Fora da Globo, primeiro âncora gay do JN diz que foi "forçado" a se assumir
Matheus Ribeiro, o primeiro apresentador assumidamente homossexual do Jornal Nacional, pediu demissão da TV Anhanguera, afiliada da Globo em Goiás na última quarta-feira (8). Em uma carta enviada para a direção da emissora, ele disse ter sido perseguido pela cúpula da rede e fez duras reclamações quanto ao corte de seu salário para apenas R$ 3.900 mensais.
Desde então, o jornalista de 26 anos decidiu adotar o silêncio. Habitualmente ativo nas redes sociais, onde acumula quase meio milhão de seguidores no Instagram, Matheus praticamente sumiu: nos últimos dias, publicou apenas um breve texto sobre sua saída da Globo e falou sobre a sua participação na Via Sacra de uma paróquia goiana.
O silêncio de Matheus Ribeiro, entretanto, acaba agora: ele escolheu a Coluna do Leo Dias para conceder sua primeira entrevista após a ruidosa rescisão de seu vínculo com a maior rede de televisão de América Latina.
Na conversa, ele abre o jogo e fala pela primeira vez sobre o seu relacionamento com o policial Yuri Piazzarollo, os próximos passos de sua carreira e revela como foram os primeiros dias após expor publicamente que estava como âncora do principal noticiário da TV Anhanguera.
Confira a entrevista completa:
LEO DIAS - Matheus, como foram seus dias após o pedido de demissão da Globo? Sentiu-se perdido? Recebeu propostas?
Matheus Ribeiro - Passei seis anos cumprindo uma rotina de trabalho na mesma empresa, vestindo a camisa. Creio que ocupei um posto desejado por vários profissionais. Então, abrir mão disso foi a decisão mais difícil da minha vida profissional até o momento. No entanto, a tomei certo do que desejo para minha carreira. Essa saída não tem a ver com outras propostas, mas hoje me sinto mais leve e com o peito aberto para enfrentar novos desafios.
Você citou em seu texto redução de salário, através de uma supressão de horas extras. Apesar de ser legal, não é correto, não é honesto, nem moral. Essas atitudes da TV Anhanguera são comuns, eram recorrentes?
Aconteceu comigo e foi um dos motivos que me levaram a pedir demissão, não posso negar. Considerei que não era uma decisão justa. Porém, não posso afirmar que é uma prática recorrente da empresa, tenho autonomia para falar apenas sobre o que ocorreu no meu caso.
Você relata ainda questões ligadas a assédio moral. Você não denunciou seus chefes?
Ao longo da minha trajetória na emissora, sempre dialoguei com a chefia na tentativa de resolver os problemas que surgiram. Porém, houve um estopim para minha saída, que foi a proibição de fazer lives no meu perfil pessoal no Instagram, para interagir com os seguidores. Algo que não tem nenhum conflito com as atividades que eu desempenhava.
Na sua carta de demissão, você fez acusações duríssimas à Brenda Freitas, sua diretora de Jornalismo. Enquanto você esteve no Jornal Anhanguera, outras duas pessoas ocuparam essa diretoria. Você considera que foi prejudicado nessa última gestão?
Prejudicado não é uma boa palavra. Só acho que não posso legitimar condutas que considero indevidas. Então, tive que ser mais contundente ao manifestar minha posição e me reconhecer enquanto profissional, na tentativa de melhorar o ambiente de trabalho.
Dizer não para a Globo e para a bancada do JN não é fácil. Quanto tempo foi necessário para tomar tal decisão?
A grande mola propulsora da minha carreira foi a Anhanguera. Fui contratado como repórter quando ainda era estudante de jornalismo, mas há pelo menos dois anos eu vinha refletindo sobre os rumos que gostaria de tomar. Eu já apresentava o principal jornal da casa e, num determinado momento, me questionei quais os próximos voos que poderia alçar. Isso, somado aos problemas que relatei, me levaram a sair.
A sua carreira está sendo uma grande montanha russa, né? Você começou nas grandes emissoras como repórter do Chumbo Grosso, programa em que o Marcão do Povo mostrava cadáveres em estado de putrefação, e chegou a ocupar a cadeira de William Bonner no Jornal Nacional... Quais vão ser os próximos passos?
Tenho orgulho de tudo o que construí até aqui. Saí de uma pequena cidade do interior de Goiás com 16 anos. Cheguei em Goiânia e me agarrei a todas as oportunidades que surgiram para conquistar minha independência e orgulhar minha família. Lutei para terminar o ensino médio, para conquistar uma vaga na Universidade Federal de Goiás, para ter meu primeiro emprego... Tive a alegria de conviver e trabalhar com pessoas que me ensinaram bastante. Aliás, foi por meio de uma cobertura na Band Goiânia - o caso do serial killer - que ganhei minhas primeiras oportunidades em rede nacional. Do sonho de menino até a bancada do JN foi um caminho muito árduo, apesar de nunca sequer ter sonhado com esse momento, já que considerava algo muito distante da minha realidade. Agora, quero aproveitar a boa relação que tenho com o meu público para continuar exercendo o papel social que jornalista tem: levar esclarecimento e informação para transformar a sociedade.
