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Ingra Lyberato revela: 'Passei grande parte da vida me boicotando'

Ingra Lyberato relembra seu papel em "Pantanal" - Instagram/Márcio Lima
Ingra Lyberato relembra seu papel em "Pantanal" Imagem: Instagram/Márcio Lima

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/11/2020 12h01

Aos 54 anos, a atriz Ingra Lyberato tem vários projetos engatilhados: ela está escalada para "Gênesis", da Record, além de negociar um papel em uma série na Globoplay. Também rodou três filmes inéditos: "A batalha de Shangri-lá" (Severino Neto), "Além de nós" (Rogério Rodrigues), e "A espera de Liz" (Bruno Torres), e ainda sobra energia para se dedicar a um canal no YouTube e ao livro "A natureza oculta iluminada", lançado em agosto. Mas quem a vê com tantos trabalhos não imagina que a atriz mergulhou num processo de autoconhecimento e precisou superar um processo recorrente de autossabotagem. Em entrevista ao jornal "O Globo", Ingra comenta sobre sua nova fase, além de relembrar seu papel em "Pantanal".

Em seu novo livro, intitulado "A natureza oculta iluminada", a atriz trata de sua nova percepção do mundo e da vida, por meio das experiências. "Eu tinha medo da exposição, e o livro foi um passo na cura. Arranquei máscaras e falei tudo sobre as mentiras que contava para tentar esconder minhas imperfeições. A gente é encorajado a ser sempre perfeito sempre, né? O livro mostra os bastidores da vida artística pelo viés de como a gente pode se desconectar da verdade e viver num mundo de ilusão e fantasia", conta. Ingra diz que percebeu o problema a partir do sucesso de "Pantanal": "Estava sendo colocada num pedestal e seria complicado cair. Passei a ter medo de errar, arriscar, me reinventar. Em 'Ana Raio e Zé Trovão' estava sendo muito venerada. Naquele momento, senti medo do sucesso e pensei: 'Não vou dar conta'". Com apenas 20 anos na época, a atriz não se sentia com maturidade para a fama: "Cresci numa família de artistas movida pelo desejo de expor a alma pela arte. Quando me vi mais preocupada em manter uma imagem construída de mim, meu castelo caiu, a terra tremeu".

Ingra recebeu muitas influências do pai, o artista plástico Chico Liberato, que tinha o candomblé como referência de trabalho. Há oito anos, porém, ela conheceu o xamanismo, e a partir daí iniciou uma "reprogramação de seu sistema de crenças": "Conheci o grupo de estudo e ONG Paz Sem Fronteiras. Percebi que a gente não cultiva nosso amor próprio e que eu tinha muitos processos autodestrutivos". A atriz ainda comenta que a fundadora do grupo, Ana Vitória Vieira Monteiro, foi quem a alertou sobre o medo do sucesso. "Fui pesquisar dentro de mim sobre o que me movia a abandonar tudo toda vez que estava em evidência. Passei grande parte da vida me boicotando", lembra.

Ingra compara sua situação ao "complexo de Jonas", que é o medo de atingir o sucesso. No conto bíblico, Jonas recebe um chamado de Deus e foge por medo de não conseguir cumprir. "A gente inventa mil motivos para não exercer nossos dons, não praticar o que viemos fazer na Terra. É uma falsa humildade que, na verdade, é arrogância: achar que as oportunidades pelas quais tanta gente batalha, não têm valor. Aprofundei o olhar analítico sobre o medo porque eu tinha muito. É um monstro que a gente cria. Hoje, aprendi a olhá-lo de frente. Agora, não tenho mais medo de me expor, conto tudo", diz.

Um dos momentos de autossabotagem aconteceu quando Ingra atuou na novela "A história de Ana Raio e Zé Trovão" (em 1990, exibida na extinta TV Manchete, onde já tinha feito "Pantanal"). Após as gravações, passou quatro anos sem atuar. O comportamento se repetiu após "O clone" (2001), quando foi para Porto Alegre, onde viveu por 11 anos. Lá, teve Guilherme, hoje com 17 anos, fruto do casamento com o músico gaúcho Duca Leindecker.

Ao relembrar "Pantanal", a atriz disse ao jornal que a novela mostrou um lado positivo do Brasil em meio às crises políticas: "O Collor tinha confiscado as poupanças, fechado a Embrafilme, havia um descontentamento generalizado. A pergunta que estava no ar era 'que Brasil é esse?'. Aí veio a novela e mostrou um país do qual podíamos nos orgulhar e admirar. Os personagens do Pantanal, os homens de palavra, o povo trabalhador. A novela também mostrou um Brasil que pouco se via na TV, a nossa exuberância natural indescritível, mulheres potentes, com empoderamento, como Bruaca, Juma e Maria Marruá".

Questionada sobre possíveis nomes para os papéis de Madeleine e Juma Marruá, Ingra prefere apostar em novos talentos: "Poderiam lançar uma novata como Juma, ou preparar alguém de outra área, como a música, por exemplo. Acho que o movimento de testes e gente nova sendo lançada pode atrair a atenção do público. Falaram na Marina Ruy Barbosa como Madeleine. O protótipo da mulher sofisticada, de beleza quase intocável, a figura perfeita que não se adapta à mosquito, aos jacarés, pode ser interessante. A Marjorie Estiano seria incrível também, mas aí já estou falando de uma proximidade de aparência, pois ela tem mais o meu biotipo".

Além dos papéis, Ingra diz que a nova versão da novela é uma boa oportunidade para tratar sobre questões atuais que afligem a região pantaneira. "O Pantanal pegando fogo me impactou demais. Pensei: 'Temos que falar do Pantanal hoje!'. Há 30 anos, quando fui lá pela primeira vez, foi como um despertar de consciência, uma experiência de êxtase e conexão com a natureza. Mudou a vida de todos que fizeram a novela. E aquele impacto real na nossa alma com a ecologia profunda passou para o público. Hoje, estamos fazendo como o vírus, que mata o próprio hospedeiro".