Suely Franco faz 80 anos e diz querer "os papéis de velha que ninguém quer"
"Olha aquilo ali, que maravilha!", aponta Suely Franco para uma foto emoldurada e pendurada em uma das paredes da sala de sua casa. Na imagem, ela aparece voando de asa delta. Era sua comemoração de 70 anos, um presente que a atriz se deu. Agora, prestes a completar 80 anos, ela ainda não planejou nenhum programa exótico, mas está em plena fase de celebração da vida e da carreira.
"Minha fase mais marcante é agora. Nunca esperei que com 80 anos estivesse fazendo tanta coisa e tanta gente gostando do que estou fazendo", diz a ela em entrevista em sua casa, no Rio, onde recebeu a reportagem do UOL.
A Marlene em A Dona do Pedaço também está no ar como Dona Mimosa na terceira exibição de O Cravo e a Rosa, no canal Viva, um dos maiores sucessos de Walcyr Carrasco, também autor da atual trama das 21h. Na TV paga, está há cinco anos na série D.P.A - Os Detetives do Prédio Azul, no canal infantil Gloob.
"Muita gente vem falar comigo não só por causa da Marlene, mas também falam da Dona Mimosa. Parece que as pessoas estão assistindo [O Cravo e a Rosa] mais agora do que antes, tem repercussão como se fosse novela das nove. E as crianças vêm falar comigo pelo D.P.A. É uma coisa maravilhosa", orgulha-se Suely entre uma das risadas que pontuaram toda a conversa.
Dos 80 anos, que ela completa dia 16 de outubro, 61 foram dedicados ao trabalho no teatro e na televisão profissionalmente porque, como ela frisa, também trabalhou como atriz amadora desde os 7 anos nos teatros na escola e na igreja.
A passagem do tempo na frente do público, ela garante, não a assusta. "Nunca me vi velha. Olho no espelho e continuo a mesma coisa de quando tinha 16. Me reservo o direito de ficar velha para poder fazer papel de velha que ninguém quer fazer".
"As velhas estão todas assim:", diz, fazendo uma careta. "Não gostam de envelhecer. Não me incomodo com isso. Estou bem, trabalhando, vou pensar nisso?"
Fetiche na novela: "Estamos transando há muito tempo"
Na trama das 21h, Marlene tem um casinho com Antero (Ary Fontoura), um homem que tem tara por vestir roupas de mulher. Suely diz não ver problema, já que os dois têm intimidade.
"Tem muito homem que gosta de vestido, mas é homem. A gente já está transando há muito tempo", diz a atriz, que comemora que o casal de idosos da novela também pode ter uma vida sexual.
"Velhinhos dançam, namoram, desnamoram. Não tem diferença mais não. É a vida. Você vai fazer ginástica, os velhinhos estão lá também. Estou em uma novela que vai todo mundo trabalhar na maior alegria. É muito gostoso."
Beijo polêmico
Por toda a sala do apartamento onde vive com o filho Carlos, de 49 anos, a carreira de Suely pode ser revisitada em fotos, cartazes de peças e objetos que remetem ao seu ofício, como o próprio broche que ela usa com as máscaras da tragédia e comédia, símbolo do teatro.
Profissionalmente, a estreia no teatro foi em 1961 no Teatro dos Sete, companhia de Fernanda Montenegro e Fernando Torres com a polêmica O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues. Na peça, um homem beija outro que acaba de ser atropelado no centro do Rio e está à beira da morte. Apesar da época, Suely garante que seus pais não se incomodaram com a história.
"Minha mãe estudou em escola pública. Os professores dela eram Cecília Meireles e Heitor Villa-Lobos. Diferente de agora, né? Era família italiana, todo mundo cantava, me acompanhavam no teatro, para todo lugar. Minha família não tinha isso, mas a família afastada era que telefonava para dizer: 'Como vai deixar ela fazer?'"
Embora a família não tenha visto problema na peça, o público inicialmente não encarou muito bem. "Muitos se levantavam", conta a atriz, que lembra uma dificuldade na estreia.
"Teve um pedaço na estreia que para mim foi horrível. O Ítalo Rossi fazia o delegado que prendia Fernanda, mulher do homem que beijava o outro. 'Tira a roupa! Fica nua, filha da puta', ele gritava. Eu entrava depois. Aí tinha um povo gritando, uns contra, outros a favor. Fiquei uns três minutos, mas o Mário Lago me conduziu e me disse quando entrar."
Ditadura
Suely diz que a ditadura militar não era pauta de conversas entre seus familiares, mas que em algumas circunstâncias ela viu o impacto do regime na profissão.
