Andreia Horta será filha de Tiradentes em novela: "Ela é incorruptível"
Se Andreia Horta pudesse se transportar para outra época, gostaria de viver a efervescência da música clássica na Viena dos séculos 18 e 19, vivendo de concerto em concerto. Enquanto não existe máquina do tempo capaz de realizar esse desejo, a atriz de 32 anos faz uma viagem diária, nos Estúdios Globo mesmo, para os anos 1800 - é ela quem dá vida a Joaquina, a filha de Tiradentes de que pouco se tem notícia e que será a protagonista de "Liberdade, Liberdade", novela das 23h que estreia dia 11 de abril.
Além da origem mineira, criadora e criatura têm ainda um forte ponto em comum, segundo Andreia: o senso de justiça. É por lutar por um país melhor que o diretor Vinícius Coimbra acredita que a personagem vai gerar identificação com o público.
"Ela vive num mundo muito mais selvagem do que hoje, e como ela estava fora há 20 anos quando volta para o Brasil, o olhar dela está muito puro, muito limpo. Infelizmente essa voz ativa dela ainda serve. O que a gente deseja é que ela desperte essa consciência nas pessoas. Ela não faz vista grossa para nenhuma impunidade, ela tem um caráter muito reto, é incorruptível. Se vê maus-tratos, ela fala. Ela diz: 'Você não pode chamar de criada porque você não paga salário, ela é uma escrava'. Nada passa. Acho que ela é uma heroína porque faz o que deve ser feito", afirma.
Na trama, escrita por Mario Teixeira e inspirada no livro "Joaquina, Filha do Tiradentes", de Maria José de Queiroz, a protagonista é resgatada por Raposo (Dalton Vigh), simpatizante dos inconfidentes, depois da morte de seus pais, Tiradentes (Thiago Lacerda) e Antônia (Letícia Sabatella). Após 20 anos em Portugal, quando recebe o nome de Rosa (vivida por Mel Maia na infância), retorna a Vila Rica em 1808 e encontra um cenário de muita desigualdade social, miséria e violência.
A atriz, que se diz "energizada" em viver uma figura feminina forte como esta - e tão pouco frequente na teledramaturgia brasileira -, ressalta, no entanto, que a luta de Joaquina não é necessariamente feminista.
"Eu me vejo dando voz a uma personagem incansável. Ela está à frente do tempo dela, as mulheres não saíam montadas a cavalo, não lutavam esgrima, não pegavam numa arma, a maioria não sabia ler. Ela é uma mulher de vanguarda, mas não é uma questão de gênero. Se Joaquina fosse um Joaquim, a voz dela seria tão potente quanto. Sendo uma mulher, fica muito claro o espanto alheio. As pessoas perguntam: 'Como vai ficar sua reputação lutando desse jeito?'. Mas ela defende os desfavorecidos, diz que todo ser humano tem direito a um prato de comida e um lugar para morar. São questões mais primárias", analisa.
Para se transformar nessa mulher, Andreia usa peruca, um adesivo com pelos nas axilas, dentes amarelados e unhas por fazer. Nenhum incômodo, ela garante, assim como a dor nos pulsos adquirida em aulas de esgrima, que achou tão fascinantes quanto as aulas de tiro. Mas tantas cenas de ação com as limitações do figurino revelaram à atriz que ela era mais "mulherzinha" do que imaginava.
A vontade de ser outras surgiu ainda na infância - começou com grupo de teatro aos sábados, em Juiz de Fora (MG) e em peças montadas na escola, aos 8 anos. Cresceu quando remexia os livros do pai, que trocou a metalurgia pela dramaturgia, em São Paulo, e se profissionalizou na faculdade de Artes Cênicas.
"Na casa do meu pai, já tinha contato com [Constantin] Stanislavski, outros dramaturgos. Depois, revi algumas coisas e vi que haviam reverberado de alguma maneira. As pessoas diziam para ele: 'Você está maluco!'. Ele tinha três filhos pequenos e criou a gente trabalhando com teatro-empresa. Tenho o maior orgulho", lembra ela, que com 14 anos trabalhou numa empresa de mensagens por telefone e vendeu um livro próprio de poemas, independente, na época da faculdade.
"O livro me salvou durante um tempo. Meu pai e a mulher dele me ajudaram a bancar, e com lucro paguei tudo depois. Vendia na porta do banco, em pizzaria, na cara de pau", conta ela, que escreve poesia até hoje.
A menina criada no interior, vendo novelas, está há dez anos na televisão - a estreia foi na minissérie "JK", na Globo, seguida pelas novelas "Alta Estação" e "Chamas da Vida", na Record, e a série "Alice", na HBO. Morando no Rio todo esse tempo, diz que lida bem com o assédio, que aumentou ao fazer sua primeira novela do horário nobre, "Império" ("Quando você faz novela das oito todo mundo descobre seu sobrenome"). Mas confirma a imagem de reservada ao assumir, com muita resistência, o namoro com o apresentador de TV e ex-VJ da MTV Leo Madeira. E só, nenhum detalhe a mais, nem há quanto tempo estão juntos. "Isso é muito íntimo", diz, entre risos envergonhados.
Nem parece a mesma Andreia que minutos atrás falava com entusiasmo de encarnar a ídola Elis Regina no cinema, a mesma que a inspirou a cortar os cabelos curtinhos na adolescência. Nervosa é a palavra que ela, que ainda não viu o resultado final, usa para descrever a expectativa em relação à estreia, prevista para o segundo semestre.
E por pouco o projeto nem se realiza, já que a atriz estava escalada para ser a mocinha de "A Regra do Jogo". Com a mudança de planos, por parte da Globo, pôde se dedicar como queria ao longa de Hugo Prata, do qual havia chegado a desistir, e em seguida viver Joaquina na TV. Tudo organizado pelo destino, ela diz.
"Viver Elis foi uma dança maravilhosa, e eu fiz questão de estar junto. Não me interessava que fosse uma imitação. Era o meu desejo que você enxergasse as duas, porque eu queria estar lá, junto, cantando 'Fascinação' (risos). Tinha um jeito muito específico de falar, e apesar de todo o trabalho que a gente levantou para encostar nela, na sonoridade, no jeito de andar, todo mundo sabe que sou eu. Acho isso muito bonito", conta.
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