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Carlinhos Maia: "Achei que era uma unanimidade no Brasil e quebrei a cara"

Colunista do UOL

27/12/2019 04h00

Se alguém teve um 2019 intenso essa pessoa foi o humorista Carlinhos Maia. Alçado a maior celebridade brasileira no Instagram, ele foi do céu ao inferno nos últimos 12 meses, quando: assumiu ser homossexual; casou-se com Lucas Guimarães (seu companheiro há mais de 10 anos), em uma cerimônia com direito à presença de inúmeras celebridades; encerrou a parceria profissional com o escritório que o representava; brigou com amigos famosos; e se viu envolvido em diversas polêmicas, algumas delas por atitudes cometidas e outas por falta de posicionamento, como o beijo em seu marido, no casamento, que acabou não sendo dado, como muita gente esperava. Um ano, de fato, bem movimentado.

"Achei que era uma unanimidade e quebrei a cara. Acreditei 100% que o Brasil me amava", disse em entrevista ao colunista Leo Dias.

O humorista ainda revela ter percebido isso ao sair do armário. "Foi a questão de eu me assumir e como eu me assumi [que começou a gerar críticas]. As pancadas vieram depois disso aí", conta.

Carlinhos aproveita para fazer um balanço das polêmicas em que se viu envolvido e reconhece que errou, tanto no caso de ter dito que "era um gay homem", numa forma equivocada de firmar-se um homossexual não afeminado, quanto quando desenhou um rosto em um quadro num hotel em que estava hospedado. "Eu sei que sou um cara do bem e f***-se quem achar o contrário. Tudo o que dizem não é o que eu sou, porque, se eu fosse tudo isso de ruim, eu não teria tanta gente me amando. Estou aqui, firme e forte. Não caí.", diz ele, que ganhou nas redes sociais o apelido de Carlinhos 'Chernobyl' Maia (em função do teor radioativo e tóxico que teriam suas declarações).

Carlinhos Maia - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Leia a íntegra da entrevista com Carlinhos Maia:


LEO DIAS - O nosso amigo David Brazil fala que ele é gay, nordestino, gago, nasceu pobre e, por causa disso, tinha tudo para dar errado. Mas ele deu certo. Você se encaixa nesse perfil também? Acha que tinha tudo para dar errado?

CARLINHOS MAIA - Cem por cento. E a gente dá errado até hoje, mesmo dando certo. Eu tinha tudo para dar errado lá atrás. São os mesmos quesitos [que o David]. Só não sou gago, mas tenho a língua presa. [risos]. Eu vim de uma cidade no interior de Alagoas, com 60 mil habitantes, a duas horas e meia de Maceió. Minha mãe é surda, não tem ensino. Meu pai não tem ensino. Eu sou adotado. A família do meu pai, a gente nunca tinha contato. A família da minha mãe não gostava de mim. Muitos deles diziam, "por que você pegou esse menino para criar? Por que você adotou essa criança?" Eu, a vida toda, fui fadado a me vitimizar. Chegava na casa de uma tia minha, ela dizia "com essa colher, você não pode comer, não". E teve muito isso. Hoje em dia, graças a Deus, não mais, mas a minha vida toda foi fadada a [achar que as coisas] não dariam certo. Era muita gente me colocando para baixo, o tempo todo. Para você ter noção, nunca esqueço a primeira vez que gravei o meu primeiro vídeo e soltei lá na cidade, a galera, eu passava em alguns lugares, e faziam chacota.

Mas, quando você percebeu que o jogo estava virando? Em que momento?

No momento em que eu decidi ir para a Internet e eu decidi parar de fingir, porque eu também fingia ser um cara riquinho na cidade. Eu dizia assim: "Eu tenho que fingir para esse povo me aceitar". Porque eu já morava numa vila, e a vila era um buraco. A gente ia para a escola, nem dizia que era da vila, porque as pessoas tinham aquele julgamento. As casas da gente foram dadas por um bispo. Foi quando eu fui para Internet e vi que o troço fez "vupt", que eu comecei a mostrar mamãe, que é a grande protagonista disso tudo.

Você achou que era uma unanimidade no Brasil?

Achei e quebrei a cara. Achei 100% que o Brasil me amava. Achei: "Tá tudo OK, não vejo uma crítica, não vejo nada", até eu me assumir. Foi a questão de eu me assumir e como eu me assumi. As pancadas, vieram depois disso aí.

A primeira crítica veio dos gays?

Sim. A [crítica] pesada, que veio forte, foi a dos gays. Veio a questão de me assumir, e eu fiquei impressionado como foi grande [a repercussão]. Todo mundo ficou assim, "Nossa, ele se assumiu e vai casar e tal".

