"A dona do merchan": Como a Globo abriu as novelas para propaganda
Resumo da notícia
- Intervalo comercial da novela das nove custa mais de R$ 800 mil
- Merchan dentro de A Dona do Pedaço demorou até 60 dias para ficar pronto
- Globo já repudiou comercial com Tufão, de Avenida Brasil, gravado sem autorização
A Dona do Pedaço ficará marcada não apenas pela audiência —uma das maiores da década, com média parcial de 36 pontos. A nove dias do fim, a trama de Walcyr Carrasco fez a Globo usar seu produto mais valioso para faturar com propagandas. A novela foi a "dona do merchan" do horário nobre.
Anunciar no intervalo de A Dona do Pedaço, horário mais caro da TV, custa nada menos do que R$ 847,2 mil (por 30 segundos), mas boa parte do público se dispersa durante os comerciais. A solução? Vender produtos dentro da novela, o que não é novidade mas ganhou novo patamar na atual trama das nove.
Pela primeira vez, a emissora usou seus estúdios para a Fiat gravar dentro da novela um comercial com a influenciadora digital Vivi Guedes, papel de Paolla Oliveira. Já Maria da Paz virou garota-propaganda do iFood e entregou bolos para sua intérprete, Juliana Paes (em tempo: nem todo merchan deu certo, como no caso do próprio aplicativo de entrega de refeições).
A Casas Bahia, que já anunciou em Segundo Sol (2018), retomou a campanha Casa de Novela em A Dona do Pedaço com mais destaque. Maria da Paz comprou uma geladeira e Rock (Caio Castro) gravou um comercial de celular com o garoto-propaganda Fabiano Augusto.
A participação de personagens na divulgação das marcas fideliza ainda mais o telespectador e futuro consumidor, segundo Marcos Quintela, CEO do VMLY&R, grupo que controla a principal agência de publicidade do país e responsável pela ação de merchandising da Casas Bahia em A Dona do Pedaço.
"Foi muito positivo, e o resultado é muito, muito, muito acima do esperado. A identificação do consumidor com o produto na novela que ele vê e é cativo é de uma eficiência realmente muito grande", afirma o executivo ao UOL.
"Tiro o meu chapéu para a Globo por essa iniciativa, que não começou hoje mas se massificou de um tempo para cá, não só com os produtos da agência onde trabalho, mas outras agências obtiveram bastante êxito com marcas envolvendo a dramaturgia na publicidade, sem ser agressivo nem mudar o rumo da história ou desconstruir o personagem."
A Globo fala em "flexibilização" das regras internas de publicidade para se adequar a mudanças "pelas quais passam não apenas a empresa, mas o mercado como um todo", em parceria com agências, anunciantes e empresas de mídia.
"As ações de A Dona do Pedaço são resultado dessa nova forma de criar e produzir conteúdo publicitário, e do olhar, cada vez mais cuidadoso, para todos os ativos da Globo e a forma como podem ser usados também a favor de marcas e anunciantes".
Passo a passo do merchan
A ação de merchandising da Casas Bahia com Maria da Paz e Rock demorou entre 45 e 60 dias para ficar pronta, da concepção à exibição. A agência de publicidade propõe a ideia do comercial na novela para o setor responsável da emissora, que consulta a direção artística e, só depois dessa costura, apresenta o projeto ao anunciante.
"Há uma série de consultas em relação à pertinência do personagem, à escolha da melhor cena, porque não é só uma e podem nos oferecer em várias, e pegam as mais oportunas para esse tipo de ação. Não é uma coisa aleatória ou largada. O trabalho muito complexo, segue o padrão Globo de qualidade. É bom deixar claro que existe um filtro muito grande da Globo em que muita coisa não passa. Deve haver uma congruência de motivos para entregar uma propaganda dentro da novela de forma muito positiva", explica Quintela.
Com recorde de propagandas dentro de A Dona do Pedaço, a Globo avalia como bem-sucedida a primeira investida da emissora na fusão da novela com a publicidade: "Chegando ao fim da trama, o balanço é o mais positivo possível, tanto no retorno para os anunciantes quanto no relacionamento com os consumidores, que embarcaram nas experimentações e novidades junto com a empresa".
Em 2012, propaganda com Tufão deu errado
Antes de A Dona do Pedaço, há poucos registros de comerciais com personagens de novelas da Globo. Em 1988, Gloria Pires interpretou Maria de Fátima, garota mau-caráter de Vale Tudo, para vender extrações da Loteria Federal. Outro protagonista estrelou uma campanha que deu errado: Tufão, papel de Murilo Benício em Avenida Brasil (2012).
Na reta final da novela, reprisada atualmente em Vale a Pena Ver de Novo, Benício interpretou Tufão para uma campanha da Vivo, sem citar o personagem. A Globo, que não foi consultada, repudiou o comercial chamando de "uma das formas mais baixas de publicidade". Coincidentemente, Marcos Quintela também estava à frente da ação publicitária.
"Eu estava no olho desse furacão", relembra. "O vídeo saiu do ar imediatamente. Fiz uma carta de retratação para a própria Globo, que obviamente entendeu, porque somos parceiros há 50 anos e nunca havia acontecido isso. Houve uma falha de comunicação violenta entre a produtora, o empresário do ator, a agência de propaganda e o veículo. Também pecamos, assumimos o nosso erro."
"Foi uma experiência que serviu para entendermos que o contato com a emissora tem que ser diretamente da agência, sem intermediário, como foi na época", recorda o publicitário, que contratou um robô para eliminar qualquer cópia do comercial na internet.
Para Quintela, as ações de merchandising dentro das novelas só tendem a crescer a partir da experiência com A Dona do Pedaço e da reestruturação do Grupo Globo.
"A partir de janeiro, a Globo vai ser uma só com digital, streaming e TV a cabo. Acho que há muito a evoluir, é uma coisa que já está indo ao ar com bons efeitos, mas é um diamante bruto que vai ser lapidado com o passar do tempo, com toda certeza, dentro dessas duas premissas, a relevância e a pertinência da colocação da ação", analisa.
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