Novela das 21h muda rotina de favela e morador faz fila para ser figurante
Moradora da favela Tavares Bastos, no Catete, bairro da zona sul do Rio, a comerciante Ivaneide Lopes, 29, encontrou uma operação da Polícia Militar bem na porta de casa. Fez o que qualquer pessoa em seu lugar faria: aproveitou para tirar foto com a major. É que a oficial, no caso, era Jeiza, personagem de Paolla Oliveira em "A Força do Querer", e a atriz gravava mais uma sequência da novela na comunidade, que faz as vezes do Morro do Beco e do Morro Azul na ficção.
Com uma vista privilegiada, a Tavares Bastos já foi cenário de várias produções nacionais, como a novela "Vidas Opostas" (2006) e a série "A Lei e o Crime" (2009), da Record, e estrangeiras, como o longa "O Incrível Hulk" (2008), com Edward Norton no papel principal.
"Estava vindo para o trabalho e encontrei com ela. É um amor de pessoa. Ela e Juliana [Paes, que interpreta Bibi] são lindas", diz ela, orgulhosa da selfie com a intérprete.
Depois de uma participação como ator no filme americano, o eletricista Raimundo Camargo Nascimento, 40, conhecido como Raimundão, tornou-se uma espécie de produtor local e hoje toma a frente da parte operacional das gravações na comunidade. Foi ele quem providenciou um espaço que funciona de refeitório para a equipe de "A Força" e uma casa onde os profissionais de figurino e maquiagem se instalam.
Com o ritmo dinâmico de uma novela, no entanto, alguns improvisos precisam ser feitos, e os próprios moradores cedem suas residências para uma necessidade de última hora. Foi o caso da dona de casa Neide Costa dos Santos, 57, que já emprestou a casa para Juliana Paes trocar de roupa entre uma cena e outra.
"Eu não esperava. A filmagem estava acontecendo bem em frente à minha casa. O Rubinho [personagem de Emilio Dantas] tinha fugido, e a Bibi caía e rolava na escada. A produção me procurou e me pagaram a diária", conta. "Foram todos bem educados e simpáticos. Ofereci água, eles se sentaram no meu sofá, ficaram bem à vontade", diz.
Os moradores também ganham algum dinheiro fazendo figuração em cenas mais grandiosas. A sequência do baile funk que Bibi frequenta a convite de Sabiá (Jonathan Azevedo), por exemplo, mobilizou mais de 100 pessoas e virou um evento - todos os moradores entrevistados pelo UOL na visita à Tavares mencionaram a cena, que se estendeu até 1h da manhã, no campinho de futebol.
Apesar de ninguém dizer o quanto ganhou, o cachê costuma ser em média R$ 60.
"Já dei nome e telefone e estou esperando me chamarem como figurante. É pouco, mas ajuda", conta a servente, nascida e criada na comunidade Cileia Pereira da Silva, 67, que já deu o ar da graça na novela "Beleza Pura", de 2008.
A autônoma Yochabel Chagas, 43, lamentou ter perdido a figuração na época de "O Incrível Hulk". "Era um cachê bom! Chamaram umas 200 pessoas. Mas eu estava amamentando", conta.
No entanto, ela conseguiu presenciar outra presença ilustre na vizinhança: ninguém menos que a Rainha dos Baixinhos, na filmagem do longa "Xuxa Gêmeas", de 2006.
"Xuxa gravou com Ivete Sangalo aqui, fico arrepiada só de lembrar. Quando ela passou, uma menina tremia tanto, que ela pegou o celular e tirou a foto com ela. Foi lindo", lembra.
Segundo Raimundo, outras melhorias acabam sendo feitas para os moradores. "A gente combinou que eles vão fazer a doação de uma rede para o campo. Nós tivemos que tirar para a cena do baile funk, porque não daria para alterar com computação gráfica", conta ele, que contabiliza 14 dias de gravação na comunidade até agora.
Na função há 20 anos, o eletricista e produtor diz que a comunidade já se acostumou com o ritmo agitado das produções audiovisuais por ali, mas, ainda assim, alguns ajustes precisam ser feitos para minimizar os transtornos.
"O que eu sempre falo é que aqui tem 8.000 moradores, 300 carros. Não é uma cidade cenográfica do Projac. Não quero ouvir de um morador: 'Meu material de construção não chegou'. Tenho que fazer a filmagem acontecer e as pessoas irem e virem naturalmente", diz ele, que trabalha com uma equipe de dez pessoas, uniformizadas com colete e com rádios comunicadores.
"A gente tenta se adaptar. A Globo vinha com uma quantidade de carro imensa, era desnecessário. Hoje ainda não é perfeito, mas chegamos aos 80%. Toda vez que tem gravação, mandamos um comunicado para o Bope [Batalhão de Operações Policiais Especiais, da Polícia Militar] e colamos um aviso pela comunidade", diz.
Inaugurada em 2000 no alto do morro, a unidade do batalhão é citada pelos moradores como o motivo que faz os produtores buscarem a favela, considerada bastante tranquila. É uma situação bem diferente de outras comunidades da zona sul, que vêm sofrendo com a crescente crise na segurança pública --o primeiro semestre deste ano foi o mais violento no Rio desde 2009.
"Aqui já foi violento. A gente que é daqui tinha medo de descer à noite. Hoje, meu filho mais novo, de 22 anos, diz que nunca viu uma arma", afirma a aposentada Hilda Sardinha de Brito.
"Essas gravações deixam a comunidade mais visível. Tem taxista que tem medo de subir aqui, não sabem que é tranquilo", diz.
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