Esther Rocha diz que morte de Gugu mudou história da TV: 'Globo parou'
Muito mais do que apenas assessora de imprensa, Esther Rocha era amiga íntima de Gugu Liberato. Eles se conheceram quando ainda eram estudantes de jornalismo e, depois de alguns anos separados, se reencontraram profissionalmente. Foi quando começou uma grande amizade.
Iniciou uma amizade que gerou uma parceria, que gerou admiração mútua, que gerou confiança e uma história. [Gugu] Foi um irmão mais velho.
Um dos maiores nomes da TV brasileira, Gugu teve sua morte confirmada no dia 22 de novembro de 2019, após sofrer um acidente em casa e bater a cabeça. Em entrevista ao colunista Leo Dias, Esther falou sobre sua reação ao receber a notícia. "Vou falar uma coisa que falei para a Dona Maria do Céu [mãe de Gugu] e para a Cida [irmã de Gugu]. Nunca imaginei, honestamente, que gostava tanto desse cara da maneira como percebi gostar."
Esther, que é a criadora do portal especializado em vidas de famosos O Fuxico, projeto que contou com apoio de Gugu, também falou sobre a importância do comunicador na história da televisão. O apresentador era um fenômeno de carisma, audiência e marcou gerações ao longo de 30 anos de trajetória.
"O Gugu mudou tanto a história da TV que, na hora da morte dele, mudou mais uma vez. O 'Jornal Nacional' parou, a Globo [parou]. Foi fora da curva". Esther contou ainda que não existia briga pessoal entre Gugu e Faustão.
Existia um respeito mútuo entre eles. A briga não era Faustão e Gugu. Era Globo e SBT, era produção e produção. Tinha espionagem.
Confira trechos da entrevista.
Leo Dias - Como você conheceu o Gugu?
Esther Rocha - Fiz faculdade na Cásper Líbero [em São Paulo]. Gugu estudou na minha classe. Estou lá assistindo aula, de repente, todo mundo assim de tênis, na época a moda era alpargatas bordadas, e aí no meio da aula chega um rapaz de terno e gravata com cara de quem tomou banho há 15 minutos, porque o Gugu era um dos homens mais cheirosos que conheci.
De terno e gravata, ele trabalhava em algum lugar?
O Gugu, naquela época, começou a apresentar um programa do SBT, que foi o primeiro dele, 'Sessão Premiada'.
Ele era brilhante como aluno?
Ele era um aluno normal, tímido, sempre foi uma pessoa quieta.
E como ele chegou a esse emprego?
Gugu começou com aquela história das cartinhas para o Silvio Santos. Mas, quando chegou para apresentar esse programa, ele já tinha sido produtor, assistente de produção, o Gugu fez de tudo. Enfim, estudamos juntos, não fomos os melhores amigos na faculdade, mas foi sempre uma convivência interessante. A primeira coisa que aprendi com o Gugu é como a gente, o ser humano, julga as pessoas sem saber o que está julgando, porque todos falavam dele, que era um mico, né? O cara chegava de terno e gravata em uma aula de jornalismo. E aí viramos amigos, acabou a faculdade, por alguns anos perdemos o contato. Segui uma área, sempre trabalhei em gravadoras, e estava na Continental. O presidente da gravadora em 1990, o Matheus Nazareth, falou: 'Está a fim de trabalhar com uma cara que vai despontar?'. Ele estava com uma revista na mão. Ele abriu uma entrevista com o Gugu que tinha acabado de acontecer aquele episódio em que a Globo levou ele para a Globo.
Foi quando o Silvio Santos pegou ele de volta.
E aí ele chegou à conclusão de que teria que ter alguém cuidando porque o mundo queria falar com o Gugu e ele morria de timidez. E esse meu amigo falou: 'Ele está querendo uma pessoa para fazer assessoria de imprensa'. Eu falei: 'Mas espera aí, esse cara estudou comigo, Matheus'. E aí fui lá conversar com ele. No primeiro dia de conversa, depois de umas 2h, o Gugu falou uma coisa que durante esses 29 anos, só ouvi ele falar assim. O Gugu nunca falou: 'eu fiz', 'eu quero', 'eu acertei', ele sempre falou 'nós', 'nós precisamos'.
Ele sempre via o trabalho como algo coletivo?
Ele nunca falava assim: 'Olha, você me fez fazer essa matéria e está um horror'. Nunca pediu para consertar uma linha. Dali para frente, a gente iniciou uma amizade que gerou uma parceria, que gerou uma admiração mútua.
