Diretor de "Carcereiros", irmão de Huck diz que país vive apartheid social
Entre os muitos projetos sociais que desenvolveu, o cineasta Fernando Grostein reativou um grupo de teatro criado por agentes dentro de uma penitenciária. Anos depois, quando Pedro Bial procurou o médico Drauzio Varella querendo adaptar o livro dele, “Carcereiros”, para a TV, Drauzio recomendou o responsável pelo experimento teatral para comandar o projeto.
Grostein, então, sugeriu que fosse feita uma série e um documentário. Bial, que assumiria o documentário, acabou se afastando após assumir o seu programa de entrevistas. Já o cineasta, que já havia dirigido o longa “Na Quebrada” (2014) usando parte do elenco do grupo teatral de detentos, divide com José Eduardo Belmonte a direção de “Carcereiros”, que estreia no dia 26 na Globo.
Estrelada por Rodrigo Lombardi, a série acabou tendo a estreia adiada na TV por mais de um ano, após a morte de Domingos Montagner, o primeiro protagonista. Grostein acredita, no entanto, que as histórias seguem atuais.
“[Os autores] Fizeram um trabalho brilhante porque o livro foi escrito contando as histórias do Carandiru, e de lá para cá o sistema penitenciário mudou, mas a essência não. Um sistema que prende mais do que a capacidade que tem de prender e agrava as injustiças sociais brasileiras”, disse ele durante o lançamento da série numa fábrica transformada em presídio onde a segunda temporada já começou a ser gravada, na zona leste de São Paulo.
O cineasta dirigiu cinco dos 12 episódios da série (disponíveis no Globoplay desde o ano passado) -- a direção geral é de José Eduardo Belmonte.
Para ele, os carcereiros, assim como os detentos, são testemunhas “de um sistema prisional que cria uma verdadeira bomba social que precisa ser desarmada.” Como desarmar? “A gente precisa rever urgentemente a nossa legislação de drogas, porque é uma legislação que na prática pune quem tem problemas com drogas com cadeia, e isso só agrava a marginalização em diversos graus. E isso não é só um problema do Brasil, é um problema também dos Estados Unidos”.
Para o diretor, que é irmão de Luciano Huck, a situação também passa pela questão do acesso. “A gente vive em um país extremamente desigual, em que as oportunidades não são iguais para todos. Então nós brancos, de classe média, temos muito mais acesso à educação, saúde, segurança, do que os menos favorecidos, em especial os afrodescendentes. Isso faz com que a gente crie um verdadeiro apartheid social, um muro invisível. O resultado disso você vê nas cadeias”.
Quebrando tabus
Com uma carreira que já dura mais de 20 anos, Grostein desenvolveu uma série de projetos que abordavam questões sociais. Em 2011, lançou seu trabalho mais conhecido: o documentário “Quebrando o Tabu”, em que discutia a descriminalização das drogas ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Recentemente, rodou em Nova York o filme “Abe”, protagonizado por Noah Schnapp, o Will da série “Stranger Things”.
Mas foi um vídeo pessoal que tornou seu rosto mais conhecido do público. Em 2017, o cineasta criou um canal no Youtube, cujo vídeo de estreia falava sobre a descoberta de sua homossexualidade. A gravação causou comoção nas redes sociais e ele foi convidado de diversos programas de televisão.
Desde então, ele usa a página para publicar vídeos que promovem debates envolvendo temas sociais. Para ele, a arte permite fazer as pessoas refletirem sobre certos assuntos que, em geral, elas rejeitam no dia a dia.
“Boa parte de decisões equivocadas é tomada pelo medo, e o medo é movido pela ignorância. Por exemplo, quando terminei o ‘Quebrando o Tabu’, fiz um teste. Perguntava para as pessoas: ‘Você é a favor de descriminalizar as drogas?’ A maioria falava não. Aí perguntei às mesmas pessoas: ‘Você é a favor de punir quem tem problema com droga com cadeia?’ Falavam: ‘Claro que não.’ Acho que a arte tem um papel fundamental de levar as pessoas a outras realidades e a se colocar no lugar do outro e tomar posição a partir de conceitos, e não de preconceitos”, afirma.
“Pobreza intelectual”
Fernando Grostein se diz desanimado com a atual situação política do país diante de um cenário que percebe de “ameaças graves e constantes” à democracia.
“Eu cresci tendo esperança, e hoje estão fazendo de tudo para ceifar nossa esperança. É de uma tristeza imensa você ver que tem candidato à Presidência que defende o fechamento do Congresso, que tem falas homofóbicas, machistas. Essa pobreza intelectual reflete na hora do voto e em uma onda autoritária que precisa ser interrompida”, desabafa.
O próprio artista se viu envolto no noticiário político após afirmar, em uma entrevista, que não apoiava a candidatura do irmão, Luciano Huck, à presidência. “Acho que eu já comentei tudo que eu tinha para falar sobre esse assunto”, desconversa ele.
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