"Não tinha a menor noção de política. Não tinha essa cultura dentro de casa. Meus pais não falavam disso. Falávamos sobre estar empregado ou não. Mas uma vez fui com minha mãe ao cinema na Cinelândia e vi o Oduvaldo Vianna Filho [diretor e dramaturgo] em cima de um carro fazendo discurso. Quando saímos, tinha tido polícia, gás lacrimogêneo e levaram o Vianinha. Anos mais tarde trabalhei com ele e falei: 'Não quero apanhar'", contou a atriz, que ainda lembrou de outro episódio envolvendo O Beijo no Asfalto.
"O Beijo no Asfalto estreou no Teatro Ginástico [centro do Rio], onde as confusões aconteciam, tanques e tal. Tivemos que parar a peça por um tempo porque o público não ia com medo de confusão."
Relacionamento abusivo
No início deste mês, Suely participou do Encontro com Fátima Bernardes e um dos assuntos debatidos era a Lei Maria da Penha. A atriz aproveitou para falar que também já teve um relacionamento abusivo. Suely se casou duas vezes. O primeiro casamento durou um ano e o segundo, com o ator Carlos Koppa, pai de seu filho, dez anos.
No programa, Suely disse que se deu conta de que seu segundo casamento era abusivo ao fazer a peça Amanhã Amélia de Amanhã, em 1973.
"No laboratório, quando foram falar da Amélia, eu falei: 'Meu Deus, eu sou isso que eles estão falando, eu sou essa porcaria, não posso ficar assim'. Tomei essa consciência e comecei a mudar. Aí acabou o casamento. Mas agora eu faço o que eu quero", disse a atriz no programa.
Suely contou ao UOL que o segundo marido era muito possessivo, mas que passou a entendê-lo ao saber que na infância ele foi vítima de violência por parte do pai.
"O pai dele era pastor e coronel. Um dia deu uma surra nele que até quebrou o braço. Ele fugiu de casa. Não foi mais para a casa até que o pai morreu. Comecei a entender as coisas que ele fazia, de loucura, era muito possessivo. Me botava para baixo de tudo o que era jeito."
Depois desse segundo marido, Suely não quis mais saber de casamento. "Agora mudou muito. Mas antes os homens não faziam nada. A gente chegava do trabalho e ainda tinha que fazer as coisas. Eu quero fazer as coisas para mim e os outros que se virem. Antigamente, o garoto não podia lavar um prato que era chamado de bicha."
A atriz não se considera uma feminista, mas pela experiência de vida, entende que as mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens.
"Não participo de grupo, mas a mulher tem que ganhar o mesmo que o homem. Esse negócio de ser considerada diferente no trabalho, vai para casa e trabalha o triplo e o homem não faz nada... E a gente ainda ganha menos!", diz, em um dos raros momentos que não sorri..
Beleza e assédio
Entre dezenas de prêmios na bagagem --venceu o Molière de melhor atriz de musical de comédia em 1972 por A Capital Federal e o Shell em 1998 com o dramas Somos Irmãs, sobre as divas do rádio Linda e Dircinha Batista -- Suely também conta que, na juventude, fez muito "papel de bonita". Mas, ao contrário de muitas colegas na época, afirma nunca ter enfrentado situações de assédio.
"Minha mãe estava sempre junto comigo e tudo ficava certo. Nunca tive nenhum problema, em minha vida inteira, de assédio. Era bonita, fazia papel de bonita, só isso", conta ela, que acredita que muitas pessoas a viam como "muito boba".
"Uma vez me convidaram para ir a uma festa e um câmera chegou e me disse: 'Não quero me meter na sua vida, mas acho que isso não é para você, não, viu?'. Era como eles me viam, tomavam conta de mim."
Medos
Dos poucos medos que Suely revela, um deles é um dia ficar em uma cama dependendo dos outros. Outro é ficar sem ter como pagar as contas e, por isso, nunca parou de trabalhar. Para aqueles que estão começando hoje na carreira, ela diz qual conselho daria.
"Estudar e ter um emprego. A gente faz uma novela e não fica mais. Raríssimos são os que têm emprego fixo. Se não tem, não ganha."
Assim que terminar A Dona do Pedaço, Suely deve emendar em uma peça, que ainda está na fase de captação de recursos.
"Me convidaram mas estão esperando patrocínio", disse a atriz, que evitou se aprofundar na questão sobre a crise que a classe cultural brasileira enfrenta atualmente, com mudanças nas leis de incentivo e a falta de investimentos.
"Vou te contar uma piada: 'Por favor, não diga idiotices, você não é o Presidente da República", provoca a atriz, que prefere não se alongar no assunto.
"Não sei resolver, então não falo. Vejo todo mundo falando mal do Lula e vejo gente inteligentíssima, que não precisa de nada dele, que o defende. Aí fico: 'Quem está certo?' Do Bolsonaro, todo mundo falou: 'Agora vai mudar'. Está mudando", diz, gargalhando. "Agora, será que é para melhor, para pior? Acabando com a educação? Todo mundo pode ter arma... Mas não posso me meter."
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