Alexandre Machado fala sobre vida e carreira após a morte de Fernanda Young

Alexandre Machado, roteirista e marido de Fernanda Young, deu sua primeira entrevista desde a morte da esposa, em agosto do ano passado. Ele conversou durante duas horas com o também roteirista Gustavo Contijo para seu canal no YouTube, o Gabinete Digital de Leitura, e falou sobre sua profissão e também sobre a parceria profissional e pessoal com Young.

No começo do bate-papo, ele disse estar passando o período de quarentena ao lado das filhas maiores Cecília e Estela em seu apartamento em São Paulo. Os caçulas do casal, Catarina e John, estão com Renata Young, irmã de Fernanda, no sul de Minas Gerais.

"A gente que tem filho pequeno, eu tenho um de 10 e um de 11, não pode se dispersar. Tem que acreditar em alguma coisa, que não sei exatamente o que é... Aliás eu sei exatamente o que é: é o amor, sendo mais cafona possível. Na minha vida ultimamente fatos aconteceram que me tiraram coisas nas quais eu acreditava fortemente. Uma coisa que ficou e que me salvou, continua me salvando, continua nos salvando como família, é o amor", disse Alexandre — que é conhecido por evitar aparecer publicamente ou dar entrevistas.

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Após alguns meses sem escrever por conta do luto pela morte de Fernanda, Alexandre disse ter voltado a escrever: ele terminou a segunda temporada de "Shippados": metade foi escrita em parceria com a esposa, enquanto a outra metade foi escrita apenas por ele. Além disso, desenvolveu o piloto de uma série.

"São tempos difíceis. Não dá para ficar rindo à toa, mas ter senso de humor é fundamental. A pandemia fará com que os roteiristas tenham que reavaliar as histórias e a forma de contá-las. Eu estou tentando me antecipar a isso", ponderou.

Relembrando a trajetória

Durante a entrevista, Alexandre relembrou sua trajetória profissional desde o início, quando aos 17 anos começou a trabalhar no jornal "O Pasquim". Em seguida, desenvolveu carreira como publicitário na famosa W/Brasil, de Washington Olivetto, até começar a entrar no mundo dos roteiros com sua participação na escrita da série "TV Pirata", já no fim dos anos 80.

De acordo com Alexandre, sua decisão por ser roteirista se deu quando escreveu, ao lado de Fernanda Young, o roteiro do filme "Bossa Nova", dirigido por Bruno Barreto e lançado em 2000. Pouco tempo depois, o casal criou a série "Os Normais", que já faz parte da história da televisão brasileira. Ele contou como eles desenvolveram a ideia da produção estrelada por Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres.

"(O diretor) Guel Arraes me chamou e queria encomendar um seriado em torno do Luiz Fernando Guimarães. Aí pensei: 'se rolar, vou largar a propaganda e me dedicar'", revelou. "Tinha muita coisa minha e da Fernanda naquele casal, a loucura toda das coisas. Basicamente a energia feminina do caos e a masculina, querendo resolver os problemas. É da mulher aquela energia maravilhosa, que faz o mundo girar, que é a do tumulto. E Fernanda era aquele tumulto constante; e eu o cara que não quer problemas", explicou.

Em vários momentos da conversa, Alexandre cita a parceria com Fernanda. "Ela deve estar me odiando lá no céu", brincou, ao citar seu pouco gosto pela leitura. Ele também comentou sobre como era a rotina do casal. "Ela se irritava comigo porque gosto de ouvir música alta", relembrou.

Processo de criação

Alexandre também contou que eles nunca criavam roteiros juntos: era sempre um em um canto, e outro do outro lado. "A gente se mataria se fosse assim. Cada um tem seu método e eu organizava tudo depois. Para Fernanda, escrever não era um ofício, era uma necessidade. Ela era uma escritora, não tinha muito saco para as técnicas", frisou.

O roteirista falou com carinho das homenagens recebidas por Fernanda após sua morte, como a que foi feita pela equipe de "Os Normais", que se reuniu em um restaurante em sua memória. "Não tive condições obviamente de ir, mas foi genial ver aquela gente reunida 20 anos depois. Chorei meia hora só vendo a foto do encontro", confessou.

Por fim, Alexandre falou sobre a força que o fez voltar a escrever depois da tragédia da perda de sua esposa e companheira de trabalho, ainda mais no mundo que virá após a pandemia do novo coronavírus passar. "Um pensamento que tive e falei com minha filha outro dia é que não importa pelo que você passa, importa no que você se transforma. A gente vai passar por coisas horríveis, todos passamos. A gente não tem o menor controle pelo que vai passar. Nossa família é um exemplo, passamos por coisas muito difíceis recentemente", relatou.

"Você pode se tornar isso ou aquilo. Quem passar pelo que a gente vive hoje deveria pensar no que vai se transformar depois. Vamos todos tentar nos transformar numa coisa melhor depois dessa merda toda", finalizou.