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Zé Neto e Cristiano, após vídeo a Bolsonaro: "Recebemos ameaças de morte"

Colunista do UOL

20/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Sertanejos fizeram vídeo citando o presidente após ganhar prêmio no Domingão do Faustão
  • "Foi inexperiência, mas foi algo que deixou a gente bem mal. Ver o ódio das pessoas, sabe?", afirma Zé Neto
  • A dupla está lançando um EP e diz como é difícil se manter no topo
  • "O sertanejo já gravou de tudo. Graças a Deus vieram as mulheres, porque elas deram uma nova cara [ao gênero]", define Cristiano

Os cantores sertanejos Zé Neto e Cristiano dizem ter aprendido a resguardar um pouco suas opiniões pessoais após terem sofrido ameaças de morte por causa de um vídeo dedicado ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). "Eu ouvi do Edson [da dupla com Hudson] que artista não pode ter partido, religião nem torcer para time de futebol. Poxa, isso é muito chato", afirma Cristiano.

A dupla se disse assustada com a repercussão que o vídeo teve na época. "Foi algo que deixou a gente bem mal. Ver o ódio das pessoas, sabe?", diz Zé Neto, que critica o campo minado que se tornaram as redes sociais. "A internet, hoje, está um saco. Você não pode falar mais nada, não pode fazer nada. Eu costumo dizer que, hoje em dia, tem muitos juízes e poucos advogados, poucas pessoas com amor no coração para compreender. Ninguém vai a seu favor."

O cantor se lembra dos casos envolvendo Ferrugem [acusado de agressão] e MC Gui [acusado de fazer bullying com uma criança na Disney]. "Estão só esperando uma 'rata', igual à questão do Ferrugem. Não que ele estivesse certo. E também do MC Gui. Acho que eles foram infelizes em situações, mas as pessoas crucificam. Agem como se tivesse acabado a carreira do cara. Não conseguem ver nada de bom que ele fez."

Cristiano concorda com o parceiro e revela que o caso envolvendo MC Gui foi responsável por uma grande reflexão pessoal. "Me perguntaram se eu perdoaria o Gui. Quem sou eu para não perdoar uma pessoa?", pondera. Ele aponta, ainda, que muitos dos ataques desferidos na rede são feitos por pessoas que dizem ter Deus no coração, mas não praticam o perdão. "Quem nunca errou?"

Leia, abaixo, trechos da entrevista exclusiva.

Leo Dias - Vocês não são irmãos, como muita gente pensa, mas se conhecem desde os três anos de idade. Com tanta intimidade, certamente já aprontaram muito juntos.

Zé Neto - Quando a gente era moleque, adolescente, Nossa Senhora! Até na infância! No meio do mato, rachava a [revista] Playboy e tudo.

E a primeira relação sexual de vocês, quando foi?

Cristiano - Você acredita que eu perdi a minha virgindade com 18 anos? Com a primeira namorada. Eu sempre fui muito tranquilão, muito calmo. Meu pai, que chegou a ser padre antes de se casar com a minha mãe, sempre me levou para a igreja. Então, eu acho que o meu jeitão sempre foi mais caseirão. Sempre fui de ficar em casa.

Zé Neto - Eu perdi com 13 anos, com a cabrita que tinha lá. Brincadeira. Acho que eu tinha uns 15 anos. Foi com uma mulher que tinha uma representação muito grande na cidade. Eu já tinha cantado umas duas vezes naquele puteiro. Brincadeira de novo. Foi com uma menina que nunca mais vi. Era cantora. Tinha conhecido naquela noite. Eu tinha 15, e ela tinha uns 26, 27.

Cristiano - Esse aqui, por causa de mulher... Já me envolvi até em briga, tive até que mudar de escola, por causa dele.

Zé Neto - A gente arrumou briga numa praça. Brigamos porque eu fiquei com uma menina, e ela não falou que tinha namorado. Aí, ele mandou uns caras para se vingar, com uns pedaços de pau.

Zé Neto e Cristiano - Flaney Gonzallez/Divulgação - Flaney Gonzallez/Divulgação
Zé Neto e Cristiano criticam a internet
Imagem: Flaney Gonzallez/Divulgação

O que leva a essa união tão grande entre vocês, esses dois seres tão opostos?

Zé Neto - Só tem uma explicação, que é Deus. A gente sempre foi muito oposto em tudo o que a gente faz, até nas ideias. Eu gosto de pescar, ele gosta mais de videogame. Eu gosto de andar a cavalo, ele gosta de moto. Ele gosta de carro, eu não estou nem aí para carro. Eu gosto mais de sítio, o Cristiano mais de cidade.

Cristiano - Nós somos completamente opostos, mesmo. A gente só gosta de uma coisa juntos, que é cantar, beber e fazer churrasco. Mas o que eu acho que dá certo é o equilíbrio que a gente tem para resolver as coisas.

No Troféu Domingão - Melhores do Ano do ano passado, vocês fizeram um vídeo dedicando a premiação ao recém-eleito presidente Jair Bolsonaro. Quais foram as consequências desse ato na vida e na carreira de vocês?

Cristiano - Eu ouvi do Edson [da dupla com o Hudson] que artista não pode ter partido, religião nem torcer para time de futebol. Poxa, isso é muito chato. A gente ficou muito chateado [com a repercussão], porque foi um negócio inocente. Nós nunca postamos nada.

