Pessoas com nanismo conquistam fama e se tornam influenciadoras na web
Se no passado as pessoas com nanismo eram acostumadas a ser vistas como motivo de chacota e sarro em programas humorísticos na televisão, atualmente, elas conquistaram fama e espaço na mídia mostrando seus talentos de formas diferentes. A internet ajudou muito os portadores da condição genética a terem o seu lugar de fala por meio das redes sociais. Juliana Caldas foi além e viveu Estela em "O Outro Lado do Paraíso" (2017), na Globo.
O UOL entrevistou a atriz e outras personalidades públicas de baixa estatura para mostrar de que forma elas se tornaram famosas e como querem ser enxergadas pela sociedade. Apesar das diferenças nos perfis e nas histórias de vida, todas carregam uma bandeira em comum: a representatividade para pessoas com nanismo.
Juliana entrou na carreira artística por acaso. A paulistana de 32 anos sonhava abrir um pet shop com a mãe veterinária, até ela falecer quando a jovem tinha 16 anos. Desde então, ela precisou trabalhar para ajudar em casa e passou pelas áreas administrativa em banco, de telemarketing, e atuou como animadora no antigo Parque da Xuxa, em São Paulo (SP).
"O trabalho no Parque da Xuxa me ajudou muito na questão psicológica. Conheci muita gente de teatro e passei a me interessar por este mundo. Aprendi muitas coisas. A arte foi uma terapia para eu conseguir resolver minhas questões e aos 20 anos pedi demissão do banco para seguir na carreira artística", relata Juliana.
Mas foi só aos 30 que ela ganhou o reconhecimento que tanto buscava, ao fazer o teste e passar para dar vida à personagem da novela de Walcyr Carrasco no horário nobre.
"Foi um divisor de águas na minha carreira. A forma com que o tema foi tratado, com tanto respeito, tanta empatia, sem nenhum tipo de zoação. Para abordar o assunto, tive de conhecer histórias muito parecidas com a da Estela na vida real. Recebia muitas mensagens de pessoas que não saíam de casa por vergonha", lamenta.
Ao contrário do papel na trama global, Juliana afirma nunca ter sofrido nenhum tipo de rejeição. "Sempre fui aceita na família, na escola e no grupo de amigos. Saber o que acontece na vida de outras pessoas mexeu muito comigo. Foi uma responsabilidade muito grande ser a porta-voz. Mas foi muito necessário. Acho que, depois disso, abriram-se várias portas para se falar do nanismo com mais respeito", acredita.
Juliana lembra com revolta um episódio desagradável da adolescência por conta de uma "brincadeira" iniciada no extinto "Pânico", na Rede TV. Quando ela tinha 17 anos e estava trabalhando em um evento, um rapaz deu "Pedala, Robinho" nela e ela se revoltou e revidou, perdendo o trabalho e sendo humilhada.
"Óbvio, que hoje em dia, não agiria desta forma. Abandonei o evento e fui embora. Depois disso, nunca mais fiz evento. O nível de absurdo de programas que fazem esse tipo de 'humor' pode ter diminuído, mas ainda existe. Pode não estar na TV, mas na internet. A diferença é que as pessoas estão mais conscientes dos seus direitos e podem processar os responsáveis", explica a atriz, que se prepara para retornar aos palcos com a peça "VIK - O Micro Espetáculo".
Look do dia
Rebeca Costa, de 26 anos, é advogada e influenciadora digital de moda. A niteroiense criou o perfil @looklittle, no qual fala sobre moda adaptada para mulheres com nanismo para mais de 61 mil seguidores no Instagram. Seu desempenho a levou a desfilar na São Paulo Fashion Week, no Projeto FreeFree, da Yasmine Esteres, em 2019.
"Esse convite foi a chave-mestra para eu correr atrás e continuar com o trabalho positivo do nanismo. Sou um exemplo de que tudo está mudando. Criei o Look Little justamente para desmitificar. Não sou contra a pessoa não se sentir bem com algo nela, mas não acho que nossa autoestima tenha que ser construída em cima de um olhar padronizado da sociedade", critica.
Assim como Juliana, Rebeca diz nunca ter sido rejeitada pelas pessoas do seu convívio e passado por um processo de baixa autoestima. "Cresci no meio dos meus amigos, que não têm nanismo, em escola e faculdade padronizadas. Sou de uma geração que não teve tanta acessibilidade, como a de agora tem. Meus pais me criaram para um mundo não adaptado para mim. Luto para deixar um legado para as próximas gerações", deseja.
Salto alto e meio milhão de seguidores
Tokinho, de 26 anos, se autodefine como ator, DJ, bailarino e humorista. O artista é gay assumido, costuma fazer performances com salto alto para seus mais de meio milhão de seguidores no Instagram —entre eles, diversas celebridades nacionais e internacionais. Tokinho já chamou atenção do rapper americano Snoop Dogg e da cantora Katy Perry.