Sua passagem pela afiliada da Globo foi de extremos, pelo que eu sei. Muitos te amavam, mas muito te odiavam. Porque você despertou sentimentos tão opostos nos seus colegas?
Sei que o fato de ter chegado tão novo à apresentação do jornal pode ter gerado algumas situações conflitantes, principalmente porque existem profissionais extremamente competentes e capacitados para exercerem a mesma função na casa. Porém, sempre me empenhei em aprender e exercer um bom trabalho. Colhi os frutos disso.
No ano passado, você recusou uma proposta da Record para assumir o Balanço Geral: alguns sites disseram que você pediu um valor fora da realidade do mercado regional. Se arrepende de não ter ido pra lá?
Não houve essa negociação.
Acha que existe chance de você ser contratado da Record após assumir sua condição de homossexual, sabendo-se que jornalista da Record não pode "sair do armário"?
Acredito que é uma tendência global as empresas, hoje em dia, se preocuparem mais com a competência e entrega de profissionais do que com a vida íntima deles. A postura que adoto na minha vida é sempre de respeito às diferenças, sejam elas sexuais, religiosas, étnicas, enfim... Vejo a Record como uma emissora séria, com um time respeitável de jornalistas e não acredito que isso seria impedimento para alguém exercer seu trabalho.
Acha que pode voltar pra Globo ou para alguma emissora afiliada depois dessa saída rumorosa da TV Anhanguera?
Tenho disposição para exercer meu trabalho em qualquer empresa onde encontre abrigo aos meus valores profissionais e éticos. Da minha parte, há o desejo de continuar atuando como jornalista e apresentador. Se por ventura surgir alguma oportunidade, analisarei com muito apreço.
Além de apresentador, você tem um lado empresarial bem forte. Criou uma agência de marketing digital e uma produtora de vídeos, isso em apenas dois anos. A vitrine da TV Globo ajudou no sucesso desses empreendimentos?
Registrei minha primeira empresa aos 19 anos. Como vim de família pobre, o trabalho para mim sempre foi o único meio de construir meu futuro. Lá atrás, quando fazia meu TCC na faculdade e já trabalhava, vivia com o que ganhava em TV e o dinheiro da empresa guardava na poupança. Juntei grana por dois anos e, assim, consegui comprar meu primeiro carro e fazer a primeira viagem para fora do país. Então, tenho certeza de que o sucesso dos meus negócios vem, primeiro, do esforço. A visibilidade que a TV me deu ajudou bastante nesse processo, sempre abriu portas... Mas fiz questão, desde o momento que fui contratado, de manter essa relação bem transparente, com o conhecimento de todos, para não haver nenhum conflito ético com meu papel de âncora.
O que mudou na sua relação com os fãs depois de se assumir gay? Acredito que muitas senhoras sonhavam em te ter como genro das filhas...
Hoje eu tenho uma relação ainda mais transparente com as pessoas que acompanham meu trabalho. Então, considero que a mudança que aconteceu foi positiva. Sempre me esforcei para não assumir uma personalidade no ar e outra fora. Mesmo perdendo um pouco da privacidade, tudo o que aconteceu me fez ser alguém mais feliz e verdadeiro. Pelo retorno que tenho dessas mesmas senhoras, das famílias e até das crianças que acompanhavam o jornal e ainda me seguem nas redes sociais, acredito que isso não me prejudicou.
É inevitável questionar isso: como foi a decisão de assumir publicamente sua orientação sexual? Houve alguma conversa com a Globo na época?
Posso dizer que fui "assumido". Às vésperas de apresentar o Jornal Nacional, um site de fofocas começou a publicar textos bem desrespeitosos sobre minha sexualidade, como se fosse algo de que eu devesse ter vergonha ou medo. Diante disso, eu e meu namorado resolvemos fazer uma manifestação mais clara do nosso relacionamento, já que isso não era segredo para minha família e amigos, nem me impediu de combater injustiças e preconceitos, enquanto jornalista. Não vi necessidade de nenhuma conversa com a emissora, pois se trata de uma questão íntima. E acredito que não há relação entre isso e os problemas que enfrentei internamente.
Você tem apenas 26 anos e, mesmo que por um dia só, ocupou o posto mais cobiçado do telejornalismo brasileiro. Onde você se vê aos 40? O que você quer e quem você quer conquistar?
Quando criança, sonhava em ter um programa de TV, mas como o mundo da comunicação muda numa velocidade impressionante, espero - aos 40 - ter construído uma carreira sólida na mídia, produzir conteúdo que informe, divirta e agrade as pessoas. Gosto de entrevistar, de mostrar curiosidades, de contar histórias... Acho que tenho habilidades que vão além do jornalismo tradicional de TV, seja em frente ou atrás das câmeras. Agora quero apostar nisso. Montei um estúdio na minha empresa e vou usar o tempo livre para produzir conteúdos, experimentar, me reinventar...
Seu namoro com o Yuri repercute bastante até hoje... Planejam trocar alianças? Ter filhos?
Ele é o amor da minha vida. Um homem corajoso, que admiro bastante e já mostrou que está comigo nas minhas lutas. Temos um ano de relacionamento, estamos muito bem e já fazemos planos para o futuro.
*Com colaboração de Gabriel de Oliveira
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