Zé Neto - O Bolsonaro é amigo nosso particular e, naquele dia, em que a gente ganhou, mandamos vídeos como aquele para um monte de gente. Estávamos muito eufóricos. Quem mandava mensagem dando parabéns, a gente respondia. E ele [Bolsonaro] mandou uma mensagem parabenizando, e a gente também mandou o vídeo. Só que ele era o Bolsonaro e ele postou. Não foi a gente. A gente nunca postou nada falando de política.

Mas o que interfere para o seu fã em quem você vota?

Cristiano - Leo, a gente recebeu muita ameaça, ameaça de morte. Eu cantei algumas vezes com medo depois do acontecido. Eu acho que, do mesmo jeito que as pessoas do outro lado têm o direito de votar, eu também tenho o direito de votar em quem eu quero. Além disso, eu acho que o momento é de a gente se unir e batalhar [pelo bem do Brasil].

Essa foi a maior cagada que vocês fizeram?

Zé Neto - Não acho que foi cagada. Foi inexperiência, mas foi algo que deixou a gente bem mal. Ver o ódio das pessoas, sabe? A internet, hoje, está um saco. Você não pode falar mais nada, não pode fazer nada. Tudo o que você faz é motivo... Eu costumo dizer que, hoje em dia, tem muito juiz e poucos advogados, poucas pessoas com amor no coração para compreender. Ninguém vai a seu favor. Estão só esperando uma "rata" [um vacilo], igual à questão do Ferrugem [acusado de agressão]. Não que ele estivesse certo. E também do MC Gui [acusado de fazer bullying com uma criança na Disney]. Acho que eles foram infelizes em situações, mas as pessoas crucificam. Agem como se tivesse acabado a carreira do cara. Não conseguem ver nada de bom que ele fez.

Cristiano - A situação do MC Gui me trouxe uma reflexão muito grande. Me perguntaram se eu o perdoaria. Quem sou eu para não perdoar uma pessoa? Agora, muita gente que atacou o MC Gui... Você entra no perfil delas, 90% está lá dizendo "Deus é fiel". Cara, como é que você fala de Deus, vivencia Jesus, se não consegue perdoar o seu irmão? Quem nunca errou?

Zé Neto e Cristiano - Flaney Gonzallez/Divulgação - Flaney Gonzallez/Divulgação
Os sertanejos estão lançando um EP e se dizem mais maduros
Imagem: Flaney Gonzallez/Divulgação

Eu noticiei que Zé Neto e Cristiano seriam os embaixadores da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, mas, na última hora, misteriosamente, vocês foram desconvidados. O que houve?

Zé Neto - Foi uma expectativa criada por muita gente, mas que nunca existiu. Na realidade, a gente nunca foi convidado formalmente. Era uma especulação.

Mas havia uma guerra entre o escritório de vocês, a Work Show, e o evento de Barretos, tanto que nenhum artista do seu escritório foi convidado para o festival deste ano, não é?

Zé Neto - Eu não sei de fato o que aconteceu. O pessoal do nosso escritório disse que o pessoal de Barretos foi atrás da gente para tocar na Festa do Peão, não como embaixador. Mas já tínhamos um show no mesmo dia e, infelizmente, a logística não permitia.

Vocês lançaram recentemente um EP. O que esse novo trabalho traz de diferente para o fã de Zé Neto e Cristiano?

Cristiano - A gente preparou esse repertório com muita empolgação. Eu tenho, para mim, que foi o melhor repertório que a gente gravou. A gente estava muito mais maduro para escolher as músicas.

Zé Neto - A cada repertório a gente vai evoluindo. Se você pegar o nosso primeiro DVD e ver o último que a gente gravou, vai perceber a mudança, a evolução, porque a experiência da estrada provoca mudanças. Você cria experiência de palco, fica mais antenado, porque precisa dar continuidade a um trabalho.

Cristiano - Quando você começa, pode arriscar qualquer coisa. Chegar ao sucesso é muito difícil, mas se manter é pior ainda, porque você tem que se inovar todo ano, mas sem perder a sua identidade. Senão, as pessoas que gostam de você já não vão gostar mais. Quem fazia muito isso era o Linkin Park. Eles mudavam a identidade deles, mudavam o estilo. Era um risco que eles corriam, mas que deu certo porque mantinham os fãs e conquistavam um monte de fãs novos.

Eu tenho percebido, no Spotify, uma queda do número de streamings de música sertaneja. Dizem que há uma busca por algo novo nesse segmento que ninguém sabe ainda o que é. Vocês sentem isso?

Cristiano - Sim. O sertanejo já gravou de tudo. Gravou "sertarock", "sertafunk", "sertaxé", "sertapop"... Aí, graças a Deus, vieram as mulheres, porque elas deram uma nova cara [ao gênero].

Zé Neto - Elas fizeram o sertanejo respirar.

Cristiano - As pessoas, no geral, estão procurando algo novo, porque, até na música internacional, se você olhar, não tem nada de novo. Há quantos anos você não vê uma banda de rock internacional estourar? Acabou. Mas eu acho que a pior parte é a situação financeira do país. A gente percebe que tudo é muito caro. Você gasta, no mínimo, cinquentão do ingresso, mais trintão de combustível, mais vintão de consumação, aí você vai beber... A conta não fecha. Mas já percebemos uma melhora muito grande. A gente já percebe que, no ano que vem, o Brasil vai entrar em outro eixo, em outro rumo. As pessoas vão ter coragem de gastar.

Assista, abaixo, a íntegra da entrevista.

Blog do Leo Dias