Ratinho chama Moro de “herói” e dissemina “fake news” sobre Jean Wyllys
Mauricio Stycer
19/06/2019 00h39
Quem acompanha Ratinho sabe que não é de hoje que ele faz entrevistas camaradas, de pai para filho, com políticos. Sempre disponível para quem está no poder, o apresentador já recebeu para "dois dedos de prosa" gente dos mais variados partidos, da esquerda à direita, de Lula a Bolsonaro, passando por Alckmin, entre muitos outros.
O senso de oportunidade de Ratinho costuma ser infalível. E Sergio Moro deve ter acreditado nisso ao se dirigir ao estúdio do SBT na segunda-feira (17) para gravar uma conversa amena e cordial com o apresentador.
O ministro da Justiça está no centro do furacão desde que o site The Intercept começou a vazar conversas suas com o procurador Deltan Dallagnol. São diálogos da época em que ele era juiz e mostram que orientou as investigações da operação Lava Jato em Curitiba
Moro não levou em conta que até a exibição, na terça-feira (18) à noite, a entrevista poderia "envelhecer" por causa de novos vazamentos de conversas suas. Foi exatamente isso que aconteceu nesta terça. Também não se preocupou com o fato de o programa ir ao ar no mesmo horário de um jogo da seleção brasileira, o que afetou negativamente o Ibope de Ratinho (atualizado: foi a pior audiência do programa no ano).
Por fim, Moro não poderia imaginar que o apresentador iria exagerar tanto nos elogios e na bajulação. Mesmo quem é fã do ministro deve ter ficado sem graça com a vontade de agradar de Ratinho.
"Muito orgulhoso de receber aqui esse que, não sou eu que acho, mas a grande maioria da população brasileira acha, o nosso herói. Nosso herói não tem capa. Não voa, não é homem de aço. Mas é o único herói brasileiro no momento e tem feito um trabalho fantástico", começou Ratinho.
O grande problema de Moro não mereceu maior atenção do apresentador. Ratinho quis saber se o ministro estava preocupado com "o ataque criminoso de hacker" que teria sofrido. Moro disse não ser capaz de confirmar a veracidade das mensagens vazadas, mas garantiu ter segurança que agiu com "lisura" como juiz. "O senhor está tranquilo? Não tem nenhuma preocupação com isso?", concluiu Ratinho. "Sim, sim", respondeu o ministro. Esse diálogo ocupou exatos 80 segundos da entrevista.
Em seguida, o apresentador disseminou uma grave acusação: "Eu estava lendo, não sei se é fake news, que está vinculado um milionário russo, que deu dinheiro para um jornalista muito conhecido. Esse jornalista é namorado de um deputado e comprou o mandato do deputado Jean Wyllys. Tudo isso eu recebi, não sei se é fake news. Recebi! Se for verdade, é muito maior do que a gente imagina. Porque envolve outro país."
Ora, se o próprio apresentador reconheceu que esta informação sobre Wyllys pode ser uma fake news, não deveria divulgá-la desta forma. É o mínimo que se espera de um comunicador, dono de uma rede de televisão no Paraná e apresentador em uma das maiores emissoras do país.
Moro teve o cuidado de não comentar a história lançada por Ratinho, mas defendeu que o vazamento das suas conversas é um assunto grave, que envolve um "grupo criminoso" interessado em "obstaculizar investigações" ou buscar anular condenações da Lava Jato.
Superado, ao final de três minutos, o assunto que importava, Ratinho dedicou os outros 50 minutos da entrevista a fazer perguntas sobre o trabalho e os planos do ministro. Como sempre faz com autoridades que recebe, o apresentador segue um modelo que lembra jogo de vôlei, levantando bolas fáceis para o entrevistado cortar e elogiando diferentes medidas oficiais. Ao final, lamentou a atuação da imprensa por "bater tanto" no governo.
Em tempo (atualizado): Faltou lembrar que Ratinho foi um dos apresentadores de TV contratados pelo governo Bolsonaro para divulgar o projeto de reforma da Previdência em ações pagas. Assim como Luciana Gimenez, a escolha de Ratinho foi um reconhecimento ao alcance do seu programa e à sua capacidade de comunicação. Veja abaixo:
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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