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Filha de Drauzio, jornalista Mariana Varella é voz do pai nas redes sociais

A jornalista Mariana Varella é abraçada pelo pai, o médico Drauzio Varella - Reprodução/Instagram
A jornalista Mariana Varella é abraçada pelo pai, o médico Drauzio Varella Imagem: Reprodução/Instagram

Débora Miranda

Do UOL, em São Paulo

25/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Em entrevista ao UOL, ela fala sobre os ataques nas redes sociais e critica divulgação de informações falsas
  • "É chato ver as pessoas distorcendo o que você fala, mas estamos preocupados com o impacto que isso pode ter para a saúde"
  • A jornalista conta que tem se dedicado mais de 12 horas por dia ao trabalho de informar e esclarecer sobre o coronavírus
  • Avalia as políticas adotadas pelo governo federal e do estado de São Paulo
  • E afirma que é preciso levar a doença a sério. "Não pode ser subestimada"

Informar sobre o coronavírus, desmentir informações falsas no Twitter, fazer transmissões ao vivo pela internet para tirar dúvidas do público. A missão de Mariana Varella, 46 anos, tem sido árdua nos últimos meses e tem demandado dedicação de mais de 12 horas de trabalho diário. Formada em ciências sociais, mas atuando como jornalista desde os tempos de faculdade, a filha de Drauzio Varella trabalha lado a lado com o pai há quase 20 anos, como editora do portal de saúde que leva o nome do médico, um dos mais conhecidos e renomados do Brasil.

Junto de uma equipe de cerca de 30 pessoas, entre profissionais de comunicação e consultores de saúde, ela cria conteúdo para o site e é a voz do pai nas redes sociais. O nome de Drauzio esteve envolvido em dois episódios recentes que geraram grande repercussão nas mídias. No início do mês, o médico passou a ser atacado por uma reportagem que apresentou no "Fantástico" sobre trans presas depois que foi divulgada a informação de que uma das personagens tinha matado e violentado uma criança.

Na semana passada, outro problema: o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Flávio Bolsonaro divulgaram em suas redes sociais um vídeo antigo em que Drauzio Varella tecia comentários sobre o coronavírus, quando ainda não existiam casos de contaminação no Brasil. No vídeo, originalmente publicado em janeiro, o médico dizia que estava levando a vida normalmente e que não havia motivo para pânico.

Nos dois casos, foi preciso que Drauzio se posicionasse publicamente. E a seu lado estava Mariana. "Temos um trabalho muito forte nas redes, pois acreditamos que é fundamental. Por outro lado, existe o problema da circulação de desinformação. E isso, em saúde, tem um impacto gravíssimo. A gente sabe que as coisas que a gente faz têm grande repercussão. Então, quando algo dá errado, a repercussão também vai ser grande. Mas estamos num momento muito complicado politicamente, e esses ataques virtuais têm acontecido com frequência. É chato ver as pessoas distorcendo o que você fala, meu pai tem um trabalho na área de saúde por 40 anos. Mas estamos preocupados mesmo com o impacto que isso pode ter para a saúde. Meu pai não fica lendo, acha isso uma bobagem."

Em entrevista ao UOL, Mariana falou do trabalho que vem realizando com sua equipe para esclarecer a população sobre o coronavírus, avaliou as iniciativas do governo e falou de sua expectativa negativa para as próximas semanas. "Espero estar errada, mas a situação é grave. A gente tem que evitar o pico da pandemia, tentar evitar uma grande catástrofe, mas a situação é grave e tende a piorar nos próximos dias."

Leia, abaixo, trechos da entrevista.

UOL - Como tem sido o trabalho que vocês estão desenvolvendo para o Portal Drauzio Varella sobre o coronavírus?

Mariana Varella - Estamos acompanhando o coronavírus desde janeiro. Já prevíamos que fosse chegar ao Brasil e se transformar em uma pandemia. A gente já estava se informando da parte mais técnica, dos sintomas, da forma rápida como ele estava se espalhando. Então, a gente já estava um pouco preparado para a gravidade da situação. Meu pai se preocupou muito, porque já previa o impacto que isso teria no Brasil, considerando condições sociais, quantidade de gente, sistema de saúde. Muitas regiões não têm sequer UTI. Coloquei a equipe toda dedicada totalmente a esse tema, e temos trabalhado mais de 12 horas por dia.

Têm havido muitas notícias falsas sobre o coronavírus. E recentemente houve o caso em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Flávio Bolsonaro postaram um vídeo antigo de Drauzio Varella falando sobre a doença, que acabou retirado do ar pelo Twitter. Como é a atuação de vocês nas redes sociais?