Vindo de uma realidade bem difícil, na cidade de Ibititá (BA), o jovem fez de tudo um pouco quando chegou a São Paulo, em busca de melhores oportunidades. "Um dia minha mãe ouviu dizer que haveria alguns anõezinhos da Record na porta de uma loja e eu fui até lá para conhecê-los, porque de onde vim, uma cidade com 14 mil habitantes, não conhecia outros anões. Conheci o Pirulito, o Simpatia e o Pintoco e eles gostaram de mim e pegaram meu contato", relembra.
Desde então, Tokinho, que acabou de lançar o videoclipe de "Nunca Mais Na Sua", com Open Farra feat. Laizza, começou a fazer participações especiais em diferentes quadros no SBT, Rede TV!, Band, até ganhar o reality show "Dança dos Anões", na Record. Em seguida, ele virou dançarino da cantora Tati Zaqui, a quem ele tem muita gratidão por tê-lo ajudado a aceitar a sua sexualidade.
"Nesse meio tempo, conheci um rapaz, que deixou vazar um sextape nosso. Não era assumido ainda. Imagina a cabeça da minha família no interior? Todos são evangélicos lá. Pensei até em me matar. A Tati é bissexual e começou a me ajudar. Só assim me aceitei e acabei com o meu preconceito."
Por conta da sua fama, Tokinho recebeu uma proposta para ser contratado pelo "Pânico" na Band, mas foi na web que ele encontrou seu público. "Não estava feliz em ser conhecido como o anão do 'Pânico'. Queria ser conhecido pelo meu nome. Queria ser o Tokinho. Passei, então, a investir nos meus vídeos e hoje vivo disso", comemora.
Economia e memes
Mateus Baptistella, de 29 anos, soma mais de um milhão de seguidores no @vireiadulto no Instagram. Além de atuar em uma empresa privada como economista, ele cria memes, paródias, dá dicas de receitas culinárias e moda masculina em seu perfil oficial na rede social. Mateus atribui à representatividade sua receita de sucesso.
"Sou muito procurado por mães que descobrem que vão ter um filho com nanismo e não sabem como agir. Teve uma grávida que veio me perguntar como foi minha infância, como minha mãe me tratava e, quando o filho dela nasceu, ela o batizou de Mateus em minha homenagem. Minha intenção é mostrar que podemos ter uma vida normal. Não podemos deixar nossa altura nos definir", aconselha.
Mateus já teve seus momentos de insegurança também. "Pensava 'por que uma pessoa iria querer namorar um anão?' Mas já namorei três vezes. Do mesmo jeito que tem pessoas que se atraem por pessoas altas, também têm as que preferem os baixinhos e tudo bem. Quanto mais pessoas com nanismo estiverem em evidência mais esses tabus serão quebrados. Por isso decidi me expor", justifica.
Mas o influenciador digital compartilha da opinião de que nem toda exposição é sadia. "Toda vez que tinha alguém assistindo o 'Pânico' perto de mim, me sentia muito mal ao ver anões sendo humilhados, maltratados daquela maneira. Quando comecei a fazer humor na internet, queria fazer piada igual a uma pessoa com 1,80 m de altura. Queria que as pessoas rissem da minha graça e não do meu tamanho", conta.
Samba no pé e jogo de cintura
Passista da escola de samba Unidos do Viradouro, Viviane de Assis, 40 anos, já foi bancária e abriu mão do emprego formal para ser dona do seu próprio negócio, trabalhando na carreira artística com eventos e shows. Da mesma forma que Mateus é procurado, muitas mulheres com nanismo procuram Vivi para saber como ela enfrenta o preconceito.
"Gosto de passar autoestima para as pessoas. Não preciso tornar a minha altura uma prisão para mim. A mulher com nanismo pode levar uma vida normal dentro de suas limitações. Ela pode trabalhar, sambar, namorar, fazer o que ela quiser. Fico muito feliz em ver todas essas pessoas nos representando na mídia. Já participei de filmes, programas de televisão, peça de teatro e sou muito feliz assim", assume.
Vivi é casada com o segurança Jhones Wallace, de 1,93 m de altura, e mãe de Paulo Rodrigo de Assis, de 18 anos, mestre-sala dos aprendizes do Salgueiro.
"Sou mulher, negra, mãe, cuido da minha casa, sustentei meu filho e cuido da minha família, como qualquer outra pessoa. Tenho muito orgulho de ser quem eu sou e de tudo o que conquistei. Gosto de passar um exemplo positivo do nanismo. Não podemos definir o ser humano pela sua altura ou qualquer outra característica física", conclui.
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