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Desafios e preconceito: cinegrafistas mulheres da Globo relatam trajetória

O diretor artístico de Salve-se Quem Puder, Fred Mayrink, com as cinegrafistas: Isa Bezerra , Cris Leccioli, Thalissa Oz. e Fernanda Lins - João Miguel Junior/Globo
O diretor artístico de Salve-se Quem Puder, Fred Mayrink, com as cinegrafistas: Isa Bezerra , Cris Leccioli, Thalissa Oz. e Fernanda Lins Imagem: João Miguel Junior/Globo

Marcela Ribeiro

Do UOL, no Rio

30/12/2019 04h00

Salve-se Quem Puder, próxima novela das sete da Globo, que estreia dia 27 de janeiro, terá, pela primeira vez na emissora, quatro mulheres cinegrafistas nas cenas de gravação no estúdio: Cris Leccioli, Thalissa Oz, Isa Bezerra e Fernanda Lins. A ideia de montar uma equipe feminina partiu do diretor artístico, Fred Mayrink.

"Esse é um desejo antigo. Eu já trabalhei com todas essas profissionais em outras novelas separadamente e, então, era um sonho meu reunir e ter quatro câmeras mulheres trabalhando no estúdio. E quando eu comecei a pré-produção da novela eu imediatamente conversei com a área responsável e fiz esse pedido. Fiquei muito feliz de ter reunido um grupo tão bacana", contou ele ao UOL.

A equipe da novela é formada boa parte por mulheres envolvidas em diversas áreas: cenógrafa, produtora de arte, gerente de produção, diretora, câmeras, operadora de VT, assistente de direção, produção, continuísta, figurinista e assistente de câmera estão entre elas.

"Na nossa equipe não há espaço para qualquer tipo de preconceito. Fico muito feliz de ter reunido esse grupo feminino. O resultado final é sempre impecável", diz Fred.

O diretor acredita que a mulher se consolida cada vez mais em todos os espaços. "Merecidamente por puro talento, competência e capacidade. Temos grandes diretoras na empresa, na novela temos a Bia Coelho no time de diretores, e a minha equipe é predominantemente feminina em todas as áreas. E com um resultado fabuloso. São todas grandes profissionais".

As profissionais relataram ao UOL que enfrentaram preconceito, machismo e olhares desconfiados em suas funções, mesmo assim, seguem em frente, cheias de disposição e vontade de crescer profissionalmente.

Durante 15 anos, Cris Leccioli foi a única mulher cinegrafista na TV Globo. Aos poucos, os caminhos foram se abrindo para outras profissionais. "Hoje, a aceitação é bem maior, mas ainda somos a minoria. Espero que isso mude um dia", diz ela, que carrega uma rosa na câmera "para selar uma história de vitória de superação, uma história de vida".

"Acho que as mulheres têm um refinamento, concentração, um acabamento e fazem com excelência suas funções. São pessoas extremamente talentosas envolvidas nesse processo. Acredito que é um reconhecimento de talentos. Tudo isso resulta num produto final de qualidade. E que esses espaços sejam cada vez mais ocupados por mulheres competentes e talentosas companheiras de equipe", pontua Fred Mayrink.

Confira os relatos das quatro operadoras de câmera de Salve-se Quem Puder sobre suas trajetórias profissionais e os percalços enfrentados.

Cris Leccioli

 Cris Leccioli foi a primeira operadora de câmera dos Estúdios Globo. Durante anos ela foi a única mulher cinegrafista da emissora - João Miguel Junior/Globo - João Miguel Junior/Globo
Cris Leccioli foi a primeira operadora de câmera dos Estúdios Globo. Durante anos ela foi a única mulher cinegrafista da emissora
Imagem: João Miguel Junior/Globo

Ela foi a primeira e única cinegrafista mulher dos estúdios Globo durante 15 anos e precisou quebrar barreiras para enfrentar preconceitos. Traz em seu curriculo passagens pelo Planeta Xuxa, Domingão do Faustão, novelas Alma Gêmea e Estrela Guia. Mãe de Maria, que teve aos 44 anos, Cris diz que tudo o que faz é por ela "que veio dar mais sentido a minha vida! Agradeço a ela minha felicidade".

"Estar numa novela só com mulheres câmeras, para mim, é o resultado de uma trajetória que deu certo, é muito gratificante, é motivo de orgulho, é ter caído a ficha que deixo um legado. É passar um filme na cabeça desses anos todos que estive sozinha na lá dentro. A única mulher... e foram 15 anos, vista, algumas vezes, como olhares de dúvida sobre a minha capacidade. Mas aprendi muito, fiz muitos amigos que me ajudaram a crescer e aprender. Estou muito feliz com essa conquista! E estar com amigas lado a lado, não tem preço! Vi que valeu a pena toda a luta e persistência".

