Homens negros falam sobre tratamento a Lucas Penteado no BBB: 'Desumano'
Lucas Penteado vem sofrendo uma montanha-russa de emoções e ataques dentro do "BBB 21". Desde a rejeição com deboche por parte de Kerline até o isolamento e xingamentos promovidos por Karol Conká —e seguidos grande boa parte da casa—, a situação resultou numa comoção por parte do público aqui fora.
Mas o que Lucas está passando no reality parece não ser muito diferente do mundo aqui fora. O UOL conversou com homens negros para discutir como as cenas vividas pelo ator na casa são reflexos do que acontece na vida real.
O educador e ativista Marcelo Rocha é amigo de Lucas. Eles se conheceram durante as ocupações escolares promovidas por alunos secundaristas em 2015. Marcelo analisa que durante a festa Réveillon, a primeira desta edição, o ator queria se enturmar com os outros brothers e que a insegurança de um jovem negro e periférico, aliada ao consumo de álcool, foram motivos para que ele perdesse a mão.
No entanto, Marcelo explica que a brincadeira de "cupido" foi algo sem maldade, na intenção de socializar. Já a resposta de Kerline foi para ferir. Ele aponta que os traumas provocados em Lucas são comuns em homens negros.
Quando a Kerline fez aquele comentário, ativou uma espécie de expectativa em se relacionar com uma mulher branca. A negativa com deboche foi algo que mexeu demais com ele e com muitos homens negros que assistiram àquela cena. Essa história não é só sobre o Lucas, é sobre todos nós.
Marcelo Rocha
Já Caio César, que estuda e produz conteúdo sobre masculinidade, diz que acompanha o "BBB" apenas como entretenimento, tentando não se afetar por temas mais complexos. Porém, o exemplo de Lucas o fez lembrar de quando tinha 15 anos.
Eu me vi ali naquela cena, lembrei de quando era adolescente. O Lucas falou: 'ah, uma mina branca, padrão, se interessando por mim?!'. Ele criou expectativa e quando viu que ela estava brincando, ativou aquelas lembranças de ser rejeitado e zombado, de não se achar bonito.
Caio César
Sem chance para o erro
Depois das confusões causadas nas festas, Lucas foi isolado por quase toda a casa. Roger Cipó, que também é estudioso da masculinidade negra, aponta que o isolamento do ator é uma ação que impede uma tentativa de ressocialização.
O Lucas errou e exagerou na festa, isso ficou claro. Mas a casa passou a tratar ele como o erro em si. Quero dizer que o Lucas se tornou não um ser humano que errou, mas o próprio erro. Sendo assim, ninguém poderia se aproximar dele, pois seria uma aproximação com o erro. Com isso, o Lucas perdeu o direito de ser reinserido na sua comunidade. Obviamente, isso é um reflexo do que acontece aqui fora.
Roger Cipó
Para Caio, o que acontece com Lucas dentro do BBB é a desumanização do homem negro.
Eu sou muito compreensivo com reações. Quando a Camilla chama o Lucas de otário, é uma reação pelo estresse que ele causou. Agora, quando a Conká fala que ele não vai almoçar na mesa, não vai olhar na cara dela, isso parece um prazer pela punição. Isso é uma desumanização incrível, ele não tem a possibilidade de sair do erro. É muito fácil colocar homens negros nesse lugar. Para pessoas brancas, existe uma compreensão muito maior de que o erro pode ser consertado.
Caio César
'O negro é lindo'
Na introdução do seu livro "We Real Cool: O Homem Negro e a Masculinidade", a escritora negra feminista Bell Hooks diz que os homens negros não costumam se amar.
Como poderiam [se amar], sendo cercados por tanto ódio e maldade?
Um consenso entre os entrevistados é a dificuldade do homem negro em se ver como uma pessoa bonita e desejada. No caso do Lucas, por exemplo, a insegurança, que foi até verbalizada em conversa com Nego Di, pode ser um dos motivos para que ele tenha tentando se enturmar com a brincadeira do cupido.
Era uma forma dele se socializar. A bebida foi um fator, ele acabou se tornando inconveniente. Mas a questão do cupido eu acredito que estivesse relacionada a ele tentar se fazer presente ali, tendo como premissa que ele não seria desejado por ninguém. Por isso, a expectativa dele foi tão grande quando a Kerline respondeu ele.
Marcelo Rocha
Eu entrei na academia com 13 anos porque acreditava que a única forma de eu ser considerado uma pessoa bonita era malhando, tendo músculos igual o Terry Crews [ator conhecido no Brasil pela série "Todo Mundo Odeia o Chris"]. Com o tempo, fui desconstruindo essa visão.
Caio César
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