Uma confiança absurda.
Uma confiança e uma história. Vou te falar uma coisa que falei para a Dona Maria do Céu [mãe de Gugu] e para a Cida [irmã de Gugu], outro dia. Nunca imaginei, honestamente, que gostava tanto desse cara da maneira como percebi gostar.
Quando você percebeu isso?
No dia em que ele sofreu o acidente, naqueles dias seguintes e quando ele morreu. Nunca imaginei a importância do Gugu na vida da minha família. Tenho um filho de 37 anos, que é ariano também, que trabalha com produção musical, vinhetas para TV, graças a Deus um cara super bem-sucedido, que teve uma relação com o Gugu como o filho de uma funcionária. Meu filho até então nunca tinha ido, salvo exceção do avô, num velório. E meu filho passou a noite comigo e fez questão de abraçar a irmã do Gugu, ele falava assim: 'Gente, preciso dar um abraço neles'. Acredito nessas coisas, acho que o Gugu foi um irmão mais velho. Sempre quis deixar bem claro que ele era mais velho que eu, e ele ficava bravo (risos).
Separando a função de jornalista e a de assessora de imprensa de um dos maiores apresentadores da televisão brasileira, o Gugu deu pouquíssimas entrevistas na vida.
Não. Deu muitas, muitas. O Gugu só deu entrevista quando ele tinha algo a falar.
Como uma assessora de imprensa lida com um personagem tão famoso e, ao mesmo tempo, tão tímido?
Acho que consegui fazer isso, nós crescemos juntos. Quando comecei o negócio também falava com ele por fax. O cara era difícil. Até um dia que falei: 'Meu, você não gosta de mim? Porque você só me manda fax.'. Aí ele comentou com esse meu amigo que me levou a trabalhar com ele: 'Pô, não quero ficar ligando e dando trabalho para ela.' (risos) Pediam muitas coisas, se ele tinha o que falar, falávamos, fizemos algumas coletivas de imprensa para coisas incríveis, empresas que queriam lançar o parque, isso e aquilo. Além da timidez, o Gugu não tinha tempo mesmo.
Ele não queria ser a celebridade, né?
Não. O Gugu falava: 'Eu não sou artista. Não sou famoso. Sou um apresentador'. Ele sempre falava assim: 'Sou um jornalista, radialista', que ele sempre teve muito orgulho de ter trabalhado no rádio, 'e apresentador'. Não sei dizer uma coisa que ia ser produzida e que ele não queria saber um pouquinho além do assunto, pesquisar mais.
Em que momento você percebeu que o Gugu estava mudando a história da televisão? Considero que a grande virada do Gugu foi quando ele inseriu o jornalismo no entretenimento. Naquele momento a televisão nunca mais foi a mesma.
Não, porque a gente não tinha noção do tamanho da história. Na verdade, isso aconteceu em paralelo com uma outra coisa que nunca vi creditarem o Gugu. A gente recebia o Ibope toda segunda. E ele foi o primeiro cara que começou a ver o minuto a minuto [da audiência]. Aí o que dava para fazer? Bom, o cara foi para cantar uma música, mas estavam apavorando, vai cantar 19, 22, 23, 24, 25.
A programação não era nunca cumprida?
Era, mas fala para um artista: 'Olha, você está 6 pontos na frente da Globo. Sei que você tem que ir embora, mas se você quiser ficar mais 20 minutos...'. O cara alugava um avião. Foi o Gugu que sacou que, se ele esperasse um pouquinho mais para ir para o comercial, dava uma diferença brutal. Hoje tem emissora que fica 40 minutos sem comercial, né? Não tinha isso. Os breaks eram rigorosamente negociados. E lembro uma coisa que ele me falou: 'Esther, você já percebeu que domingo você só sabe das coisas à noite no Fantástico?'. Não tinha Globo News. Falei: 'É mesmo'. Ele falou: 'Então, se a gente entrar com o jornalismo, um monte de coisa que vai acontecer nos domingos, a gente vai dar na frente e a gente vai ter tempo de trabalhar isso'.
E a Globo só abria espaço para o jornalismo rigorosamente às 21h.
Exatamente. A linha de shows não tinha. Então daí foi advento o Mamonas Assassinas. Quem deu na frente? Ele estava no ar meio-dia.
