Sérgio Loroza diz que chorou ao viver escravo em série: "Era meio dolorido"
Marcela Ribeiro
Do UOL, no Rio
14/08/2019 04h00
Viver um escravo na ficção não foi fácil para Sérgio Loroza. O ator de 52 anos e 20 de carreira admite que Domingos, seu personagem na primeira fase de Filhos da Pátria, mexeu com ele emocionalmente ao relembrar a história dos seus antepassados.
"Fazer um escravo na senzala é um bagulho muito doido. Automaticamente nosso DNA carrega essa injustiça social e racial que existiu muito forte. Na primeira temporada, às vezes, a gente se olhava e começava a chorar no set, lembrava daquilo que a gente não viveu, mas que nossos antepassados, infelizmente, viveram. Era meio dolorido", lembrou o ator nos bastidores de gravação da segunda temporada da série, prevista para estrear em outubro na Globo.
Desta vez, Domingos é um compositor de samba no Brasil de 1930, começo da era Vargas. Operário por décadas, ele foi uma das vítimas das demissões em massa da época. Desempregado, começa a viver de bicos e a vender sambas de sua autoria.
"Essa segunda temporada é muito mais relax, até o direito de posse já tenho. Ele tem um pouco de orgulho de ter o barraco dele, de estar construindo a história dele. O Domingos é meio orgulhoso de si mesmo", conta Loroza.
"Ele vende os próprios sambas para poder sobreviver e acaba não usufruindo do sucesso ou do glamour do ofício de compositor".
Domingos é padrinho de Lucélia (Jéssica Ellen), a empregada doméstica da família Bulhosa, e é encorajado pela afilhada a colher os louros da carreira.
"Ele é mais explorado do que taxado. Na verdade, acho que naquele momento imagino que ser preto já era o suficiente. Por isso, ele não passa exatamente pelo constrangimento de ser menos por ser compositor. É menos por ter uma coloração diferente do padrão".
Na vida real, Sérgio, que também é cantor e foi um dos vocalistas do Monobloco, tira de letra quando é questionado sobre seu trabalho com a música.
"'Perguntam: 'Tu é músico, mas trabalha com o quê?' Não acho nem ruim porque a gente trabalha com a diversão alheia, automaticamente você pode dar uma fugidinha e se divertir também. Se não fosse para me divertir, eu continuaria trabalhando na Kolynos [fábrica de creme dental], onde eu trabalhava há alguns anos".
Afro-empreendedor
Cantor, apresentador, ator e afro-empreendendor: é assim que Loroza se define no Instagram. Recentemente, ele resolveu se aventurar como empresário, investindo em cachaça.
"Estou fazendo um projeto para o próximo verão, agora não sou só um atorzinho, agora sou um afro-empreendedor", conta ele, com bom humor.
"No nosso país, a gente faz um evento juntando 100 empresários, infelizmente a gente é muito pouco representado etnicamente falando. Acho que é importante também empreender, inventar histórias", diz ele, que resolveu investir no negócio por acaso.
"Comecei a fazer para dar de presente para os amigos, aí começaram a pintar outras oportunidades. Tenho uma parceria com uma galera de Paraty, uma indústria de lá e eles produzem para mim a cachaça. É importante ter uma qualidade... Mais importante que o petróleo, que pode acabar, a cachaça pode ser a nossa salvação. Então, a cachaça é nossa!", brinca.
Bem-humorado, Loroza faz piada do seu peso e o gosto pela comida e bebida. "Gula é pecado de acordo com a religiosidade, mas digo que é o melhor pecado porque só faz mal a si mesmo. Não estou fazendo mal a ninguém. Posso beber, tenho direito, posso comer".
"Artista não pode ser inimigo da sociedade"
Com um currículo extenso de novelas, séries e filmes, Loroza estreou em Hilda Furacão (1998) e participou de muitos programas de humor, entre eles: A Grande Família (2001), Os Normais (2003), A Diarista (2005) e Zorra Total (2005). O ator considera positivo o humor mais politizado, presente atualmente na programação da Globo, e do qual Filhos da Pátria também é exemplo.
"Linguagem é poder. A gente está vivendo esse momento e tem que entender que as coisas podem ter um desdobramento que talvez não seja aquele que a gente deseja. O politicamente correto está acabando com o humor? Não, está fazendo ele ficar mais inteligente", ressalta.
"O artista não pode ser inimigo da sociedade, pelo contrário. Se a gente percebe que através do nosso humor a gente pode fazer a sociedade ficar mais legal, vamos aderir a isso".
Com uma fala mansa e a filosofia de Zeca Pagodinho, do 'deixa a vida me levar', Loroza diz que não é tão tranquilo quanto parece quando é questionado como enfrenta o preconceito em sua vida.
"É necessário se falar sobre isso porque muito pior do que todas as agressões que a gente sofre é a impossibilidade de poder falar. É como se alguém tivesse pisando no seu pé e você não pode falar nada porque senão vira mimimi, vira vitimismo", critica ele.
"Isso é uma estratégia para poder calar a gente também, não vai funcionar mais, agora vamos falar. A gente deseja um mundo melhor não daqui a 50 anos. Muito prazer, estamos na nova era, já começou, não vai dar para esperar".