Livro-homenagem destaca “virtudes e imperfeições” de Ricardo Boechat
Mauricio Stycer
24/05/2019 05h01
Menos de quatro meses após a sua morte, Ricardo Boechat (1952-2019) é objeto de um livro que presta um comovente tributo ao jornalista, mas também revela aspectos pouco conhecidos de sua vida privada e de sua trajetória profissional.
Realizado com a mesma urgência que o jornalista dedicou à profissão, "Toca o Barco – Histórias de Ricardo Boechat contadas por quem conviveu e trabalhou com ele" (Máquina de Livros, 176 págs., R$ 44,90/R$ 24,90) é uma obra que vai além da homenagem.
"Embora escrito por corações e mentes marcados por admiração e saudade, entre os objetivos deste livro não consta o da beatificação de Boechat – nem os amigos reunidos neste barco fariam essa maldade", escrevem os editores Bruno Thys e Luiz André Alzer.
"Uma de suas virtudes era reconhecer e falar abertamente de suas imperfeições. Se há uma outra intenção nas próximas páginas é a de torná-lo útil aos atuais e futuros colegas jornalistas e à sociedade em geral", acrescentam.
Sua demissão de "O Globo" e da TV Globo, após a revista "Veja" expor um telefonema grampeado que o mostrou lendo uma reportagem para uma fonte antes de publicá-la, é lembrada em vários depoimentos. A situação é um marco e um ponto de virada em sua carreira – dali, iria para a rádio e a TV Bandeirantes.
"Eu nunca pedi folha corrida da fonte, mas da notícia. Se o diabo me desse uma informação, eu não perderia de perspectiva de que era o capeta, mas iria me preocupar com a notícia. 'O Globo' me conhecia. Era a minha casa. Se eu fosse dado a picaretagens, imagina o tamanho do meu patrimônio naquele momento", disse o próprio Boechat a respeito.
"Quando foi demitido, me ligou, em lágrimas, dizendo que jamais tinha feito pactos com fontes que não fossem em prol da notícia apurada limpa, correta e ética. Foi interessante acompanhar a cobertura que sua morte teve nos veículos das Organizações Globo e a apuração em torno do acidente. Pareceu reparo", diz Ronaldo Herdy, que trabalhou com ele por 28 anos.
Fernando Mitre, chefe de Boechat na Band, se recorda de inúmeras discussões com o jornalista, inclusive de momentos em que o apresentador desobedeceu expressamente a ordens e pedidos seus. Mas realça, sobretudo, o apoio de Boechat aos mais necessitados.
"E aqui voltamos às virtudes cristãs exercidas com comovente generosidade por aquele ateu orgulhoso do seu ateísmo. O que testemunhei, sem entrar em detalhes, que ele não queria revelar, era o exercício permanente – ou a permanente disposição para esse exercício – da mais valiosa virtude cristã: o amor na sua melhor acepção. Ou a solidariedade, como explicava o Boechat, que é o amor mais a ação", escreve Mitre.
José Carlos Tedesco confirma: "Boa parte dos recursos que obtinha com o trabalho fora do rádio e da TV – palestras e textos que fazia para revistas – ele destinava para ajudar outras pessoas".
Patrícia Hargreaves exemplifica, entre outros, a faceta rigorosa de Boechat como chefe. "O nível de exigência de Ricardo Eugênio Boechat me levou ao desespero e me educou", escreve. "Quando me via levantar para ir ao banheiro mais que duas ou três vezes ao longo das 12 horas de expediente, bradava: 'Tá com cistite?'", conta.
"Eu levantava para almoçar ou lanchar e ele me azucrinava: 'Depois não reclama que tá gorda' (nunca reclamei, diga-se de passagem). Além de implicar comigo, achava graça de fazer o mesmo com as minhas amigas. Quando uma delas passava, dizia para mim: 'Essa está querendo dar, mas não sabe oferecer'. Claro que a moça ouvia. Se não ouvisse, eu contava", prossegue Patrícia.
Rodolfo Schneider, seu colega na Band, conta que a invejável atitude independente e destemida de Boechat tinha consequências. "Essa sua postura, porém, tinha um preço: os processos judiciais atingiram a marca de duas centenas nos últimos anos. Boechat dava trabalho para os advogados da Band. Perdeu alguns e foi condenado a doar cestas básicas".
Mas "Toca o Barco" destaca, em especial, a paixão e o talento de Boechat pelo jornalismo. Flavio Pinheiro lembra que o escritor Albert Camus listou quatro meios ou princípios indispensáveis para a defesa da liberdade de imprensa: lucidez, desobediência, ironia e obstinação. "À sua maneira, Boechat professava estes quatro princípios, sempre com vigor, ainda que às vezes cedendo a bravatas. Sem exaltação e exagero, ele não seria Boechat, e registre-se que além dos princípios cultivava a curiosidade, atributo primordial de bons jornalistas."
Lançamentos: "Toca o barco – Histórias de Ricardo Boechat contadas por quem conviveu e trabalhou com ele" tem lançamentos programados para o Rio (6 de junho, Gabinete de Leitura Guilherme Araújo), São Paulo (10 de junho, às 19h, na Livraria da Vila da Fradique Coutinho) e Niterói (11 de junho, às 19h, no clube Rio Cricket).
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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Sobre o blog
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