Quando ele foi para a Record, ele sabia que tinha mudado a história do SBT e a maneira de se fazer programa de auditório?
Ele sabia, mas ele não falava. Ele sempre me falou: 'Se você corre atrás de algo para fazer melhor, para ser pioneiro em algo que ainda não está sendo feito, você tem concorrente.'
E o que há de verdade e mentira entre a briga de Faustão e Gugu?
Faustão e Gugu pessoas físicas, zero.
Mas eles não se falavam.
Não, não. O Fausto foi muito coerente. Quando o Gugu morreu, ele fez uma homenagem linda. Ele falou: 'Eu nunca fui amigo íntimo dele'. Eles se encontraram em algumas viagens e foi super agradável. Existia um respeito mútuo. Agora a briga não era Faustão e Gugu. Era Globo e SBT, era produção e produção. Tinha espionagem dos dois lados. 'Ouvi dizer que vai ter isso, vamos atrás, quem sabe a gente consegue'.
Qual foi a grande decepção do Gugu na televisão? E qual foi o grande mérito do Gugu na televisão?
A saída do Gugu do SBT foi uma coisa tão tranquila, tão madura. Nunca esqueço, o Silvio Santos falou para ele: 'É isso que estão te oferecendo?'. E ele falou: 'É isso aqui'. E o Silvio falou: 'Então vai, porque você merece e eu não tenho como te dar isso'.
O Silvio não apela para o emocional.
Nunca. Quer dizer, ele apelou lá atrás quando foi buscar o cara na Globo, esse é o grande troféu da vida do Gugu. Você sabe que o Silvio levou ele para a Globo para conversar, e o Gugu ficou um pedaço da conversa, aí o Silvio falou para o Roberto Marinho: 'Agora eu converso com você'. Ele falou: 'Gugu, volta para o aeroporto e me espera lá'. Então decepção mesmo não teve. Seria até hipocrisia se ele falasse: 'Me decepcionei com isso ou com aquilo', porque ele amava esse negócio.
A relação entre Gugu e Silvio Santos sempre foi estritamente profissional? O Gugu não frequentava a casa do Silvio?
Claro, frequentou a casa do Silvio e vice-versa, mas sempre foi uma relação de filho com pai. Pai profissional, um cara que inspira. Até as coisas que nunca aconteceram na Globo. O Gugu mudou tanto a história da TV, mesmo na hora da morte dele. O 'Jornal Nacional' parou, a Globo parou.
E o que você achou sobre a cobertura do SBT em relação à morte do Gugu?
Não sei se é verdade, mas uma coisa que machucou até a gente é que o próprio Silvio Santos e as filhas falaram que não queriam fazer daquilo um espetáculo, um show. E eu sei que, se falaram isso, foi com respeito.
Você não vê como 'vamos ignorar tal fato'?
Não, o que foi fora da curva foi a Globo. Acho que foi o episódio final dessa mudança que o Gugu fez na TV. A coisa mais difícil que escrevi na minha vida foi aquele comunicado [sobre a morte do apresentador]. Muita gente falou: 'Eles demoraram um dia para comunicar que o Gugu morreu'.
Houve uma corrida desenfreada da imprensa para dar com exclusividade a morte do Gugu.
Nós conseguimos confirmar por um amigo médico da família. 'Quem é o médico de confiança que consegue chegar mais rápido em Orlando?'. Porque nós tínhamos ali uma mulher de 90 anos, uma senhora, uma família destruída, um hospital maravilhoso e uma postura americana de tratar o assunto. Enquanto aquele Doutor Guilherme não chegou lá e examinou, chegou para a família e falou: 'Não tem jeito'... eu juro que nem o rascunho do comunicado eu consegui fazer.
Você nem cogitou isso?
Vai acontecer um milagre aí. Lembro que pensava: 'Será que ele vai andar?'. Quando soube do acidente, uma hora depois, comentei com a Fátima, que foi quem me deu a notícia, uma pessoa que trabalha com a gente também há 30 anos: 'Semana que vem ele tem o Família Record, acho ele não vai poder ou vai fazer de cadeiras de rodas'. E ela falava para mim: 'Esther, é sério'.
A última frase do Gugu para mim no WhatsApp foi: 'Conta sempre comigo'. Entendeu? Então quando me falaram 'caiu do telhado', eu falei: 'Cara, que ódio que tenho desse cara. O que ele foi fazer? Ô mania insuportável'.
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