Topo

Clemente de "Velho Chico" é "Darth Vader do sertão", diz ator

O figurino preto, as armas e os anéis ajudam na construção do "protetor de um império" Clemente, em "Velho Chico", acredita o ator Julio Machado - Caiuã Franco/Globo/Divulgação
O figurino preto, as armas e os anéis ajudam na construção do "protetor de um império" Clemente, em "Velho Chico", acredita o ator Julio Machado Imagem: Caiuã Franco/Globo/Divulgação

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

06/04/2016 07h30

Os olhos de morte sob a “monocelha” do jagunço Clemente, de “Velho Chico”, exercem um misto de pavor e fascínio entre os personagens e os espectadores da trama de Benedito Ruy Barbosa no ar no horário das nove da Globo.

Seu intérprete, o ator Julio Machado, 36, solteiro e, segundo ele, sem tempo "nem pra tico tico no fubá”, disse em entrevista ao UOL que quando estava compondo o personagem rolou uma piada nos bastidores.

“Teve uma brincadeira de pensar nele como um Darth Vader do sertão. Se existe qualquer tipo de fascínio ou fetiche [por ele], isso não pode ser descolado do figurino. Aquela capa preta, todos aqueles cintos, armas, aqueles anéis. Aquela figura barroca, que o Luis Fernando [Carvalho, diretor] gosta, ajuda a resumir. Pensando na prática, talvez um jagunço evitasse aquilo por causa do calor. Mas a roupa ajuda a construir o arquétipo de um protetor de um império”, detalha o ator, que faz questão de dizer que a monocelha, no entanto, é dele e é “carinhosamente cultivada”.

Julio Machado é Clemente em "Velho Chico" - Caiuã Franco/Globo/Divulgação - Caiuã Franco/Globo/Divulgação
Para Machado, a maldade de Clemente é justificada pelo sistema em que ele vive
Imagem: Caiuã Franco/Globo/Divulgação
 Pela primeira vez em grande escala, o ator encara nas redes sociais as reações contraditórias e, muitas vezes, agressivas ao seu personagem.

“Curioso que as pessoas gostem dele. As mensagens que recebo são muito interessantes: ‘Eu desejo a morte mais sangrenta e mais cruel pro seu personagem, ele é a encarnação do demônio.’ Aí, depois de me agredirem muito, ao final da mensagem, me dão muitos parabéns”, conta aos risos.

Porém, Machado diz que em todos os seus personagens tem o compromisso de não ressaltar o maniqueísmo, por não acreditar que ninguém seja totalmente bom ou mau. De fato, em um dos capítulos, Clemente repreende o coronel Afrânio (Rodrigo Santoro) por ele praguejar contra Deus.

“Não acho que a maldade do Clemente é pura. Acho perigoso separar o bem do mal pura e simplesmente. Meu papel como intérprete é procurar ler aquele personagem de modo amplo e não maniqueísta. Mesmo a maldade dele é justificada pelo sistema em que ele vive e pela sua necessidade de sobrevivência dentro desse sistema. Pra além de toda aquela maldade, tem um homem fiel ao primeiro coronel e à manutenção de toda aquela casta. Tem mulher, filho. A Doninha é um poço de doçura. Essa mistura ajuda o público a enxergar os personagens mais profundamente.”

Esta não é a primeira vez que Julio Machado usa os olhos como principal característica de seu personagem. Ele fez uma participação em “Império” como o hipnotizador de mulheres Jairo, que usava seu poder de sedução para roubar a bolsa de suas vítimas.

Natural de Jundiaí e formado pela EAD (Escola de Arte Dramática da USP), a oportunidade de chegar à TV apareceu quando foi pela primeira vez ao Rio de Janeiro com a tragédia "Oréstia", de Ésquilo, convidado pela atriz Malu Galli. Na plateia estava presente ninguém menos que Marieta Severo.

“A Marieta Severo me viu e me chamou para contracenar com ela na peça ‘Incêndios’. Foi depois disso que fui convidado a fazer um papel de verdade em ‘Império’, que foi minha primeira novela. Experimentei como era fazer TV. E a Drica [Moraes] estava fazendo aquele personagem maravilhoso [Cora]. Minha participação pegou carona nisso. Mas naquela época as pessoas me reconheciam na rua. Hoje, com o Clemente e todo aquele figurino é menos.”

Coronelismo e incesto

Quando houve o lançamento de “Velho Chico”, o autor Benedito Ruy Barbosa fez uma declaração dizendo que não gostava de “histórias de bicha”, o que repercutiu muito mal nos bastidores da produção, não apenas porque muitos dos funcionários, autores e atores da emissora são homossexuais, declarados ou não. 

No entanto, a novela tem cenas com insinuações de incesto (da personagem Leonor, seu pai e seus irmãos), assassinatos, coronelismo, isso sem falar na personagem Teresa, que foi espancada pelo pai num capítulo da semana passada.

Questionado por que histórias de amor entre pessoas do mesmo sexo chocam o público, mas esse tipo de violência não, Julio Machado disse que “tem uma parte do Brasil que quer andar pra frente e outra que quer andar pra trás”:

“Há uma direção de arte orientada para que a gente leia aquela época de forma atemporal, embora se passe tudo nos anos 1960, para mostrar que até recentemente vivíamos todos sob certas regras morais que são tão absurdas que poderiam estar situadas na Idade Média. Eu acho um absurdo que o público se choque com uma relação de amor com pessoas do mesmo sexo, mas não com os desmandos do coronelismo ou com incesto. É uma pergunta que todo mundo devia se fazer. Por que você cidadão não se incomoda com insinuações de incesto?”

Só que ele explica que, no entanto, a terceira fase da novela coloca uma geração de personagens com ideias mais progressistas e que esse será o debate político social levantado, uma característica do autor Benedito Ruy Barbosa.

“Aquele coronelismo vai ficar no eco do passado, no papel do Fagundes, mas que vai ser confrontada com a geração admirável mundo novo. Pensar a questão social, ambiental, o modelo de monocultura agrícola, vai ser esse o embate dessas gerações.”