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Problemática desde antes da estreia, O Sétimo Guardião não deixará saudades

Nilson Xavier

17/05/2019 22h42

Lília Cabral (foto: reprodução)

Em 1999, ao final da novela "Suave Veneno", o ator José Wilker teria circulado pelos estúdios da Globo com uma camiseta na qual se lia "Suave Veneno: eu sobrevivi!" O autor Aguinaldo Silva mandou o seguinte recado para Wilker: "Aquele que, durante a novela, ganhou o direito de falar por todos, homens e mulheres de boa vontade. Obrigado pela paciência, sinceridade, dedicação." Essa situação poderia se repetir em "O Sétimo Guardião", também de Aguinaldo, encerrada nesta sexta-feira (17/05).

O que deu errado na trama do autor, que tanto prometeu em sua estreia e tão pouco cumpriu? Mais do que a média final na audiência – abaixo do mínimo esperado para o horário (28.75 pontos no Ibope da Grande SP) e bem abaixo das últimas produções ("Segundo Sol": 33.36, "O Outro Lado do Paraíso": 38.23, "A Força do Querer": 35.66) – "O Sétimo Guardião" foi uma novela que simplesmente não aconteceu. O máximo de repercussão não dizia respeito à trama, mas aos seus conturbados bastidores.

A fofoca generalizada (Marina Ruy Barbosa apontada como o pivô da separação de José Loreto, hostilizada por colegas de profissão; reunião na Globo para um suposto pedido de desculpas; surubão de Noronha e dark-room da Globo) mais o processo movido por ex-alunos do curso de roteiro de Aguinaldo Silva, reivindicando crédito na criação da obra, fomentou a mídia muito mais do que o alardeado retorno do autor ao realismo fantástico, estilo que o consagrou na década de 1990.

Lília Cabral e Bruno Gagliasso (foto: reprodução)

Línguas ferinas diziam que o gato Leon era o único personagem bom de "O Sétimo Guardião". A trama da fonte milagrosa não convenceu e os mistérios envolvendo os guardiães passaram batido para o público. Se o autor quis transmitir alguma mensagem ou criar alguma metáfora com a fonte e guardiães, deve ter ficado na intenção ante um roteiro confuso, para dizer o mínimo. Ainda a falta de sintonia entre texto e direção: será que o diretor Rogério Gomes dirigia o mesmo que Aguinaldo escrevia?

Um insistente clima de mistério, interpretações frias (incluindo os guardiães), fotografia e trilha sonora soturnas, textos longos e introspectivos são escolhas que caberiam melhor em uma série ou supersérie às 23 horas. "O Sétimo Guardião" não era uma trama folhetinesca, logo não rendia uma novela. A tradicional faixa das 9 da noite pede uma história recheada com algum romance – por mais que haja exemplos de produções em que o romance tenha ficado em segundo plano, vide "Avenida Brasil" e "A Favorita".

Aguinaldo além de culpa, teve azar. Culpa pelos perfis dos protagonistas Luz e Gabriel, pouco atraentes para o público. Azar pela escalação equivocada de Marina Ruy Barbosa, mais pela repetência (ela precisa descansar sua imagem), e de Bruno Gagliasso, que interpretou um personagem-estátua, sem a menor emoção. José Loreto deixou de ser vilão para tonar-se o interesse amoroso de Luz, mas era tarde. Sem uma trama cativante, o público não teve nem um casal romântico para torcer. Paralelamente, surgiram João Inácio e Estefânia, Lurdes Maria e Geandro, Elisa e Maltoni, Diana e Walid, com conflitos desinteressantes ou insuficientes.

Isabela Garcia | Nany People | Elizabeth Savala (foto: divulgação/TV Globo)

A falta de folhetim até poderia ser relevada, se a trama central fosse forte o bastante para carregar uma novela por seis meses. Vimos que não. Os vilões – elementos essenciais ao folhetim, que movimentam e geram conflitos – também deixaram a desejar. Lília Cabral, antes da estreia, apregoou que sua Valentina Marsala seria "A Vilã". De nada adiantam frases espirituosas, caracterização elegante e algumas maldades pontuais, se não estiverem alicerçadas em uma trama arrebatadora. Com Valentina, aprende-se que vilã sem história boa não gera meme.

Na falta da vilã central forte, brilhou uma vilã periférica. Mirtes foi uma das poucas personagens de "O Sétimo Guardião" com algum tutano. Aguinaldo Silva percebeu a força da interpretação de Elizabeth Savala e fez a megera crescer e aparecer. Se a novela valeu, não foi pela trama central, mas por personagens isolados, que, em escalações acertadas, tiveram momentos bons. Além de Savala, Isabela Garcia, como Judith, que tornou-se um de seus melhores trabalhos na televisão. Também deu gosto ver Nany People em cena, ainda que, na maioria das vezes, fazendo escada para Lília Cabral.

Letícia Spiller, já citei em texto anterior, sempre ótima na criação de tipos, causou estranhamento com seu sotaque forçado. Nunca julguei Marilda, a achava divertida. Foi bom ver Theodoro Cochrane, como Adamastor, um tipo rico e bem interpretado, mas – pena – sem trama própria. Registra-se também o desperdício de Carol Duarte, que após Ivana de "A Força do Querer" ganhou uma personagem que sinalizou que renderia, mas não rendeu. Contudo, nenhum desperdício foi maior que o de Tony Ramos. Este merecia de Aguinaldo o agradecimento pela "paciência e dedicação", tal qual recebeu Wilker em "Suave Veneno".

Tony Ramos (foto: reprodução)

O autor também pareceu perdido nas tramas paralelas. Sem ter para onde correr, já que várias dessas tramas ramificavam-se dos seis guardiães que foram morrendo, Aguinaldo promoveu a pior de todas para preencher a novela: o núcleo de Nicolau (Marcelo Serrado), um tipo troglodita e desagradável que serviria como alerta à violência doméstica e preconceito, mas que não passou disso mesmo, apenas um tipo troglodita gratuitamente desagradável. A gota d´água foi a gravidez de Afrodite (Carolina Dieckmann) depois de já separada de Nicolau, uma "recaída" da esposa para forçar uma situação no roteiro.

Para uma análise mais certeira, muito vezes é necessário um distanciamento no tempo. Os problemas apontados pela mídia durante os seis meses de "O Sétimo Guardião" escancaram uma sucessão de erros muito clara que não demandará esse tempo. Aguinaldo Silva é um autor que costuma reconhecer falhas em sua obra. Veja publicações em que ele fala, além de "Suave Veneno", de "Porto dos Milagres", "Partido Alto" e "O Outro". "O Sétimo Guardião" não deixará saudades para o público. Acredito que nem para o autor.

Leia também: "Difícil torcer pelos personagens de O Sétimo Guardião, não há encanto";
Stycer, "Longe do que prometeu, O Sétimo Guardião bate recorde negativo do autor".

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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