Ana Paula Araújo não teve descanso durante quatro anos para escrever livro
Ana Paula Araújo, apresentadora do "Bom Dia Brasil", da TV Globo, lança seu primeiro livro, fruto de quatro anos de pesquisa sobre violência sexual. A obra "Abuso - A Cultura do Estupro no Brasil", publicada pela Globo Livros, desmistifica a imagem de abusadores e fala sobre como a cultura machista é prejudicial à sociedade.
Em entrevista à "Quem", a jornalista, de 48 anos, falou sobre o que a levou a escrever o livro: "A tão falada rivalidade feminina vem cada vez mais dando espaço à compreensão, apoio e solidariedade. Escolhi esse tema porque diz respeito a todas nós. Não conheço uma mulher que não tenha passado por uma história de abuso sexual, seja mais ou menos grave".
Assim como quase todas as mulheres, Ana Paula disse já ter perdido as contas de quantas vezes sofreu assédio sexual. "Piadinhas absurdas e assédio no transporte público, por exemplo, são algo que todas nós conhecemos bem. Podem parecer pouco, mas fazem parte de uma cultura de desvalorização da mulher que também está por trás dos casos mais graves de estupro. Precisamos em definitivo nos unir e falar sobre isso. Conhecimento, discussão, informação são a base para qualquer mudança. Quis deixar minha contribuição para todas nós e para as gerações futuras, como a da minha filha".
Por se dividir entre a produção do livro e seu trabalho na TV, o processo foi longo e cansativo. "Continuei com meu trabalho normalmente na televisão, então, para conseguir viajar pelo Brasil, tive que concentrar a maior parte das entrevistas nos fins de semana de folga e feriados. Partes das férias também foram investidos no projeto. Em lugares menos distantes, cheguei a fazer ida e volta no mesmo dia", esclareceu.
O cansaço de Ana Paula não se restringiu apenas ao corpo, mas também afetou sua mente: "Eram entrevistas sempre muito pesadas e quase não tive tempo de respirar entre uma e outra. Mas valeu a pena. Acho que consegui cumprir o que me propus: traçar um retrato da violência sexual pelo Brasil, levantar o debate, esclarecer sobre os direitos das vítimas e trazer caminhos sobre como podemos ao menos melhorar essa realidade".
Muitas pessoas acreditam que o estupro só se caracteriza a partir da penetração sem consentimento, mas a jornalista esclarece que vai além: "É também estupro outros atos não consentidos como masturbação, sexo oral, toques íntimos e introdução de objetos nas regiões íntimas. Violência física e psicológica, como ameaças, também caracterizam estupro". De acordo com as pesquisas da jornalista, a maioria dos casos acontece dentro da própria casa das vítimas, que muitas vezes são menores de idade. "Mas não há exatamente um padrão. Encontrei vítimas de todas as idades e classes sociais. Estupradores também podem ser encontrados entre pais de família e estudantes universitários, por exemplo. É importante desmistificar a ideia de que o estuprador só age em ruas desertas, tarde da noite, contra mulheres descuidadas", ressaltou.
Para Ana Paula, a sociedade tem um conjunto de pensamentos e atitudes que normalizam o comportamento naturalizado da violência sexual. Ideias equivocadas, como a de que a vítima pediu, de que homem é assim mesmo, que não é tão grave, de que é fácil esquecer. E isso é reflexo de uma cultura que dita que o homem é superior e mais importante.
Ainda de acordo com a jornalista, o problema começa ainda na infância, "quando se ensina às crianças que meninos são fortes e meninas são delicadas, que meninos devem ser agressivos e que tarefas de casa e filhos são função apenas das mulheres", pontuou. A naturalização do abuso e da violência sexual é algo tão presente que, ao ouvir estupradores, Ana Paula notou que na maioria das vezes os criminosos não demonstram arrependimento. "A maior parte deles apresenta um comportamento ótimo dentro da prisão e posa como se nem eles aceitassem o próprio crime", comentou.
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