Topo

Mauricio Stycer

"Papa da dublagem", Orlando Drummond ganhou papel de Seu de Peru por acaso

Orlando Drummond, ao completar 100 anos, foi homenageado pela produção da Escolinha do Professor Raimundo - Reprodução/Twitter
Orlando Drummond, ao completar 100 anos, foi homenageado pela produção da Escolinha do Professor Raimundo Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

13/01/2020 05h01

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Voz do Scooby-Doo, do Alf e do Popeye, entre centenas de outros personagens da animação e do cinema que dublou, Orlando Drummond só descobriu a fama perto dos 70 anos, quando ganhou a vaga, por acidente, para viver o Seu Peru na "Escolinha do Professor Raimundo", na Globo.

O papel criado por Chico Anysio estava destinado a um outro ator, que passou pelo teste, fez laboratório e ensaiou, mas na última hora desistiu. "Ele não se sentiu confortável com a personagem e com a possível repercussão que poderia ter", conta o jornalista Vitor Gagliardo em "Orlando Drummond - Versão Brasileira" (Gryphus, 340 págs., R$ 69,90).

A diretora Cininha de Paula não revela quem foi o ator que abriu mão do papel ("Eu realmente não me lembro"), mas conta que foi o próprio Chico Anysio que tomou a decisão que ajudaria a mudar a vida do "papa da dublagem". "Chama o Drummond! Ele vai dar conta!"

Hoje, o ator e dublador diz: "Eu não sou mais o Orlando Drummond; eu sou o Seu Peru". Gagliardo conta que Chico dava muita liberdade aos atores para adaptarem os personagens. Segundo o biógrafo, apenas a frase "Estou porrr aqui" foi criada previamente. Tudo o mais, como "Peru com mel de Vila Isabel", "Use-me e abuse-me, teacher!" e "Te dou o maiorrr apoio", foi invenção do ator.

Capa da biografia do ator e dublador Orlando Drummond, que acaba de ser lançada - Reprodução - Reprodução
Capa da biografia do ator e dublador Orlando Drummond, que acaba de ser lançada
Imagem: Reprodução
A generosa biografia de Gagliardo é também uma aula sobre rádio, dublagem e televisão, com muita informação sobre os ambientes que Drummond conheceu profissionalmente e sobre o que ele fez em cada lugar. O autor tem o cuidado de resumir didaticamente a história de cada programa radiofônico, cada filme e cada desenho animado em que o ator atuou.

Nascido no Rio em 1919, Orlando tentou vários trabalhos antes de conseguir um emprego como contrarregra na rádio Tupi, em 1942. Dos bastidores vira radioator e de lá salta para a TV Tupi, onde fez pequenos papeis em programas de humor.

A atividade a qual mais se dedicou, como se sabe, foi a dublagem. E é na descrição que o autor faz deste universo que reside um dos maiores interesses da biografia. Trata-se de uma aula sobre o assunto, com lições sobre a técnica, relatos sobre a precariedade inicial do trabalho, as greves por direitos (Drummond ficou marcado como "fura-greve" em 1978) e a regulamentação do ofício, sem falar da menção a uma série de profissionais que se destacaram como dubladores.

O livro termina lembrando das muitas homenagens que Drummond recebeu no seu centenário, em outubro passado, incluindo o seu encontro com Marcos Caruso, que vive o Seu Peru na nova "Escolinha do Professor Raimundo".

A diretora Cininha de Paula arrisca uma explicação para a permanência do personagem - a caracterização do ator: "Na era do politicamente correto, talvez não tivesse espaço para o Seu Peru. Mas ele tá aí e é adorado, graças aos Orlando Drummond". Caruso vai na mesma direção: "Ele cria uma caricatura, não deixa de ser, mas é uma caricatura sem juízo de valor. Não está julgando o gay. Ele está vivendo o gay".

Gagliardo encerra o livro dizendo que Drummond não gosta de ser chamado de "papa da dublagem". Prefere dizer que é um dos pioneiros. Em todo caso, lembra o autor, três netos de Drummond são hoje dubladores e ele é uma referência para as novas gerações.