'Agora tenho que ser 'pãe'', diz marido de modelo morta por covid-19 aos 29
"Hoje, quando a gente foi dizer para a minha filha que a mãe dela morreu de covid-19, contamos uma historinha para ela que a mamãe estava com Deus. E acho que o que mais cortou o meu coração foi quando ela perguntou para a tia: 'por que mamãe teve que ficar do lado do Papai do Céu tão cedo, se as outras mães e os outros pais de todo mundo ficam velhinhos e a minha não ficou?' Como eu vou explicar para essa criança uma situação dessas?", diz Fabiano de Moraes, marido de Thais Carine Oliveira, modelo plus size que morreu na noite de segunda-feira (15), aos 29 anos, após contrair covid-19.
Durante entrevista ao UOL, Fabiano explica que pediu para que a reportagem ligasse mais tarde para entrevistá-lo, pois utilizou o momento para dizer à pequena Valentina, de seis anos, que a mãe dela havia morrido. Além de Valentina, a modelo é mãe de Gabriel, de 12 anos, filho de um relacionamento anterior.
"Eu pedi a você [repórter] que me ligasse depois para dizer a minha filha a situação [da morte da mãe dela]. Ela ficou arrasada, agorinha veio aqui me dar um beijo e foi estudar com as amiguinhas. Mas aí eu fico em uma situação de pedir a Deus que me ajude sobre o que fazer porque a gente era um o apoio do outro", disse Fabiano que, menos de 24 horas antes, enterrava sua companheira de oito anos de relacionamento na Bahia.
O homem, de 41 anos, disse que ainda está desorientado com a perda da companheira, mas tem consciência que vai precisar de força e se agarrar à fé para virar "pãe".
"Quero que eles [os filhos] tenham a memória que a mãe era uma pessoa maravilhosa. Agora, eu estou na casa dos meus pais, e eu sei que eu vou ter que realmente assumir o papel de maternidade e paternidade. Vou virar 'pãe' — pai e mãe — e orientá-los o máximo possível, e é isso que eu vou ter que fazer", comenta o engenheiro de produção que deseja, com a família, manter a memória de Thais viva dentro dos filhos.
Thais era integrante do movimento 'Vai Ter Gorda' e começou a modelar depois que algumas pessoas viram as fotos dela e questionaram se ela gostaria de ser modelo plus size — algo que, até então, estava fora de seus planos. Como sempre fazia quando estava pensando em fazer algo, ela pediu a opinião do companheiro para se aventurar neste novo caminho e o homem nem sequer balbuciou ao apoiar a mulher na nova empreitada.
Torcedores apaixonados do Esporte Clube Bahia, o casal comemorou quando Thais ganhou o título de Miss Plus Size Bahia em 2018.
Sonhos não realizados
Fabiano compartilhou que a esposa conseguiu realizar muitos sonhos durante os 29 anos de vida dela. Os 30 anos não foram completados pela morte da jovem poucos dias antes da comemoração de um novo aniversário.
Quando o casal se conheceu em um treinamento de trabalho na cidade de Jequié, eles logo se identificaram e começaram um relacionamento. Thais engravidou de Valentina e já começou a morar com Fabiano para compartilhar a vida a dois. O sonho de construir uma família que se amava e era rodeada de amor, ela fez mais que do bem, conta o marido.
A jovem também não havia terminado o Ensino Médio quando o casal começou a namorar e, motivada pelo esposo, conseguiu fazer um supletivo e receber o diploma. Mais um sonho para a lista da modelo.
Evangélica, Thais sempre teve o desejo de se casar com o amor da vida dela. Afastada da religião durante um tempo, retornou aos cultos acompanhada do marido e, em 21 dezembro de 2019, realizou a cerimônia de casamento. Entrou na igreja de véu e grinalda para unir ainda mais o amor do casal. As fotos da data são tão especiais que Fabiano usa uma delas, de um beijo apaixonado, na foto dos perfis do WhatsApp e do Instagram dele.
"Ela dizia que o sonho da vida dela era se casar comigo, que era o homem que ela amava. A gente é casado na igreja há um ano e dois meses. Ia fazer um ano e três meses no dia 21 de março, mas aí no dia 15 de março ela, infelizmente, faleceu."
A toalha jogada sobre a cama nunca mais será vista da mesma forma por Fabiano, que perdeu a mulher que amava, e hoje não tem mais o abraço de Thais durante às noites. Em suas palavras, a jovem esposa amava a vida, a mãe, o padrasto, os irmãos e sobrinhos, os amigos e a família acima de tudo.
Com a voz embargada, Fabiano não pestanejou ao falar uma palavra para definir a mulher: amor. Era assim que ela levava a vida e esse é o mesmo modo que o viúvo quer usar para educar os filhos.
"Ontem mesmo eu passei por uma situação que eu tomei banho e aí deixei — como toda mulher não gosta — a toalha em cima da cama. Fui e voltei, fui e voltei e a toalha estava no mesmo lugar. Aí eu falei 'meu Deus' e comecei a chorar e pensar que se ela tivesse aqui, já tinha me xingado todo", recorda com carinho.
O sonho não realizado de Thais era fazer uma faculdade de enfermagem, para cuidar dos outros, assim como ela cuidava de quem amava. Fabiano diz que não deseja a dor da perda para ninguém e pede que as pessoas não brinquem com essa doença que deixou mais de 282.400 pessoas mortas e mais de milhares de famílias destruídas.
"As pessoas que ainda, infelizmente, participam de festas clandestinas, que não acreditam no que vai acontecer, eu peço muito para que elas se protejam. Esses jovens pensam que são imbatíveis, que essa doença não pega, que isso não acontece. Eu queria dizer que sim, acontece. Aconteceu com a minha família, e quero que eles não tenham os sonhos cortados como a minha esposa teve."
Agora, Fabiano não tem mais quem deite em seu peito, quem brigue com ele por causa de a toalha estar molhada em cima da cama, quem compartilhe a educação dos filhos, ou quem divida os próximos sonhos a serem realizados.
Apesar da dor, o marido agradece por ter tido a honra de dividir a vida com Thais e com os filhos por oito anos. "Me ajoelhei na frente de onde ela foi enterrada e só agradeci a ela por ter ficado comigo quase oito anos juntos."
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