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Depois de expor Waack, Alexandra Loras diz: 'Ele errou e não se arrependeu'

Daniel Palomares

Do UOL, em São Paulo

04/06/2020 12h19

A jornalista e ex-consulesa da França no Brasil, Alexandra Baldeh Loras, virou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais depois de detonar William Waack durante uma participação ao vivo na CNN. O assunto em pauta era os protestos contra a violência policial nos EUA, após a morte de George Floyd, negro que foi assassinado por um policial branco nos EUA. Convidada a participar da discussão, Alexandra aproveitou o espaço para criticar a presença de Waack no quadro de jornalistas do canal.

Em entrevista ao UOL, a jornalista reforça seu posicionamento, lembrando que Waack foi demitido da Globo após um episódio de racismo, e critica a falta de diversidade no elenco da CNN e de outros canais de TV.

Ele é um jornalista extremamente racista. Uma pessoa que assediou mulheres. Tem uma voz importante na mídia e reforça sempre em seu trabalho o negro como bandido, ladrão ou alguém do mal. Uma pessoa que errou e que nunca se arrependeu. Quem diz que ele se arrependeu são os brancos. Uma piada racista continua sendo racismo, e racismo continua sendo crime. Ele não foi julgado e agora foi contratado como diretor da CNN, um dos canais mais importantes do Brasil.

A assessoria de imprensa da CNN —onde Waack trabalha como apresentador, não diretor— foi procurada para comentar as declarações da jornalista, mas até a publicação desta reportagem não se pronunciou. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 14 de janeiro de 2018, Waack escreveu: "Aquilo foi uma piada [...], sem a menor intenção racista, dita em tom de brincadeira, num momento particular. Desculpem-me pela ofensa; não era minha intenção ofender qualquer pessoa". O jornalista ainda afirmou: "Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer tipo —racial, inclusive—, e minha vida profissional e pessoal é prova eloquente disso".

Alexandra sugere que a CNN e outros canais pensem mais a respeito de seus funcionários e foquem na construção de uma equipe mais diversa. "A CNN deveria analisar quantos negros existem no quadro de jornalistas deles. Somos 114 milhões de negros no Brasil. Por que só temos uma jornalista negra lá? A CNN é racista, como as outras emissoras. Eles precisam parar de ter redações monocromáticas brancas e achar que está tudo bem", opina.

Alexandra se tornou uma das principais vozes no combate ao racismo no Brasil. Ela é autora de livros celebrando a causa racial e também dedica seu tempo a palestras e consultorias em empresas sobre diversidade racial e empoderamento feminino.

Com sua plataforma Protagonizo, Alexandra ajudou mais de 400 pessoas negras a serem contratadas por empresas multinacionais. Ela ainda é embaixadora de programas como o Plano de Menina, projeto social criado em 2017 que dá aulas gratuitas de autoestima, empreendedorismo, liderança, finanças e vida digital para adolescentes da periferia.

Luta contra o racismo

Quando se mudou para o Brasil, em 2012, Alexandra esperava encontrar um cenário muito diferente do que conheceu. O mito da democracia racial e da diversidade caiu por terra.

O racismo não é nada velado. Está em cada esquina do Brasil. Em cada camada da sociedade. Em cada coisa que você consome. Se você vai a uma loja de brinquedos e pede por super-heróis negros nacionais, eles não existem. No país que tem a segunda maior população negra do mundo. Se isso não é racismo para você, então você é parte do problema.

Tendo posição de destaque como consulesa, jornalista e empresária, Alexandra usou da importância de sua voz para tentar promover mudanças.

"Fiquei calada por 38 anos. Aqui no Brasil, por ter esse status, consegui ocupar certos espaços para verbalizar meu incômodo e minha vontade de mudar. E, de lá para cá, resultados foram aparecendo. Eu posso trazer comigo muita gente preta para ter esse espaço", sugere.

Em vez de bater na minha cabeça ou reclamar que eu estou tomando espaço de outras pessoas negras, poderiam perceber que estou abrindo portas. Não estou fazendo isso por protagonismo e, sim, porque temos que resolver esse vírus do racismo, muito mais podre do que o coronavírus.

Violência policial

Os protestos pela morte de George Floyd levantam no Brasil a questão: como a morte de tantos negros, em decorrência da violência policial, não gera o mesmo tipo de reação aqui? Alexandra revela que, de acordo com a Anistia Internacional, um jovem negro é morto no Brasil a cada 23 minutos. Ela lamenta que a mídia não dê a mesma importância para os problemas que acontecem aqui.

"Quando vejo a empolgação e o espaço que a mídia brasileira reserva para comentar os episódios de racismo nos EUA e na Europa, acho tão errado. É preciso dar muito espaço para isso, mas precisamos falar do que está acontecendo diariamente no Brasil", opina. "Na cultura escravocrata e racista brasileira, dizem que bandido bom é bandido morto. Até que ponto, então, um negro bom é um negro morto? As pessoas já pensam que é um bandido, um traficante. O negro nem tem a chance de ser inocente. Estamos muito longe de resolver essa questão."

A polícia militar, por ter existido uma ditadura por muitos anos, é muito mais violenta aqui do que nos EUA. A polícia brasileira não está sendo processada pelos crimes que ela comete. Ela faz parte do tráfico de drogas e da corrupção. Ela é um instrumento difícil de entender e desmantelar. A polícia foi criada no Brasil para ir atrás dos negros fugindo e nunca mudou.

Realidade brasileira

Alexandra acredita que a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 serviu para abrir os olhos de muitos brasileiros sobre a realidade do país.

Olhar para essas 50 milhões de pessoas que votaram [em Bolsonaro] nos permite ver que o Brasil não é esse lugar fofinho, do samba e do futebol. É um país patriarcal, racista e machista. Essa eleição serviu para verbalizar a verdadeira cara do Brasil.

Ela afirma que a escravidão não acabou. "Só é diferente. Imagina se os negros tivessem a oportunidade de colocar os talentos deles a serviço da economia. Onde vemos os negros? Lá no elevador do shopping apertando botões. Lá no posto de gasolina. Lá no supermercado colocando compras na sacola."

A jornalista defende, ainda, que o Brasil pode evoluir muito e vê na educação a melhor chance de mudança. "Temos que deixar essas pessoas estudarem e se formarem para terem outras oportunidades de trabalho. O Brasil pode se tornar um grande país. Mas continua vivendo numa escassez cultural, um imaginário de um país de terceiro mundo, com desigualdade imensa", lamenta.