Topo

E se "Stranger Things" não fosse voltada para o nosso umbigo?

Diego Assis

Do UOL, em São Paulo

28/07/2016 07h00

Uma das principais críticas ao Facebook tem a ver com o fato de que nem todos os posts dos nossos amigos ou conhecidos chegam até a gente. A culpa é do algoritmo, um filtro matemático que escolhe o que você vai ler baseado nas pessoas com quem mais interage, as páginas que mais curte ou, em última instância, os assuntos que mais chamam sua atenção.

Coisa semelhante faz o Google, rádios online como Deezer e Spotify e, no mundo dos filmes e séries, a Netflix, com aquelas recomendações do tipo "Se gostou desse filme/série, vai gostar também desse, daquele e daquele outro".

O resultado é um mundo perfeitinho, em que a indústria do entretenimento vai fazer de tudo para entregar exatamente aquilo que você (ou milhares de outras pessoas com gostos semelhantes ao seu) quer e, com isso, diminuir as chances de investir em projetos "no escuro".

"Stranger Things", nova sensação entre os usuários do serviço Netflix, parece ser fruto dessa lógica. Totalmente retrô, a série é uma colagem quase literal dos maiores clássicos do cinema de aventura e ficção científica dos anos 80: "E.T.", "Goonies", "Conta Comigo", "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Alien"...

Nostalgia pura: estão lá as bicicletas tipo cross que faziam a festa da criançada da época, os tão sonhados walkie-talkies para conversar com os amiguinhos da casa ao lado e programar "ações secretas", as fitinhas K7, as festinhas à beira da piscina regadas a cerveja e beijo na boca quando os pais saíam de casa... Cada detalhe de "Stranger Things", do letreiro de abertura em neon à escolha do elenco, é feito para encher os olhos e afagar os corações saudosos de adultos criados em visitas às videolocadoras e filmes da Sessão da Tarde.

Querer - e ainda por cima conseguir - agradar não é crime. Mas a radicalização do "ao gosto do freguês" quando se trata de arte e cultura pode ser prejudicial. Ou pouco fértil. A cultura pop está viciada em seu próprio passado, já diagnosticava em 2011 o crítico inglês Simon Reynolds em seu livro "Retromania".

Basta dar uma olhada nas maiores bilheterias de 2015: teve um novo "Star Wars", franquia dos anos 70 que agora passa por sua segunda ressurreição; um novo "Mad Max", retomando o sucesso dos filmes de Mel Gibson nos anos 80; um novo "Jurrassic Park", acenando para a década de 90; sem falar nos filmes de HQs, baseados nos mesmos personagens criados há 50 ou até 70 anos.

O público de trintões, quarentões, cinquentões aplaude. Comparece em massa. Mas se as principais apostas da cultura pop hoje miram só as nossas próprias memórias, os nossos algoritmos, o que vai sobrar para o carinha que está chegando agora?

Lembro-me que o divertido nesses filmes da década de 80 era justamente o quão contemporâneos eles eram: faziam com que a gente fantasiasse com o acesso a videogames, computadores, robôs e viagens espaciais que formavam o imaginário daquela época de Guerra Fria. Quando não olhavam para o futuro...

Enquanto assistia aos episódios de "Stranger Things" esta semana, me peguei perguntando como seria se a Netflix tivesse usado elenco mirim e produção tão bacanas para contar uma história de aventura que conversasse não com o meu, mas com o mundo dos meus sobrinhos de 5 anos.