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Quando o BBB se transforma em um episódio de "Black Mirror"

Nilson Xavier

10/04/2017 15h12

Foto: reprodução.

Ontem assisti a um dos momentos mais grotescos da televisão em minha longa carreira de telemaníaco (olha que eu vejo TV desde a extinta Tupi). Vi no BBB a candidata Emilly ser acuada, assediada e agredida moral e psicologicamente pelo namorado na casa, Marcos, também candidato (um relacionamento abusivo que vem acontecendo há tempo). Ele também já encurralou, assediou e agrediu psicologicamente outros candidatos, Ieda, Marinalva e Ilmar.

Depois de toda a violência verbal e psicológica das quais Emilly foi vítima, vi a produção do BBB, na voz do apresentador Tiago Leifert, lavar as mãos sobre o caso. Ou seja, a TV Globo passou para a garota a responsabilidade de se livrar de seu agressor ou não – se ela quisesse, poderia expulsá-lo.

A expulsão não só não aconteceu, como vi Marcos vencer o paredão de lavada. E por fim, a cereja do bolo do horror: vi Emilly comemorar alegremente a vitória do namorado. Fiquei me perguntando: isso é ficção? Ah, é um "show de realidade".

Há tempos não acompanhava o BBB. O último foi o que Marcelo Dourado saiu vencedor – uma temporada muito deprimente, diga-se de passagem. E agora, Emilly e Marcos caminham a passos largos para a vitória com a adesão de torcidas organizadas que fazem mutirões na internet para lhes darem votos. Outro BBB da depressão!

E não falo isso por despeito. Não torço pela Emilly (ela já demonstrou atitudes péssimas ao longo do programa). Mas também não movo um dedo para votar em quem quer que seja. Mas é aquela máxima: assiste quem quer, vota quem quer, ninguém é obrigado a nada, nem a dar audiência ao programa. Nem a sofrer com o programa.

No entanto, a edição 17 do BBB já descambou para o circo dos horrores. E com a conivência da Globo. A coisa tomou tal proporção que, após a edição desse domingo (09/04), fica impossível permanecer incólume.

Foto: reprodução.

Ontem à tarde, a mobilização na Internet contra as agressões de Marcos foram gigantescas, tendo chegado aos trending topics do Twitter. Minha amiga Dani Cascaes tuitou "Hoje eu me sinto dentro dum episódio de Black Mirror!" (a série inglesa da Netflix). E não é que o desfecho de ontem do BBB rende um excelente episódio de "Black Mirror"! Com o agravante de que não se trata de uma série de ficção, mas de um "show de realidade".

Um episódio dividido em três partes, com direito a dois plot twists:
1. a violência moral e psicológica de um participante contra outra, sua namorada no programa.
2. a não expulsão do agressor e transferência de responsabilidade da emissora para a agredida.
3. a vitória maciça do agressor pelo público, que comemora com a vítima.

Achei muito feia a posição da TV Globo, principalmente num momento em que a emissora divulgou fartamente denúncias de assédio. Como alguém tuitou ontem, "Por bem menos, um tapinha, a Ana Paula Renault foi expulsa no ano passado". Qual limite torna um tapa uma agressão mais grave que tudo o que essa menina passa com o namorado?

Fiquei realmente chocado. Com os comportamentos de Marcos, de Emilly (sim, sei que ela está cega por seu "amor" – ou pelo jogo), da emissora e do público que festeja a permanência de Marcos no programa. Aliás, um bom paradoxo: idolatram Emilly, querem ver o casal junto, mas não se importam com o sofrimento que ela passa na casa.

Isso é muito Black Mirror! Ou "American (Brazilian) Horror Story".

Leia também:
Maurício Stycer: Globo foi covarde ao deixar responsabilidade na mão de Emilly.
Chico Barney: Permanência de Marcos é erro imperdoável da Globo e do público.
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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