Carlinhos Maia - Manuela Scarpa/Brazil News - Manuela Scarpa/Brazil News
Imagem: Manuela Scarpa/Brazil News

Mas também foi um casamento muito grande. Estavam lá Wesley Safadão, Anitta, Simone. Isso era uma prova de unanimidade. Em que momento você falou "não, não sou essa unanimidade!"?


No momento em que eu vi que [a coisa] ficou muito grande e que eu me posicionava de maneira que ofendia outras pessoas. Quando me assumi, usei a frase "sou um gay homem". Na minha cabeça, de um cara saindo do interior, que não terminou nem o Ensino Médio, era o certo. Eu cresci na Internet na malícia da vida, aprendendo a fazer vídeo. Ninguém estuda para ser digital influencer. Eu não imagino que a minha opinião vale tanto, é tão importante assim. Eu sou um cara que acho que as pessoas não seguem porque gostam do meu jeito de ser e acabou. Só que quando você percebe que cresceu demais é que tudo o que você fala atinge outras pessoas positivamente ou negativamente.

Dizer "Sou um gay homem" foi um erro?

Hoje, depois de ter estudado, de ter conversado e tal, [concordo que] foi um erro. Eu já tinha dito em outras entrevistas, tinha falado algumas vezes, "Gente, não é assim. Tô me desconstruindo, tô entendendo, tô sabendo como é". Não é fácil, sabe? A minha postura de vida é de outro [lugar]. Eu não sou um cara de São Paulo. Eu vim entrar no Twitter, agora. Para você ter noção. Eu nem sabia usar o Twitter. Meu negócio era pegar o telefone, fazer os vídeos com mamãe numa vila.

Em comparação com Instagram, você acha que o Twitter é uma rede mais "pesada"?

É pesada, de muito ódio e de muita treta. Lá, a gente descobre as tretas inicialmente. Quando eu vejo que meu nome está nos trending topics, eu me pergunto, "Meu Deus, o que eu fiz dessa vez, aconteceu o que dessa vez?". Mas, por um lado, [tudo isso] foi bom. Porque aí eu fui estudar porquê ofendia tanto as pessoas a forma como eu falava. Eu pedi ajuda às pessoas, a amigos próximos, principalmente, amigos que são drags... Também fui assistir séries, como "Pose", e aí fui entender. Eu vi que já existia essa rivalidade entre gays, que se vestem assim como eu me visto, junto com travestis. Já existiam todas umas questões enraizadas. Isso tem que acabar. Tem que parar de querer dividir. Eu acho que a gente está aqui para somar, para estar junto. Quanto mais os gays me atacam... Gente, eu estou ligado inteiramente à família brasileira. Aí, apontam para mim e dizem "Por que Carlinhos votou em Bolsonaro...". Eu nem votei! No dia, estava fazendo três sessões lotadas, em Brasília. Nem votei.

Mas você teria votado no Bolsonaro?

Claro que não! Óbvio que não. O que me irritava muito são as fake News. Igual, no dia do meu casamento, que saiu uma notícia, que eu dei entrevista dizendo que eu não ia beijar na boca [no meu casamento] em respeito aos convidados". Eu nunca disse isso. Eu não beijei na boca, porque [estavam lá] meu pai, [que é] um homem muito evangélico, minha mãe, [que é] mais "de boa"... Tinha ainda o pai do Lucas, que têm depressão, e a mãe e uma tia de Lucas. Eu disse: "Peraí! Eu já consegui trazer esse pessoal todo para cá, [essa turma] de uma outra [época], então, eu vou com calma". Eu quero que eles entendam que a gente é igual a eles, que a gente pode fazer família igual a eles. Porque, para o pessoal da minha terra, gay é [motivo de] chacota. Eu queria mostrar para eles que não. A gente tá aqui "de boa". Tá vendo que é tranquilo, igual a vocês. Porque os meus pais, se deram quatro beijos na boca na minha frente, foi muito. A minha criação foi essa criação de interior, de Nordeste. Hoje, depois de tudo isso, a minha mãe me pede: "você tem que beijar". Aí, eu digo: "Você também tem que beijar". Aí, nos Stories, eu fico toda hora: "Beija o papai. Papai, beija a mamãe". Aí, meu pai diz: "Vocês são muito bonitos juntos!" Então, tudo o que eu construí, foi para chegar com calma para eles.

Muita gente usa o termo "Carlinhos Chernobyl Maia" para se referir a você. O que significa e o que você sente ao ouvir esse termo?

Vou falar a mesma coisa que o Barack Obama falou em uma entrevista: A galera tá usando muito o termo "cancelamento" para as pessoas. Eu acho que cada um tem a maneira que quiser de fazer o seu protesto, mas eu acho que a gente está voltando, dando passos para trás, de uma conquista tão grande. Eu nem sei direito o que é ser Chernobyl, mas é pesado para qualquer pessoa usar isso. Acho desnecessário.

