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"Representatividade não é só colocar a pretinha lá", diz Jéssica Ellen

A atriz Jéssica Ellen que vive Lucélia na série Filhos da Pátria - Reprodução/Instagram
A atriz Jéssica Ellen que vive Lucélia na série Filhos da Pátria Imagem: Reprodução/Instagram

Marcela Ribeiro

Do UOL, no Rio

13/08/2019 04h00

Aos 27 anos, Jéssica Ellen tem motivos de sobra para festejar sua fase profissional. Com sete anos de carreira na TV, ela volta ao ar na segunda temporada da série Filhos da Pátria, está no elenco da próxima novela das nove, Amor de Mãe, e foi elogiada por sua atuação em Meu Destino é Ser Star, musical com canções de Lulu Santos. Mais que isso: o sucesso na montagem resultou em um convite para cantar com Elza Soares no Rock in Rio.

Nada mal para quem, após fracassar em muitos testes para outros musicais, foi pega de surpresa pela aprovação e sentiu o peso de ser uma das protagonistas.

"Até estrear, eu falei: 'Fodeu! Minha carreira acaba agora. Não conseguia pegar as coreografias, não conseguia abrir as vozes. Para mim, foi uma grande puxada de tapete, mas também serviu para eu sair da minha zona de conforto e correr atrás. Desde muito nova, sempre tive vontade de fazer musical e nunca tinha passado. Chegou o momento que eu tinha falado: 'Acho que não é para mim'".

Uma vez dentro do espetáculo, cuja história é construída em cima de mais de 40 canções de Lulu, Jèssica perdeu a insegurança e até sentiu a liberdade de opinar sobre o roteiro.

"Foi muito difícil porque o diretor falou da representatividade, que é um assunto que agora está na moda, mas que infelizmente as pessoas ainda entendem pouco. Representatividade não é só colocar a pretinha lá, é muito mais do que a presença física. O que esse personagem preto fala? Quais são os dramas que ele vive?", questiona.

O foco do espetáculo, que estreou esse ano, são os bastidores do teatro musical e os sonhos de quem espera se tornar um ídolo. "Só que eu, como uma mulher preta, questionei um monte de coisas, o diretor, o roteirista. Falei: 'Gente, tem coisa, que se fosse uma atriz branca, nem atravessaria, então a gente tem que olhar para isso'."

Entre as cenas questionadas pela atriz, que acabaram sendo mudadas, estava uma em que sua personagem reencontrava com o ex-namorado, agora casado, e as duas passavam a disputá-lo.

"Eu falei: 'Minha personagem vai ser apontada como uma destruidora de lares. Que história a gente quer contar?' Brinco que nasci para questionar", conta ela.

Do diálogo, foram cortadas cenas e outras foram criadas. Entre elas, uma em que as duas mulheres se reconciliam, que não estava na história original, segundo Jéssica. "Essa coisa de uma mulher brigando por homem já passou, é muito cafona, não me identifico. Foi desafiador, mas o resultado muito positivo".

De escrava a empregada doméstica

Domingos (Serjão Loroza) e Lucélia (Jéssica Ellen) em Filhos da Pátria  - Paulo Belote/Globo - Paulo Belote/Globo
Domingos (Serjão Loroza) e Lucélia (Jéssica Ellen) em Filhos da Pátria
Imagem: Paulo Belote/Globo

Na primeira temporada de Filhos da Pátria, série de Bruno Mazzeo que retorno à Globo em outubro, Jéssica interpretou a escrava Lucélia. A nova fase se passa um seculo depois, em 1930, e mostra a personagem como empregada doméstica da família Bulhosa, composta por Maria Teresa (Fernanda Torres), o marido Geraldo (Alexandre Nero) e os filhos Geraldinho (Johnny Massaro) e Catarina (Lara Tremouroux).

Os novos episódios trazem Catarina trabalhando num jornal, questionando o espaço que ela convive com pensamentos feministas, enquanto Lucélia se desdobra em muitas funções: além de empregada doméstica, estuda à noite e faz bolos e quitutes para complementar a renda.

"Mostra como ainda tem resquícios até hoje da escravidão no nosso país. Isso fica evidente na série, ainda que a gente aborde de uma forma superficial", opina Jèssica.

Ainda que viva uma situação de opressão, os ventos da mudança começam a chegar para Lucélia que, segundo a atriz, vai impor os limites da relação profissional aos patrões. "Ela sabe que aquela família também depende dela para a funcionalidade da casa. É um momento bem legal de virada do personagem, ela quer carteira assinada, quer os direitos básicos".

A atriz celebra a oportunidade de a série abordar, muitas vezes com humor, temas muito sérios ainda presentes na sociedade. "Existem muitas Lucélias no país, que bom que a da ficção conseguiu colocar seus limites, muitas pessoas vão se identificar com ela".

Racismo

Mais adiante na trama, Lucélia passará em um concurso para ser professora, mas terá negada a possibilidade de lecionar na instituição em que foi aprovada, num episódio flagrante de racismo.

O episódio lembrou à atriz, que estreou em Malhação (2012) e brilhou em séries como Justiça (2016) e Assédio (2018), de um caso que viveu.

"Eu era bolsista na faculdade de teatro em Ipanema, aí teve uma mudança de reitoria e simplesmente perdi minha bolsa de 100% porque uma outra faculdade acolheu os alunos e só aceitou os que eram pagantes", conta.

"Não consegui me formar. Graças a Deus, comecei a trabalhar muito. Vivi em 2012 isso. E olha que eu morava na zona sul, tinha mais possibilidades. A Lucélia conta uma parte da história do Brasil que as pessoas negam".