Débora Bloch vive professora na TV e diz: "Vivemos a vitória da ignorância"
Mesmo em um frio congelante no meio da noite paulistana, a personagem Lúcia, vivida por Débora Bloch, decide ir à Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, onde ensina português a jovens e adultos que não conseguiram estudar quando criança e agora se dedicam ao ensino noturno.
É com essa força que chega a protagonista de Segunda Chamada, série que a Globo planeja estrear em outubro e que fala sobre o universo da educação pública e noturna no Brasil, destacando as dificuldades que professores e alunos encontram nesse meio.
O seriado vem em um momento conturbado, com o ensino público passando por uma série de cortes do Governo Federal, o que já levou a manifestações por todo o país. E a expectativa de Débora é que o programa ajude a ampliar a discussão sobre o tema.
"Eu espero que, na verdade, não a série ganhe relevância, mas o assunto do qual estamos tratando, que é a educação, ganhe. Porque, mesmo com tantas manifestações, você ainda vê pessoas defendendo esse desmonte. A gente está vivendo exatamente a vitória da ignorância. A vitória da nossa falta de educação, da falta de investimento em educação no nosso país. São pessoas ignorantes sobre como se constrói uma sociedade. Não existe civilização sem educação e sem cultura, são dois alicerces de qualquer país civilizado", diz ela, em um intervalo de gravação da série em São Paulo, acompanhada pelo UOL.
Débora também se mostra assustada com ações como o incentivo de políticos para que alunos filmarem seus professores, como uma forma de fiscalizar o conteúdo apresentado em sala de aula.
"Acho isso um absurdo, um disparate, uma distopia. Isso para mim é reflexo da ignorância sobre o que é uma sala de aula, qual é o papel de um professor, qual é a relação que os alunos têm com ele. Sala de aula é lugar de debate, de aprendizado, de desenvolvimento de pensamento crítico. Não é um lugar de repressão nem de autoritarismo", enfatiza.
Ela também ressalta que o seriado, escrito por Carla Faour e Julia Spadaccini, com direção artística de Joana Jabace, não foi idealizado agora, apesar de ser tão atual.
"A série será exibida agora, mas ela já foi criada há mais de um ano. Não é exatamente sobre o movimento de agora nem sobre essas manifestações. Ela é um recorte da educação no Brasil --inclusive a EJA [Educação de Jovens e Adultos] é muito específica. Nem sei dizer se em outros países, onde as pessoas têm escolas públicas de qualidade e acesso, existe. A série busca fazer o retrato mais realista possível desse setor da educação no Brasil, que por si só já mostra uma deficiência do nosso sistema público", relata.
A intenção de ser o mais fiel possível à realidade levou as gravações de Segunda Chamada a um colégio desativado de São Paulo. A construção, que já foi a Escola do Jockey de São Paulo e o Colégio Equipe, foi reestruturada pela direção para virar o cenário da história de Lúcia e seus alunos.
Tragédia pessoal
Na trama --que ainda tem detalhes guardados em segredo pela Globo--, a professora perde o filho adolescente. Tempos depois, ela retorna às salas de aula. Débora celebra o novo papel, que vem depois de uma série de personagens fortes, como nas séries Justiça (2015) e Onde Nascem os Fortes (2018).
"Tenho tido sorte e acho que tem a ver com maturidade, mesmo. Há papéis que você precisa ter uma certa maturidade de vida para representar. Por acaso são mães, que têm a ver com a minha idade. Fiz humor muito tempo, adoro. Mas tem uma hora que você também começa a se sentir repetindo algo que já fez. Gosto de experimentar outros lugares. Ao mesmo tempo, essa personagem não é mole. Envolve cenas pesadas, que te colocam em um estado que te suga", diz.
Ela também conta que fez pesquisas frequentando cursos para jovens e adultos para entender mais sobre o universo retratado pela série.
"É uma professora que se envolve com os alunos para além da escola. Frequentei algumas aulas de EJA, conversei com professores. Uma coisa que me chamou a atenção quando eu assisti às aulas é o quanto essas professoras são comprometidas com os alunos. Todas com quem conversei sabiam a história de cada aluno, as dificuldades de cada um."
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