e, especialmente, para a Band, onde estava desde 2006. Em crise, a emissora fica agora sem o seu principal nome.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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