Preconceito
"Enfrentei muito preconceito, dificuldade de aceitação. Algumas pessoas não entendiam que eu podia estar ali também. Mas na verdade, eu sempre fui uma pessoa que corri atrás do meu sonho. Fazia faculdade, trabalhava à tarde na Globo, fazia estágio e ainda vendia sanduíches. Nós, mulheres, vamos sempre matar um leão por dia. Mas, mostrando um trabalho bem feito, conseguimos chegar aonde quiser. Meu lema é o céu é o limite com perseverança e força de vontade!"

Desafio
"O maior desafio é o desafio diário de matar um leão por dia. Sei que consegui o meu lugar ao sol, mostrando um trabalho bem feito e aprendendo todos os dias com humildade e força de vontade. Tive muitos amigos, colegas de trabalho que me ajudaram muito. Aprendi muito com eles. E graças a Deus foram em número maior do que os que tiveram preconceito e não aceitaram. Sou grata a essas pessoas que um dia acreditaram em mim".

Thalissa Oz

Thalissa Oz. é operadora de câmera há sete anos - João Miguel Junior/Globo - João Miguel Junior/Globo
Thalissa Oz. trabalha na Globo há nove anos
Imagem: João Miguel Junior/Globo

Tem 31 anos e nove anos de Globo. Trabalhou em A Dona do Pedaço, O Sétimo Guardião, Segundo Sol e Lado a Lado, sua primeira novela inteira, onde realizou o sonho de trabalhar com Walter Carvalho. Em Família foi uma novela que marcou sua carreira pois "foi a primeira vez que os números de homens e mulheres câmeras de estúdio foram iguais. Éramos eu e a Cris e mais dois colegas. Outra que me marcou muito também foi "Império" que eu fiz grávida do meu filhote e só saí na semana que ele nasceu".

"É um orgulho! Todos os dias vemos colegas de outros estúdios e colegas do elenco, vibrando com o 'set das minas'! Acho que além da sensibilidade apurada (pré requisito para qualquer câmera), pude notar nas minhas colegas algo muito valioso e difícil hoje em dia, a determinação. Sabe, quando a gente é bom em alguma coisa, mas queremos ser melhor? Por n motivos. Sem contar que é confortável também saber que tem outras pessoas do mesmo universo que o seu dividindo o ambiente de trabalho. Os papos tem mais intimidade e a troca também!"

Preconceito
"A gente vive um preconceito muito maquiado hoje em dia. Já me peguei questionando se alguém teria sido realmente machista comigo ou se eu estava dramatizando as coisas. Infelizmente ainda temos a cultura do machismo entranhada na gente. Verdade que já melhorou um bocado, a Cris (Leccioli) que o diga. Mesmo assim ainda é um processo. Uma luta diária".

Desafio
"Acho que o maior desafio, principalmente em se tratando de estúdio, é saber a hora de sair do óbvio, de inovar. Somos construtores de imagens. Se a gente não amar o que está acontecendo, ninguém mais vai".

Isa Bezerra

Isa Bezerra registra cena de Flávia Alessandra - João Miguel Junior/Globo - João Miguel Junior/Globo
Isa Bezerra registra cena de Flávia Alessandra
Imagem: João Miguel Junior/Globo

Trabalha como câmera há 12 anos.

"O fato de conseguirmos formar uma equipe só de mulheres é bem especial. Apoiamos umas a outra é existe sim muita parceria. Hoje em dia já existe mais espaço para as mulheres. Mas ainda há um caminho longo a ser percorrido".

Preconceito
"O preconceito existe. Não são todos que aceitam ter uma mulher na equipe. Eu já perdi trabalhos por ser mulher. Inclusive viagens a trabalho".

Desafio
"Esforço físico faz parte. Acredito que em todas as áreas existem os prós e contras. Mas ainda o maior desafio não é físico/operacional e sim é superar preconceitos e mostrar o nosso valor".

Fernanda Lins

Fernanda Lins é cinegrafista de Salve-se Quem Puder - João Miguel Junior/Globo - João Miguel Junior/Globo
Fernanda Lins é cinegrafista de Salve-se Quem Puder
Imagem: João Miguel Junior/Globo

É a "caçula" do grupo, está na Globo há 1 ano e 2 meses. Trabalhou na série As Five (para o Globoplay) .

"É uma honra [estar numa novela em que só mulheres cinegrafistas atuam em todas as cenas de estúdio]! Primeiro, por ser minha primeira novela e segundo, por dividir essa experiência ao lado de mulheres incríveis, profissionais de respeito, na primeira novela da Globo formada por câmeras e assistente de câmera mulheres no estúdio".

Preconceito
"Por sermos mulheres, lidamos com preconceito e dificuldades todos os dias. Foi difícil estar onde estou, com 27 anos, ter conquistado aos poucos esse espaço dentro de um mundo predominantemente masculino. Mas no dia a dia, mostramos nosso profissionalismo e união nas gravações".

Desafio
"Maior desafio ainda é ser mulher em um meio analisado e baseado no masculino. Nunca tive nenhum problema em relação ao tamanho ou peso da câmera".