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Crítica ao jeitinho brasileiro, "Filhos da Pátria" é histórica, mas atual

Nilson Xavier

20/09/2017 00h29

Johnny Massaro, Fernanda Torres, Alexandre Nero e Lara Tremouroux (Foto: João Miguel Jr./TV Globo)

"Filhos da Pátria" – série da Globo que estreou nessa terça, 19/09 -, apesar de histórica, não tem pretensão de ser didática. A trama tem início um dia após a proclamação da Independência. Figuras históricas são citadas, mas não aparecem, não são personagens. E o roteiro é atemporal: caberia perfeitamente em qualquer outro momento do país.

A proposta é a crítica cômica aos costumes – no caso, ao jeitinho brasileiro de se dar bem e tirar vantagem. "Filhos da Pátria" aponta que o nosso DNA corruptível já era aviltante há duzentos anos. Não começou em 8 de setembro de 1822 e nem era novidade naquela época. O momento histórico apenas contextualiza a trama protagonizada por Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero), um homem pacato e, a princípio, incorruptível que vai se rendendo ao canto da sereia da corrupção.

"Filhos da Pátria" remete a sitcoms centralizadas em uma família ("A Grande Família", "Os Simpsons", "A Família Dinossauros", "Os Flintstones" e outras). Poderia se chamar "A Família Bulhosa". Segue a receita marido-bonachão + esposa-esperta +filho-intelectualmente limitado + filha-esclarecida. Os escravos substituem a empregada – mais condizente com a proposta e a época retratada. Trata-se mesmo de uma comédia de costumes.

Alexandre Nero em nada lembra seus personagens anteriores. Geraldo Bulhosa é original nos diálogos, na fala, no olhar, no jeitão, na caracterização. Fernanda Torres (Maria Tereza, a esposa) repete tiques da Vani de "Os Normais" e da Fátima de "Tapas e Beijos". Mas isso em nada desabona sua performance: Maria Tereza é uma Vani-Fátima de época em outro contexto. E continua divertidíssima – atente para o quarto episódio, "Benditos Calores".

Matheus Nachtergaele (foto: César Alves) | Jéssica Ellen (foto: Renato Rocha Miranda)

O elenco é todo sensacional. Johnny Massaro e Matheus Nachtergaele – outros grandes destaques – também proporcionam momentos de enlevo cômico. A filha, vivida por Lara Tremouroux, é "à frente de seu tempo", mas, sonsa, engana para conseguir o que quer. E a escrava Lucélia (Jessica Ellen) faz o contraponto: é a única que trabalha honestamente para conquistar o que deseja, no caso, a alforria. A liberdade ansiada é uma alegoria à ideia de que a honestidade liberta.

"Filhos da Pátria" reverbera nos tempos atuais. A mensagem não é nada sutil. Todos descendemos desse povo, em maior ou menor grau. Sob um olhar sistêmico, a Família Bulhosa é produto do meio e a série corrobora a ideia de que a corrupção é cultural, está arraigada em nossa sociedade e que pode até ser inconsciente. Entretanto, também mostra o outro lado, através da escrava Lucélia: temos o livre arbítrio e corromper-se ainda é uma escolha.

A série de Bruno Mazzeo, com direção artística de Maurício Farias, fez uma boa estreia: 15 pontos no Ibope em SP e 17 no RJ. Na internet, a hashtag #FilhosDaPatria chegou ao Trending Topics Mundial. São 12 divertidos episódios para serem saboreados e refletidos. O único problema é o horário de exibição: lá pelas 23h20 (às terças-feiras). Mas a série está disponível na íntegra na Globo Play – talvez por isso a opção pela exibição tardia na TV aberta.

Leia também, Stycer: "Com superelenco, Filhos da Pátria vê origem da esculhambação geral do país".
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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