Filme revê carreira de Rogéria: "Era o que eu queria ser", diz Nany People
Em uma das cenas do documentário Rogéria: Senhor Astolfo Barroso, que chega hoje aos cinemas, Nany People conta como a artista, morta no ano passado, a inspirou. Nascida Astolfo Barroso, a "travesti da família brasileira", como ela mesmo se autodenominava, começou a carreira maquiando famosos e subiu aos palcos em plena ditadura militar.
É essa trajetória, numa época em que travestis e transgêneros eram ainda mais raros na dramaturgia, que o filme pretende recontar, a partir de depoimentos da própria Rogéria e de famosos como Jane de Castro, Jô Soares, Rita Cadilac, Bibi Ferreira (1922 - 2019) e Betty Faria
"Ela era a resposta de que era possível, de que era viável, ser o que eu queria ser e não sabia explicar", diz Nany, atualmente no elenco do Popstar, ao UOL.
"Rogéria foi uma escola. Um mito. Uma mestra da liberdade artística e de expressão. Compartilhei no filme minha admiração e gratidão a essa mestra em minha formação pessoal e profissional", completa ela.
Para o diretor do filme, Pedro Gui, Nany é uma artista que expressa a essência de Rogéria. "Eu sinto que a Nany é muito parecida com a Rogéria artisticamente. Acho que a Nany tem esse lugar de levar a bandeira da Rogéria. Com certeza foi uma das grandes inspiradoras de saber que se tem espaço. Acho que a Nany talvez seja a mais parecida com o que foi ela".
O trabalho de Pedro começou em 2017, quando conheceu Rogéria em um restaurante e ficou fascinado pela história da atriz. Eles fizeram uma entrevista, uma das últimas dela em vida, e o projeto era viajar com ela, revendo sua trajetória na arte, com planos de visitar, inclusive, Paris. Com a morte da atriz, tudo mudou.
"O que mais me surpreendeu na Rogéria foi o quanto ela lutava pela arte e por ser artista. O pioneirismo dela junto com algumas outras artistas, o quanto elas lutavam pra que pudessem estar se apresentando, mesmo numa ditadura militar onde eram massacradas pelo preconceito, fisicamente e psicologicamente", destaca o diretor.
Mesmo com o projeto interrompido pela morte de sua personagem, Pedro afirma que o legado de Rogéria ainda perdura.
"Acho que ela concluiu a missão dela que era levantar essa bandeira, ajudar tantas pessoas durante toda a vida dela. Abrindo cabeças e fazendo essa divulgação da comunidade LGBTQI+".
Despudorada e provocativa, Pedro acredita que Rogéria continuaria dando seu recado e não se amedrontaria diante das várias ameaças aos LGBTs atualmente.
"Como o personagem Rogéria nasce em uma ditadura militar, acho que ela já estava muito acostumada com a opressão. Ela é uma pessoa que teve a intolerância do lado dela o tempo inteiro. Acho que ela olharia pra esse momento atual do Brasil com estratégias de como ia continuar dando o recado dela. Estaria triste, como todos nós, mas na luta como sempre esteve".
Acidente e lição de Fernanda Montenegro
Entre as diversas histórias relatadas no longa, vemos uma Rogéria, ainda Astolfo, que se recusou a maquiar Jô Soares em começo de carreira e que deu aulas de classe para Rita Cadillac. O diretor elege, entre os diversos relatos que ouviu, o que mais traduziu Rogéria: o acidente de carro que a artista sofreu em 1981 e desfigurou seu rosto.
"Me emocionou muito porque ela achava que a carreira dela tinha acabado, ligava muito a carreira à beleza. Ai a Fernanda Montenegro e a Bibi Ferreira falaram com ela: 'Rogéria, você não perdeu sua perna. Você continua artista e vai voltar para os palcos'. Pra mim foi muito forte ela se entendendo".
Quando a pessoa é verdadeira, íntegra com si mesmo, ela consegue ir muito longe. Acho que a Rogéria ensinou isso para mim. Ela se aceitou e foi muito íntegra a quem era ela, tanto do Astolfo quanto da Rogéria. Os dois se aceitaram. Acho que pra mim esse foi maior ensinamento"
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