Para passar na TV, ficção sobre guerra em favela vira "quase documentário"
Pegue um filme de ficção, exibido com algum sucesso nos cinemas, acrescente 25 minutos de imagens reais, captadas por equipes de jornalistas, grave cenas adicionais com atores e transforme tudo isso num programa para a TV em quatro episódios. É isso, resumidamente, o que ocorreu com “Alemão”, de José Eduardo Belmonte.
Um dos dez filmes brasileiros mais vistos em 2014, o drama conta a história ficcional de cinco policiais infiltrados no Complexo do Alemão em 2010, quando ocorreu a tomada da favela pelo Exército e a polícia.
Para adaptá-lo, o diretor Guel Arraes, da Globo, convocou o próprio Belmonte. O cineasta teve acesso a 40 horas de material do departamento de jornalismo da emissora e, com a ajuda do jornalista Marcio Sternick, selecionou inúmeros trechos.
“Alemão” conta com Cauã Reymond no papel de Playboy, o chefe do tráfico local, e de Otávio Müller, Gabriel Braga Nunes, Marcello Melo Jr., Milhem Cortaz e Caio Blat como os policiais disfarçados. Vai ao ar na Globo entre 12 e 15 de janeiro.
O UOL assistiu ao primeiro episódio – intenso, ágil, muito bem dirigido e realizado. Permeada por “flashes” do noticiário da Globo, os personagens às vezes parecem fazer parte de um documentário.
Para dar lógica à narrativa, alguns atores que participaram das filmagens em 2013 foram convocados para gravar novas cenas, incluídas no “Alemão” da TV. Pelo menos um ator que não participou do filme, Eucir de Souza, ganhou um papel no programa.
“Parte da ficção lembra muito documentário. E o jornalismo, pelo tamanho do evento (a ocupação do Alemão), parece ficção”, diz Arraes. Vale lembrar que a Globo ganhou Emmy Internacional em 2011 justamente por sua cobertura das operações policiais na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão.
Como chamar esta mistura de ficção com jornalismo? No material de divulgação, a emissora diz que se trata de uma série. Arraes fala em “docudrama”. E como classificar este tipo de produto, um filme que vira série de TV, ganha 25% de imagens de não-ficção e ainda acrescenta novas filmagens com atores? “Não sei”, diz Arraes.
“O cinema não é mais a única tela para o Autor”, diz Belmonte, questionado pelo UOL se ele não se ofende com esta transformação de sua obra. “Está tudo bagunçado. Novos paradigmas. Acho mais correto falar em realizador de audiovisual”, afirma.
Neste processo, um aspecto é fundamental, lembra Arraes: “Que o diretor aprove o corte final”. Belmonte acrescenta: “Fiquei três meses na Globo. Foi muito legal”.
Para entender estes dois comentários é preciso voltar um ano no tempo. Em janeiro de 2015, a Globo exibiu “Tim Maia”, uma versão do filme de Mauro Lima. Na véspera da estreia, o diretor escreveu em uma rede social: “Aos seguidores que não viram ‘Tim Maia’ no cinema sugiro que não assistam essa versão que vai ao ar hoje e amanhã na Globo. Trata-se de um subproduto que não escrevi daquele modo, nem dirigi ou editei”.
Na realidade, lembrou Guel Arraes, Lima foi contratado e recebeu da Globo para ajudar na adaptação.
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