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De Médici a Bolsonaro, Silvio fez afagos a todos os presidentes desde 1970

Mauricio Stycer

03/05/2019 05h01

No programa que vai ao ar este domingo, Silvio recebe o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Lourival Ribeiro/SBT

Como outros empresários do ramo da comunicação, Silvio Santos sempre cultivou boas relações com políticos e frequentemente os bajulou. Desde 1970, pelo menos, quando se reuniu com o general Garrastazu Médici para pleitear a concessão do canal Excelsior, Silvio manteve contatos com todos os presidentes do Brasil. O seu encontro com Bolsonaro, que vai ao ar neste domingo (05), é apenas mais um na galeria de afagos do dono do SBT ao poder nos últimos 49 anos.

Excelsior: Presidente entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974, num dos períodos mais duros da ditadura militar, o general Garrastazu Médici recebeu Silvio no Planalto no final de 1970. Alugando horas de programação da Globo, o empresário enxergou na crise dos canais Excelsior, no Rio e em São Paulo, uma chance para ganhar a sua primeira concessão. No relato que fez à revista "Veja", em 1971, Silvio diz que Médici o elogiou ("Acho você um grande animador") e disse aos funcionários da Excelsior que aprovava o nome do empresário ("Vocês escolheram o homem certo para a posição certa, exatamente como eu tenho tentado fazer no meu governo"). Mas, apesar dos elogios, o presidente deu a concessão dos canais ao "Jornal do Brasil".

TVS, canal 11: Presidente de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979, o general Ernesto Geisel ajudou Silvio Santos a dar o pontapé inicial na construção de uma rede de televisão. Em 1975, ele abriu uma concorrência pela concessão do canal 11, no Rio de Janeiro. Silvio esteve diversas vezes no Planalto, em reuniões com o ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, com o chefe do SNI, general João Figueiredo, e ao menos duas vezes com o próprio presidente, segundo o relato de Arlindo Silva, seu assessor de imprensa na época. Em outubro, Geisel concedeu o canal a Silvio Santos e a TVS foi inaugurada em 14 de maio de 1976.


Nasce o SBT: Presidente de 15 de março de 1979 a 15 de março de 1985, João Figueiredo abriu, em 1980, uma licitação para concessão de duas redes de televisão, uma com quatro canais e outra com cinco. O empenho de Silvio para convencer o governo a premiá-lo com uma das concessões é conhecido, ao menos parcialmente. Contratou a dupla Don e Ravel para agradar ao ministro da Aeronáutica. Acionou o jornalista Carlos Renato, jurado de seu programa, para fazer lobby junto à primeira-dama, Dulce Figueiredo, de quem era parente. Reuniu-se várias vezes com o general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, e com o próprio presidente. A concessão saiu em 19 de agosto de 1981 – é a data de nascimento do SBT. Nos últimos dias do governo, em janeiro de 1985, Figueiredo ainda deu a Silvio a concessão de um canal em Brasília. "Sou muito grato a ele. Se não fosse ele, eu estava vendendo caneta na praça da Sé", disse Silvio em 2017.


"Office boy de luxo": As concessões de canais de TV e emissoras de rádio dadas por Figueiredo nos últimos meses do governo geraram muita polêmica nos primeiros dias do governo de José Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990). Diante da ameaça de revisão destas concessões, feita pelo ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, Silvio visitou Sarney em 10 de maio de 1985. Ao sair do Planalto, disse: "Eu já dei ordem aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar, só elogiar o governo". Em 1988, questionado pela Folha sobre como via o governo Sarney, Silvio respondeu: "Eu sou concessionário, um 'office boy' de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime".


Plano Collor: No início de 1989, antes de decidir se candidatar à Presidência, o então governador de Alagoas, Fernando Collor, visitou Silvio Santos em sua casa, em São Paulo. Queria ter a certeza de que o empresário e apresentador não concorreria. "Não, de jeito nenhum. Não vou ser candidato. Sou um artista e não um político", disse o dono do SBT a Collor. Mas, em outubro, Silvio mudou de ideia e virou candidato. Collor ficou furioso e deu declarações pesadas contra o empresário. Mas o TSE impugnou o pequeno partido que deu guarida à candidatura de Silvio e, como se sabe, Collor venceu a eleição (foi presidente de 15 de março de 1990 a 29 de dezembro de 1992). As rusgas foram rapidamente superadas. Em 18 de março de 1990, Silvio recebeu Zélia Cardoso em seu programa. Durante 45 minutos, a ministra da Economia falou à vontade, sem pressão, sobre o Plano Collor, que confiscou a poupança dos brasileiros. "Precisamos sair dessa escravidão causada pela inflação e assim nós vamos chegar à Terra Prometida", disse Silvio em apoio às medidas.