Temos um trabalho muito forte, pois acreditamos que é fundamental. Por outro lado, existe o problema da circulação de desinformação. E isso, em saúde, tem um impacto gravíssimo. Então, fazemos parcerias com agências de checagem, tentamos atuar no combate à desinformação e aumentar a circulação de informação de qualidade.

É chato ver as pessoas distorcendo o que você fala. Meu pai tem um trabalho na área de saúde por 40 anos, é muito chato vê-lo como alvo de disseminação de notícias falsas. Mas estamos preocupados mesmo com o impacto que isso pode ter para a saúde. Meu pai não fica lendo, acha isso uma bobagem.

Houve também um caso recente da reportagem que o dr. Drauzio fez na cadeia, com as transexuais. E, depois de divulgado que uma das presas tinha violentado e assassinado um menino de 9 anos, ele foi bastante agredido publicamente. Como foi para vocês esse episódio?

A gente sabe que as coisas que a gente faz têm grande repercussão, então, quando algo dá errado, a repercussão também vai ser grande. Mas estamos em um momento muito complicado politicamente. Foi além de um ataque por um problema pessoal, sobre o qual meu pai assumiu toda responsabilidade. Porque ele sempre disse que não não cabe ao médico indagar o que as pessoas fazem na vida particular, e ele leva isso muito a sério. Esses ataques virtuais têm acontecido com frequência.

Mariana Varella e Drauzio Varella - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Pai e filha juntos em gravação
Imagem: Reprodução/Instagram

Qual é a sua avaliação das políticas governamentais que estão sendo implementadas nacionalmente e em São Paulo com relação ao coronavírus?

Tem dois movimentos no governo bem aparentes. O Ministério da Saúde, que tem feito um bom trabalho, disponibilizando dados, tomando medidas acertadas até agora e dando orientação correta. A gente sente que eles estão empenhados em diminuir o risco do que estamos para enfrentar. E tem outra ala do governo que está subestimando o que vem por aí.

Entendo que há impacto econômico, há muita coisa em jogo e o governo precisa ter essa preocupação, mas não é possível minimizar o coronavírus dizendo que é gripinha, que não é nada sério, que isolamento não é necessário. Isso é um erro.

Qual é a sua perspectiva para as próximas semanas com relação a essa pandemia?

Infelizmente, espero estar errada, mas minhas expectativas não são boas. A gente teve algumas medidas acertadas, o estado de São Paulo também está fazendo um bom trabalho, assim como o município, mas a situação é grave. A gente tem que evitar o pico da pandemia, porque se tiver um grande número de pessoas pegando [a doença] ao mesmo tempo, 20% vão precisar de atendimento hospitalar. Temos esse medo que o sistema de saúde não segure. E eu acho isso inevitável. Acho que vai acontecer. A gente pode tentar evitar uma grande catástrofe, mas a situação é grave e tende a piorar nos próximos dias.

Outra preocupação que eu tenho é com a desigualdade. O Brasil é um país desigual e o coronavírus vai atingir as pessoas de forma desigual. Quando chegar às comunidades carentes, às pessoas que vivem em condições precárias, em espaços com poucos cômodos e sem ventilação, crianças e idosos juntos, pode acontecer uma catástrofe.

Por isso é tão importante a defesa do SUS. A gente tem essa sorte de ter um Sistema Único de Saúde, e isso é a nosso favor, facilita ações coordenadas de prevenção, identificação de casos e tratamento.

O que nessa cobertura tem sido para você mais desafiador?

Tem um desafio pessoal e outro profissional. Todo jornalista se sente estimulado por levar informações de qualidade. Mas também me preocupo muito com desafio coletivo, em ser mais solidária, pensar no todo, que é um exercício que o brasileiro não está acostumado a fazer. A importância de fazer meu papel como cidadã, de cuidar dos outros, da sociedade, fazer o que estiver ao meu alcance.

Como é a relação com seu pai? Que legado acha que o trabalho de vocês pode deixar?

A gente sempre foi muito próximo, tem uma relação muito próxima como pai e filha. Minha família é muito unida. O nosso trabalho como legado é uma preocupação que o meu pai tem também. Ele enxerga a importância da imprensa no Brasil, a importância de ter uma imprensa comprometida com a qualidade das informações. E isso deve continuar independentemente dele, depois dele. Nossa equipe é muito comprometida com esse legado e com essa missão.