Você acha que alguma vez fez declarações comparáveis a declarações tóxicas?

As minhas declarações foram todas de um cara, como eu já expliquei milhões de vezes, que não sabia nem como falar.

Você acha que em algum momento você virou o alvo da vez? E como ficou o seu emocional nesse momento em que, de repente, o mundo todo parece ter resolvido te atacar?

Óbvio. Sem dúvida [virei alvo]. [Quanto ao meu emocional], para falar a verdade, eu sofri por uma semana. Sozinho. Não procurei ajuda nem de psicóloga. Nada. Eu tenho Deus. Quem tem fé, não tem medo. Eu sei quem eu sou. Eu sou um cara do bem e f*&a-se quem achar o contrário. Então, tudo o que dizem não é o que eu sou, porque, se eu fosse tudo isso de ruim, eu não teria tanta gente me amando. E olha que eu fui atacado por diversas pessoas gigantes, e estou aqui, firme e forte. Não caí. Se eu fosse realmente uma pessoa ruim, tenho certeza que todas as pessoas que me seguem já teriam me abandonado.

A pintura [feita por você] em uma tela num hotel, você analisa como um erro ou como uma brincadeira realmente?

Foi um erro. Eu não sabia - e muita gente também não - que, depois que você compra uma obra, você não pode fazer pintura nenhuma [nela]. Mas olha que interessante: virou informação, porque saiu em tudo que é jornal e, daqui para frente, tenho certeza que muita gente, após esse erro meu, nunca mais vai pintar obra nenhuma, mesmo sendo dono dela, porque não recebeu autorização [do autor] para pintar. Inclusive, peço milhões e milhões de desculpas a todos os artistas que se sentiram ofendidos. Realmente, eu não sabia.

Como está o casamento com o Lucas?

Se depender de mim, é filho em cima de filho. Pretendo adotar, mas mais pra frente. O Lucas está comigo há 10 anos. É a pessoa que mais entende o meu temperamento. A gente é muito fiel...

Carlinhos Maia - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Você é 100% fiel?

Quando eu comecei a ficar conhecido, me separei do Lucas. Eu me deslumbrei, fiquei totalmente deslumbrado. Conheci outras pessoas, fui curtir a vida. Qualquer pessoa se deslumbraria. Sucesso e fama, só você estando dentro para ver como é que funciona. Mas quando eu olhei para trás e vi o que eu estava perdendo, o amor genuíno de um cara que estava comigo desde o início, o amor da minha vida por rostinho bonito... voltei atrás. Chamei o Lucas e disse "Me perdoa. Quer me perdoar? Tô aqui com você". Desde então, eu trato ele como um príncipe. Faço tudo o que eu posso fazer por ele...

Você já pensou em abrir a relação?

Não, não. Não vou colocar mais pessoas na relação, porque o Lucas é muito cheirosinho, tem uma bunda durinha, uma boca cheirosa, um menino muito "coisado". [risos]. Não quero ninguém pegando ele, não. Não aceitaria de jeito nenhum.

O que você quer [para o futuro]? O que você quer em 2020, diferentemente do que aconteceu em 2019?

Acho que [eu queria] mais cautela em tudo o que vou fazer. Não dar credibilidade para todo mundo, principalmente, não amar todo mundo, não dar amor para todo mundo [porque nem todo mundo merece]. Outra coisa muito importante é ficar ainda mais perto das pessoas que me fizeram chegar até aqui. Todos os meus projetos são muito voltados [para elas], porque tem uma cidade inteira como cenário...

Mas você quer menos exposição também? Digo com os artistas?

O que acontece com os artistas é que muitos viram amigos, mas com muitos outros você se decepciona, porque, às vezes, você está naquela achando que é amigo, quando, na verdade, não é. É só uma troca rápida ali. E você também tem que entender isso. Você percebe isso, principalmente, se estiver passando por alguma polêmica. Todo mundo sai de perto, você parece realmente estar isolado. Nessa hora, você separa quem é quem e começa a entender como agir daqui para frente. Você já não cria tantas expectativas. Mas, não tem problema, é do jogo. Eu, Carlinhos, não deixaria ninguém para trás. Eu compro brigas. Você está aqui, estou com você até o fim. Sou seu amigo até o fim, mesmo errado. O importante mesmo é perdoar. Se você não consegue perdoar as pessoas, tem que trabalhar em você, porque fica um peso dentro de você. Porque a gente continua seguindo e vivendo.

Veja a entrevista completa abaixo e ouça a íntegra da conversa no podcast UOL Entrevista.

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