Plano Real: O impeachment de Collor colocou o vice Itamar Franco na Presidência (29 de dezembro de 1992 a 1º de janeiro de 1995). Nunca encontrei registros de encontros entre os dois, mas Silvio já deu declarações dizendo que esteve com o então presidente no Planalto. Em 27 de fevereiro de 1994, o dono do SBT recebeu no auditório de seu programa o então ministro da Fazenda do governo Itamar, Fernando Henrique Cardoso. Por 22 minutos, o ministro explicou como iria funcionar a URV (unidade real de valor), que entrou em vigor em 1º de março de 1994. A medida preparava o país para a adoção do real, o que ocorreu em 1º de julho daquele ano. Empolgado, Silvio apresentou FHC como "um brasileiro que está fazendo o possível para consertar o nosso país", aplaudiu a medida e ajudou o ministro a traduzir o economês para a linguagem popular. Naquele ano, ainda, Silvio explicou em seu programa que os seus aviõezinhos de dinheiro não desrespeitavam o real. "Nós também estamos, com a maior parte do povo, achando que o real é uma moeda forte".


Anhanguera: As relações de Silvio Santos com o presidente Fernando Henrique Cardoso (1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 2003) foram as mais cordiais possíveis. O quadro "A Semana do Presidente", inaugurado em junho de 1981, para agradar a Figueiredo, se estendeu até o final dos anos 90, contemplando com muita bajulação FHC. Em 1996, em um gesto de cortesia, o presidente visitou as instalações da nova sede do SBT, na Anhanguera, acompanhado por Silvio e toda a direção da emissora. Chamou o complexo de "uma fábrica de sonhos".


Doação ao Teleton: Silvio Santos manifestou simpatia por Lula em alguns momentos e vice-versa. Num episódio famoso, em 1989, durante a eleição, o então candidato do PT respondeu a perguntas do auditório no "Show de Calouros". Diante de uma crítica à então prefeita Luiza Erundina, que não reprimia os camelôs de São Paulo, Lula disse: "Se no tempo do Silvio Santos a polícia perseguisse os camelôs, ele jamais seria o que é hoje". Segundo Arlindo Silva, o empresário se emocionou com o comentário. Presidente entre 1º de janeiro de 2003 e 1º de janeiro de 2011, Lula enviou em 2008 uma mensagem gravada a Silvio, exibida abertura do Teleton, pedindo ao público para contribuir com a campanha. Em setembro de 2010, duas semanas antes do anúncio da quebra fraudulenta do Banco Panamericano, Silvio Santos visitou Lula no Planalto. Disse que foi pedir uma doação de R$ 12 mil ao Teleton, para celebrar os 12 anos do programa beneficente. Dois anos depois, Luiz Sandoval, ex-presidente do Grupo Silvio Santos, disse à Folha que o motivo da visita foi a quebra do banco: "Ele foi lá pedir a ajuda do presidente".


Sem impeachment: Não são conhecidos muitos momentos públicos entre Silvio e Dilma Rousseff. Presidente entre 1º de janeiro de 2011 e 31 de agosto de 2016, ela esteve pessoalmente com o dono do SBT em 16 de outubro de 2014, no dia do debate com Aécio Neves, no segundo turno da eleição presidencial. Ao final do debate, Dilma sentiu-se mal (teve uma queda de pressão) enquanto concedia entrevista a uma repórter da emissora. Por decisão de Silvio Santos, o SBT foi a única emissora a não transmitir ao vivo a votação do pedido do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados, em 17 de abril de 2016. O dono do SBT argumentou internamente que não queria passar a impressão de estar de um lado ou de outro, no espectro político. Três semanas depois, Silvio foi condecorado por Dilma com a Ordem do Mérito das Comunicações.


"Ganhei R$ 50?": Vice de Dilma, Michel Temer ocupou a presidência entre 31 de agosto de 2016 e 1º de janeiro de 2019, tempo suficiente para várias manifestações de apreço por Silvio Santos e vice-versa. O SBT fez propagandas tão entusiasmadas e alarmistas sobre a necessidade das reformas trabalhista e da Previdência que foi obrigado, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-DF), a se retratar com mensagens educativas. Em janeiro de 2018, Silvio recebeu Temer no seu programa e, por 15 minutos, fez propaganda da reforma da Previdência. Ao final, o então presidente deu uma nota de R$ 50 para o apresentador. "Eu vou fazer uma coisa que você faz com as suas colegas de trabalho. Eu vou passar um dinheiro pra você", disse Temer. A reforma não avançou no Congresso.


Ame-o ou deixe-o: Silvio Santos afirmou que não conhecia Jair Bolsonaro pessoalmente ao falar com ele por telefone na noite do Teleton 2018, em 10 de novembro. Na ocasião disse torcer para o então presidente eleito fazer um bom mandato e se reeleger. Também elogiou a escolha de Sergio Moro como ministro da Justiça e disse: "Oito anos com Bolsonaro e oito anos com Moro vai ter 16 anos de um bom caminho". Quatro dias antes, Silvio mandou o SBT exibir mensagens de cunho patriótico do tempo da ditadura militar, entre as quais o "ame-o ou deixe-o", popularizada durante o governo Médici. Diante dos protestos, mandou retirá-la do ar no mesmo dia. Em 12 de dezembro, Bolsonaro visitou Silvio em casa, em São Paulo, e participou de um almoço em comemoração ao 88º aniversário do empresário. Neste domingo (05), Bolsonaro será recebido no palco do "Programa Silvio Santos" para falar, entre outros assuntos, da reforma da Previdência.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.