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Irmão de Marcela, do BBB, diz como se descobriu trans: "Ela me deu coragem"

Enzo e Marcela - Arquivo pessoal
Enzo e Marcela Imagem: Arquivo pessoal

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

28/01/2020 04h00

Cheia de cores, amores e pronta para explodir. Disposta a viver o BBB 20 intensamente, Marcela anunciou a sua chegada ao BBB 20 e resumiu a sua história. Além da trajetória profissional e a expectativa de envolvimento amoroso no reality show, a médica também contou um fato importante de sua biografia: ela tem um irmão transgênero.

A forte ligação com o irmão influenciou diretamente Marcela em suas escolhas e no novo rumo que ela decidiu dar a sua vida. Em entrevista ao UOL, o irmão da participante do Big Brother Brasil falou sobre o difícil período antes de se descobrir trans, a importância do apoio da família e o recente processo de transição de gênero.

Enzo Lins é empresário, tem 26 anos, e tem mais dois irmãos além de Marcela. Ele e a sister do reality da Globo cresceram juntos na cidade de Rancharia, no interior de São Paulo. Nas brincadeiras de infância, Enzo conta que sempre queria ser o menino, já dando sinais desde cedo de que não se sentia bem com seu corpo. Os anos se passaram, ele chegou à adolescência e se tornou mais reservado. Posteriormente, desenvolveu um quadro de depressão.

Desde que me lembro sentia que estava no corpo errado

"Eu não sabia o que pensar e o que era. Até que um dia vi um programa na TV fechada que contava a história de um homem trans. Tudo começou a fazer sentido. Comecei a pesquisar, mas eram poucas informações. Anos depois, em 2012, aos 18 anos, eu já sabia sobre o assunto e escrevi uma carta para a minha mãe. Ninguém ao meu redor tinha escutado sobre homens trans. Se falava mais sobre mulheres trans e o preconceito com elas era enorme. Isso deixou minha mãe muito assustada e com medo da minha segurança, mas ela respeitou e pediu que eu fizesse terapia", afirma.

Enzo iniciou acompanhamento com uma psicóloga e decidiu aguardar até estar preparado para a maior mudança de sua vida: "Eu estava com muito medo. Vivíamos numa cidade pequena e as pessoas ao meu redor eram muito tradicionais e preconceituosas. Eu me guardei numa caixinha vivendo o padrão que era imposto, assim como a minha irmã, que era considerada uma princesinha".

Marcela e Enzo se dão bem desde que eram crianças; na infância, ele dizia que era o menino nas brincadeiras - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcela e Enzo se dão bem desde que eram crianças; na infância, ele dizia que era o menino nas brincadeiras
Imagem: Arquivo pessoal

A decisão pela transição de gênero naquele momento, em 2017, tem relação direta com o apoio de Marcela. À época, ela havia começado o curso de sexualidade na USP (Universidade de São Paulo) e abraçou o desafio de ajudar irmão. Atualmente, Marcela trabalha com terapia sexual e também atende a população trans. Enzo diz que os dois acabaram influenciando um ao outro.

"Ela me perguntou se eu era trans e se queria fazer a transição. Eu disse que sim. A partir daí marquei uma consulta com o professor dela, que é um psiquiatra especializado em pessoas trans. Comecei aí meu processo de transição. Meus pais aceitaram muito bem porque nesse momento já tinham muito mais informações sobre o assunto. Eles sempre me apoiaram. Eu demorei mesmo porque tinha medo da sociedade em que estava inserido", diz.

"O papel da Marcela foi muito importante. Ela me despertou de novo para viver, para ter coragem de fazer minha transição e ser feliz. Talvez se não tivesse falado nada eu demoraria não sei mais quantos anos. Foi crucial o papel dela", ressalta.

Enzo tomou coragem e deu início à transição, que consiste em cirurgias e nos hormônios que ele usa regularmente. O empresário mudou-se para São Paulo e passou a ter mais conhecimento sobre os desafios de pessoas com histórias semelhantes a dele.

Entendi que o Brasil é o país que mais mata transexuais, que pessoas trans ficam anos para conseguir fazer a transição, que não há muitos médicos especializados na área. Tendo noção dos meus privilégios e o que acontece com a comunidade, eu mudei minha forma de pensar sobre tudo. Mudei minha postura na sociedade e até a minha posição política.

"Meu desafio é comigo mesmo"

Enzo e Marcela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Enzo teve o apoio dos pais e de Marcela ao decidir iniciar o processo de transição de gênero
Imagem: Arquivo pessoal

Enzo reconhece que não enfrenta tantos preconceitos como outras pessoas trans, mas ele afirma que tem os seus próprios obstáculos pessoais a serem vencidos.

"Como dizem os homens trans, eu sou 'passável'. Não dá para ver que sou um homem trans, então não tenho muitos desafios no dia a dia. O maior desafio é comigo mesmo, uma luta diária de readequar meu corpo. Vou ter que tomar hormônios para o resto de vida. Tenho que fazer terapia. Eu vivi 24 anos como outra pessoa. Considero mais um desafio comigo mesmo do que em relação às outras pessoas", analisa.

Sobre a irmã no BBB, ele se enche de orgulho. Enzo afirma que Marcela está no melhor momento de sua vida.

"Ela evoluiu como pessoa. Sei que ela vai mostrar quem ela é, e verão que é uma ótima pessoa, com muito a agregar. Marcela começou a ver que aquela sociedade em que ela vivia não condizia mais com o que ela acreditava. É uma mudança de vida. Precisa ter coragem para fazer isso. Quando eu tive essa coragem ela começou a pensar e conseguiu mudar de vida", afirma o empresário.