Topo

Maria da Paz retrata esperança de brasileiro por trabalho, diz especialista

A saga da boleira que vence pelo trabalho: Maria da Paz inspirou brasileiros, diz pesquisadora - Globo/Raquel Cunha
A saga da boleira que vence pelo trabalho: Maria da Paz inspirou brasileiros, diz pesquisadora Imagem: Globo/Raquel Cunha

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

21/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • A Dona do Pedaço bate recordes de audiência e chega ao fim na sexta
  • Especialista diz que Maria da Paz representa uma esperança no cenário com milhões de desempregados no Brasil
  • A fórmula de Walcyr Carrasco, que une melodrama com situações leves, ajudam a entender o sucesso da trama
  • Apesar do sucesso, professora aponta falhas e situações absurdas mesmo para uma novela

A Dona do Pedaço recuperou a audiência perdida pela Globo no horário das 21h e chega ao fim como mais um trabalho bem-sucedido de Walcyr Carrasco. Ainda que o sucesso da saga da boleira Maria da Paz seja inquestionável, inclusive comercialmente, a história não escapou de críticas e memes por reviravoltas um tanto questionáveis até mesmo para uma novela. Mais um caso de trama que amamos odiar? O UOL conversou com a professora Maria Cristina Mungioli, especialista em ficção televisiva da USP, para tentar entender o fenômeno.

Entre os elementos da receita de Carrasco em A Dona do Pedaço, a professora cita uma protagonista extremamente popular, que ascendeu socialmente após levar alguns golpes da vida. A personagem de Juliana Paes, afirma, sintetiza a esperança de milhões de brasileiros, numa época de desemprego recorde.

Maria da Paz se desenha sobre a questão do trabalho. Ela vence pelo trabalho. Mesmo quando está morando na mansão, ela diz que é uma mulher que trabalha o dia inteiro, que quer comida boa e não uma comida que não alimenta. A chave de interpretação dessa personagem é o trabalho e vivemos uma situação no país de grande número de desempregados. Mesmo quando leva uma rasteira, ela supera as dificuldades pelo trabalho. Ela tem uma trajetória bonita em cima de valores bem vistos dentro da sociedade

Para além do bom "timing" da história, a professora destaca o talento e a produtividade do autor, que praticamente emendou um título no outro desde 2007 —a despeito das críticas.

"O Walcyr tem esse mérito de captar a audiência e todas as novelas dele têm uma boa aceitação, mas nenhuma obra é perfeita, principalmente uma novela que fica no ar por meses. Ele dosa o melodrama com coisas engraçadas e uma pitada de leveza e consegue um equilíbrio", afirma ela ao falar sobre a fórmula de sucesso do autor.

Some-se a isso, durante seis meses de exibição, personagens com histórias de superação, romances impossíveis e até uma possível troca de bebês, que acabou não se confirmando na reta final da novela.

"Tenho uma leitura de que essa novela cativou a audiência mostrando disputas, crimes, mortes e trajetórias que chamamos de reconhecimento. Um reconhecimento social, de busca de paternidade, como é o caso da Vivi Guedes. Esses elementos fazem parte do melodrama. É uma novela calcada nos elementos comuns desse gênero, o que cativa muito as pessoas. Às vezes, séries bastante cultuadas também seguem essa linha. Essa novela tem um acento no melodrama acima das mais tradicionais", observa a professora.

Quanto mais inverossímel melhor?

Os números elevados de audiência não livraram A Dona do Pedaço das críticas e piadas. Num dos casos mais controversos, o fotógrafo Téo (Rainer Cadete) foi furado com um picador de gelo após ir para um motel com a vilã Josiane (Agatha Moreira) mesmo depois de descobrir que ela era uma assassina em série. A "burrice" do personagem virou chacota até mesmo pelo elenco.

Maria da Paz e Josiane em uma cena de conflito na novela A Dona do Pedaço -  Globo/Raquel Cunha -  Globo/Raquel Cunha
Maria da Paz e Josiane: faltou construção de personagens, sobraram memes
Imagem: Globo/Raquel Cunha
Maria Cristina Mungioli reconhece que a novela apresentou, em várias ocasiões, problemas de construção de personagens e em situações narrativas inverossímeis.

"A personagem da Josiane poderia ter sido melhor trabalhada para a gente entender o porquê de ela ter tanta rejeição pela mãe. Ela é uma personagem solitária, que não tem amiga. Só dizer que é 'filha da boleira' não é motivo suficiente. O ódio da Josiane pela mãe é uma coisa extremada. E se ela não fosse filha da Maria da Paz também não justificaria."

Outra situação difícil de engolir apontada pela professora é quando o mordomo Jardel é empurrado por Josiane na frente de um caminhão e a única testemunha do homicídio é Fabiana (Nathalia Dill), que mais tarde usaria a foto do crime para chantagear a rival.

"Tem algumas coisas que ferem o princípio da verossimilhança, que é aquilo que poderia acontecer na vida real. Josiane mata o cara num lugar público, cheio de câmeras, e não tem nenhuma prova ou uma testemunha contra ela. Nem mesmo o motorista do caminhão apareceu nessa história", relembra.

Mas esses não são os únicos "furos" na saga da boleira. "O Régis fica preso tanto tempo sem que tenha nada contra ele, a maldade do Camilo com a Vivi me parece descabida. Poderia ter sido trabalhado melhor para explicar o porquê dele ser assim", enumera a professora.

Ela explica que coincidências são aceitáveis e um desses momentos da novela, ela cita, é o encontro de Maria da Paz com aquela que poderia ter sido a sua verdadeira filha biológica. "No melodrama o autor pode se calcar nas coincidências. E isso acontece com a Maria da Paz em relação a Joana, com quem ela esbarra na rua".

A dona do merchan

A novela das 21h também deve ser lembrada como um "case" bem-sucedido para a publicidade, com diversas ações que extrapolaram a trama. Na opinião da pesquisadora da USP, embora não seja novidade no gênero, o caso de A Dona do Pedaço "por vezes ultrapassou alguns limites".

"Achei que foi muito tempo dedicado a merchandising. Tem horas em que eu me perguntava: 'onde está novela?' A personagem da Vivi foi um estouro, mas dentro desse horário foram muitas ações de publicidade. Achei uma coisa excessiva, mas é uma decisão comercial da empresa".