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Xênia Bier deu aula de feminismo à médica antes de morrer e foi 'fortaleza'

Xênia Bier - reprodução/Instagram
Xênia Bier Imagem: reprodução/Instagram

Ana Carolina Silva

Do UOL, em São Paulo

25/08/2020 04h00

Xênia Bier morreu ontem aos 85 anos, mas poucos dias antes podia ser vista dando uma aula de feminismo à médica que a atendeu no Hospital São Paulo. A filha, Daniela Bier, falou ao UOL com exclusividade sobre a mulher que é vista como a primeira feminista da TV brasileira.

Quando eu fui fazer a alta médica, a médica falou que ela deu uma aula de feminismo quase três dias antes de falecer.

Daniela aprendeu sobre direitos das mulheres e diversidade desde as primeiras conversas com a mãe e viu Xênia como uma "fortaleza" até o fim, apesar de ter sofrido com o Alzheimer e as complicações da doença.

Ela era essa fortaleza o tempo inteiro. O carinho dela era muito verbal, ela tinha vergonha de cair em uma emoção e abraçar. Nos últimos anos, ela tinha muitos rompantes de lucidez com episódios bem frequentes de demência [termo usado no documento da alta dela] por conta do Alzheimer.

E os momentos de lucidez estavam quase sempre relacionados às lembranças da carreira.

Ela remetia para a carreira. Isso era bem incrível, parecia que ela se lembrava do passado ativamente e não se lembrava da família. Ela já não nos reconhecia. Ela até me reconhecia, mas trocava pelo nome da minha filha e pelo nome da irmã dela. Até os últimos instantes, ela assistia ao jornal, via o 'Faustão' e lia na medida do possível.

Daniela, filha adotiva de Xênia, é mãe de Marcela, de 18 anos.

Os ensinamentos da mulher que se foi continuam:

"Eu procuro a todos os momentos ser uma força com a Marcela".

A relação com Xênia tinha momentos de ausência.

Sempre priorizei esse elo que faltou um pouco para mim. Hoje eu sei que os pais e mães erram querendo acertar sempre.

Mesmo assim, Daniela se emocionou ao falar da mãe —e novamente quando percebeu que a repórter que a entrevistava é parte de uma geração de mulheres que viu pouco de Xênia na televisão, mas teve as portas abertas por aqueles primeiros passos.

A minha mãe se cobrava muito para a vida profissional; eu tinha um espelho e uma referência, mas tinha uma ausência. Isso doía às vezes, mas ela era um exemplo. Tudo que eu faço hoje e quero construir tem a ver com o legado que ela deixou para mim e essas mulheres. Eu nunca pensei que isso seria tão forte, mas quero lutar por esse legado. Que ela seja lembrada.

Xênia tinha opiniões fortes sobre o mundo e não hesitava ao defender o que acreditava ser certo. Valia até criticar a TV Globo quando achava pertinente.

Tudo isso ensinou muito à filha:

Eu não percebia que estava imersa no mundo dessas mulheres tão feministas e tão lutadoras. Para mim, como a minha mãe era rodeada por amigas que tinham a mesma intenção... Hebe, Lolita Rodrigues... Olhando para o lado, eu só via esse tipo de mulher. As coisas que ela dizia eram muito à frente de seu tempo. Foi uma escola para todos.

Veja um comentário de Xênia sobre a morte em 1988:

Os mortos habitam outra dimensão. Eu costumo dizer que a gente só sabe o que é vida quando a gente começa a ter os nossos mortos. Todas as vezes que eu passo pelo cemitério onde está minha irmã, onde está meu pai —ou o que sobrou deles, porque não estão mais lá, certamente—, eu sinto a vida muito forte. Eu sinto a vida pulsar muito.