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Mauricio Stycer

Guel Arrares fala sobre a volta de O Auto da Compadecida e os "dois Brasis"

Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Matheus Nachtergaele) em  "O Auto da Compadecida" - Divulgação/Globo
Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Matheus Nachtergaele) em "O Auto da Compadecida" Imagem: Divulgação/Globo

Colunista do UOL

22/12/2019 05h01

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A minissérie que alcançou a maior audiência na história da Globo volta a ser oferecida ao público 21 anos após a sua estreia. Os quatro episódios de "O Auto da Compadecida" entraram no Globoplay nesta sexta-feira (20) e chegam à TV aberta no próximo dia 7 de janeiro.

Trata-se de um grande acontecimento, de fato. A minissérie foi remasterizada, ganhou nova abertura e os efeitos especiais foram refeitos. No mais, esta adaptação para a televisão do clássico de Ariano Suassuna (1927-2014) segue tal como foi vista entre 5 e 8 de janeiro de 1999.

Criada e dirigida por Guel Arraes (também assinam o roteiro João Falcão e Adriana Falcão), a minissérie traz os iluminados Matheus Nachtergaele (João Grilo) e Selton Mello (Chicó) nos papeis principais, e mais uma turma da pesada, que inclui Lima Duarte, Rogerio Cardoso, Fernanda Montenegro, Denise Fraga, Luis Melo, Diogo Vilela, Enrique Diaz e Marco Nanini.

Guel Arraes conversou com Cristina Padiglione e comigo durante a CCXP sobre a volta de "O Auto da Compadecida". Alguns trechos:

Dois Brasis
"O Ariano me falava muito, acho até que é do Machado de Assis essa história, que há o Brasil oficial e o Brasil real. A gente está vivendo muito o Brasil oficial. Só se fala em política, quem vai ganhar eleição... E o Brasil real está ali, sobrevivendo, com um monte de João Grilo e Chicó. O cara sobrevive sem nenhuma assistência... Quase que não tem mais ligação entre esses dois mundos. Acho que é muito isso que o Ariano trouxe para a dramaturgia. Você vê o Brasil real. É muito emocionante."

Guel Arraes - Greg Salibian/Folhapress - Greg Salibian/Folhapress
Guel Arraes, responsável pela adaptação de "O Auto da Compadecida" para a televisão
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

Direita e esquerda
"Eles são muito críveis. Eles não fazem proselitismo. João Grilo é absolutamente individualista. Ele faz nada para os outros. Faz por acaso. Só que ele tem uma ética; não faz nada errado."

"É uma lição. Precisa comer, precisa sobreviver, precisa se virar. É uma visão que é boa para a direita e para a esquerda. O mais importante para o cara é sobreviver. A esquerda acha que o povo está se organizando e vai fazer a revolução. E a direita acha que o povo é uma massa de manobra, que você vai levar com religião, com outras coisas. Não é."

Religião
"A visão que tem da religião no Auto é incrível. Ariano era protestante. Convertido. Se você for ver a religião no Auto, qual é o charme dela? É contra a religião oficial. É contra a Igreja estabelecida. Isso também é uma visão que a esquerda não está vendo hoje em dia. Ele tem uma intuição..."

"Não é uma comédia regional comum. É uma comédia que transcende. Fala de religião, fala de exploração, fala como é o povo brasileiro. E ela é muito engraçada."

Spin-off
"Quando acabou o Auto, pensamos em fazer uma série, As Peripécias de João Grilo e Chicó. Um spin-off. Chegamos a escrever um piloto. Era muito engraçado. Só que não tinha essa dimensão. Era mais uma comédia regional. Era uma coisa fácil de fazer. A gente ia ganhar dinheiro. Mas não levamos adiante. Para honrar esse legado tinha que ser uma coisa mais ambiciosa."

Questão familiar
"A gente brincava que se o Ariano não gostasse ia ter uma vendeta entre os Arraes e os Suassuna. As famílias moram uma casa em frente à outra. Ia voar tiro de um lado para o outro."

Bastidores
"Visitava muito Ariano. Eu faço muito comédia e falei pra ele. 'O Auto, para mim, é a melhor comédia brasileira. Tenho muita vontade de fazer'. Ele falou: 'Vou guardar pra você'. E eu: 'Nem sei se vou conseguir fazer'. E ele: 'Não. Não vou dar para mais ninguém'. Levou uns três anos. 'Fulano me ligou para pedir, mas eu disse que era sua'. 'Mas, Ariano...'

"Quando resolvi fazer, escrevi para ele e disse como pretendia fazer. 'Faça como você quiser'. Desse dia em diante, ele não viu mais nada. Só viu no ar. O pessoal conta que ele viu o primeiro episódio sozinho, depois entraram alguns familiares, no final já estava uma festa."

"Ele sempre acompanhou todos os trabalhos dele, inclusive os do Luiz Fernando Carvalho, que ele amava. Foi quem mais fez o Ariano na TV... 'O Auto de Nossa Senhora da Luz', 'Uma Mulher Vestida de Sol', 'A Farsa da Boa Preguiça', 'A Pedra do Reino'."

Avaliação de Ariano
"Tem duas coisas que ele não gosta muito. Eu ter tirado o palhaço, que é um pouco a representação do autor. Achei que fica mais popular não ter um narrador. O narrador distancia demais. E ele não gostou da representação do diabo, o figurino... Na peça, ele chamou de Encourado, que é um vaqueiro vestido de couro. Ninguém ia entender isso nacionalmente. Precisava saber que tem um mito... Tentei fazer um diabo medieval, um ar heavy metal em contraponto com aquele clima solar."

Novos projetos
"Tenho alguns projetos de cinema, mas parados. Tem um projeto grandão, que está pronto para ser produzido. É uma adaptação do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Na verdade, é uma transposição do romance para a guerra urbana de hoje em dia, que se passa em uma grande favela que se chama Comunidade do Grande Sertão. Texto do Jorge Furtado e meu. Para cinema e TV. A geografia política é muito parecida."

"Cuido na Globo Filmes de projetos de cinema que são ligados à TV. A gente identifica filmes que podem dar minisséries. Aí eu acompanho. Ideia de reprisar 'Auto' foi do Edson Pimentel, diretor da Globo Filmes, remasterizada. Eu só sugeri refazer os efeitos. E aí ele sugeriu refazer a abertura".

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